Qualidade das Informações e Superstição

Hoje em dia vivemos em uma era dominada pela informação, internet e comunicação imediata. Ferramentas como a internet nos possibilitam saber o que está acontecendo em qualquer lugar do mundo, em tempo quase real. Ainda assim, como todo o meio que pode ser usado para um bom fim, também pode ser usado para um mau fim.

Os meios de comunicação, no tocante à ciência, variam na qualidade das informações que divulgam; indo de ótima qualidade à péssima. O critério usado para avaliar a qualidade das informações são os mesmos critérios usados para avaliar qualquer trabalho científico; e esses são deixados de lado por muitos da mídia.

Carl Sagan denunciou a popularização da pseudociência durante o século XX. Um dos motivos para isso, segundo ele, é que a pseudociência satisfaz as necessidades emocionais das pessoas mais que o ceticismo e rigor da ciência autêntica permitiram até agora. Exemplos das extraordinárias coisas que a ciência não pode oferecer ao público mas que a pseudociência “pode” são as crenças em super poderes da mente, em atravessar paredes, em tornar coisas reais apenas com a força do pensamento, em curas milagrosas e em telepatia. Cito uma passagem de Sagan em O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista Como uma Vela no Escuro sobre o assunto:

Mas a superstição e a pseudociência estão sempre se intrometendo, aturdindo todos os “Buckleys”, fornecendo respostas fáceis, esquivando-se do exame cético, apertando casualmente nossos botões da admiração e banalizando a experiência, transformando-nos em profissionais rotineiros e tranqüilos, bem como em vítimas da credulidade. Sim, o mundo seria um lugar mais interessante se houvesse UFOS escondidos nas águas profundas, perto das Bermudas, devorando os navios e os aviões, ou se os mortos pudessem controlar as nossas mãos e nos escrever mensagens. Seria fascinante se os adolescentes fossem capazes de tirar o telefone do gancho apenas com o pensamento, ou se nossos sonhos vaticinassem acuradamente o futuro com uma freqüência que não pudesse ser atribuída ao acaso e ao nosso conhecimento do mundo.

Esses são exemplos de pseudociência. Eles parecem usar os métodos e as descobertas da ciência, embora na realidade sejam infiéis à sua natureza – freqüentemente porque se baseiam em evidência insuficiente ou porque ignoram pistas que apontam para outro caminho. Fervilham de credulidade.

Com a cooperação desinformada (e freqüentemente com a conivência cínica) dos jornais, revistas, editoras, rádio, televisão, produtoras de filmes e outros órgãos afins, essas idéias se tomam acessíveis em toda parte. Muito mais difíceis de encontrar, como me lembrou o encontro com o sr. “Buckleys”, são as descobertas alternativas, mais desafiadoras e até mais deslumbrantes da ciência.

A pseudociência é mais fácil de ser inventada que a ciência, porque os confrontos perturbadores com a realidade – quando não podemos controlar o resultado da comparação – são evitados mais facilmente. Os padrões da argumentação, o que passa por evidência, são muito menos rigorosos. Em parte por essas mesmas razões, é muito mais fácil apresentar a pseudociência ao público em geral do que a ciência.

Quando Sagan fala dos “Buckleys”, ele faz referência a um motorista que conheceu ao chegar no local em que participaria de uma conferência, que estava muito maravilhado com a pseudociência. Sagan teve que mostrar a ele durante a conversa que tiveram no carro que poucas evidências existem sobre os muitos mistérios a que o motorista se reportava, como a cidade lendária de Atlântida.

Muitos livros, revistas e até mesmo “pseudopesquisas” popularizam idéias infundadas científicamente e conquistam pessoas no mundo todo, que se maravilham com a possibilidade dessas superstições e histórias serem reais. Se maravilhar não é um erro, o erro ocorre quando sem questionarmos, aceitamos aquilo e tomamos decisões as vezes precipitadas, deixando de aplicar uma dose adequada de ceticismo a algo tão implausível.

Gosto de fazer uma distinção que, por mais óbvia que seja, passa totalmente despercebida por um número impressionante de pessoas: Existe a possibilidade e existe a probabilidade. Possível, a maioria das coisas é, mas isso não diz nada sobre a probabilidade de alguma coisa ser ou se tornar real. O que aumenta ou não a probabilidade de uma suposição ser correta são as evidências. Mas o que há de errado nas pessoas terem suas superstições e crenças, que mal isso pode ter? É certo que nem todas superstições oferecem grandes riscos à humanidade, mas muitas oferecem.

Como exemplo drástico, mas apenas ilustrativo, cito o suicídio em massa ocorrido na Guiana, em 1978. O caso de Jonestown chocou o mundo. Mais de 800 pessoas que faziam parte de um grupo de fiéis morreram bebendo uma mistura de Kool-Aid e um cianeto ao comando do reverendo Jim Jones, que no momento do suicídio “falava em um sistema de alto falantes sobre a beleza da morte e da certeza de que se encontrariam em outro lugar” (Aronson, Wilson e Akert, 2002).

Entre as pessoas estavam pelo menos 80 bebês e crianças que receberam o veneno de seus pais. O reverendo Jim Jones tinha há alguns anos anteriores ao do suicídio emigrado com um grupo de fiéis para a Guiana para fundar a Jonestown, uma comunidade inter-racial baseada em “amor, trabalho árduo e iluminação espiritual”. Na prática foi diferente: ex-membros relataram em entrevistas que Jones instituiu um sistema de castigos severos, incluindo humilhações públicas a impiedosos espancamentos de qualquer um que discordasse dele, incluindo crianças e mulheres.

Em 1997, outro suicídio em massa no Rancho Santa fé, Califórnia, dos membros do culto Portal do Céu. Eles acreditavam que seriam transportados para o espaço sideral por seres extraterrestres, assim que deixassem seus corpos (Aronson, Wilson e Akert, 2002). Esses dois exemplos são frequentemente associados a processos de conformidade por líderes e coesão de grupos, e certamente o são. Mas é óbvio pensar que os integrantes desses grupos aceitaram um conjunto de crenças e princípios ao se afiliarem, posteriormente agindo de forma coesa com o grupo.

Assim como no Afeganistão, homens bomba matam várias pessoas acreditando que irão para o paraíso, de encontro com várias virgens para seu deleite; guerras, mortes e discriminação contra mulheres e homosexuais, só para citar alguns exemplos, foram feitos por pessoas que acreditavam nas palavras de um livro (traduzido, reescrito, reformulado por várias pessoas que falavam várias línguas, há vários anos atrás) que conta histórias muito desagradáveis ocorridas no passado. Judeus foram massacrados por homens que acreditaram que existia uma raça superior que deveria exterminar a raça inferior.

Porque comumente pensamos nesses exemplos de forma tão diferente para cada caso? Não foram sempre pessoas acreditando em algo que não tinham evidências plausíveis para acreditar, aceitas a partir de uma autoridade, e mesmo assim agindo em nome do que acreditam? Pessoas como Jin Jones e seus fiéis, os integrantes do culto portal do céu, guerreiros das cruzadas, alemães que viveram o nazismo, homens bomba, Osama Bin Laden, Hitler, eram simplesmente pessoas más? Não é muito simples e superficial essa conclusão?

Pegando um dos exemplos, no grupo de fiéis de Jones haviam pessoas boas, felizes com suas famílias, com boas intenções, que só queriam fazer o que achavam certo. Muitas pessoas boas, caridosas, alegres, que amavam suas famílias e a vida se explodiram em atentados terroristas no Oriente Médio.

Porque então? Uma explicação menos simplista e menos cômoda seria porque essas pessoas realmente acreditavam no que diziam acreditar, eram honestas e coerentes com suas crenças. Agora refaço a questão, reformulando-a: algumas superstições e crenças que aceitamos podem ser ruins para a humanidade e o bem estar coletivo?

Apesar da onda de superstição que ainda assombra a humanidade em pleno séxulo XXI, e da mídia oferecer muitas informações errôneas e de pouca qualidade, as informações de qualidade estão ganhando espaço e se tornando cada vez mais disponíveis. Crescemos tanto nos últimos anos quanto à disponibilização de material científico de ponta que hoje qualquer pessoa dentro de uma universidade federal (não sei se todas, mas muitas universidades) pode ter acesso a uma vasta quantidade de bases de dados, artigos, dissertações, livros, resenhas e resumos do mundo todo.

Através do Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) alunos de graduação e pós-graduação podem ter acesso ao que há de melhor sendo produzido no mundo, com informações atualizadas de várias áreas como a Medicina, Biologia, Psicologia e muitas outras. Existe um sessão do portal que é de acesso livre para quem não tem acesso a universidade, podendo ser explorada de qualquer computador. Só como ilustração passamos de um número de 1.882 títulos em 2001 no portal para 15.475 em 2009.

Ainda não é o ideal, mas é um grande avanço. O número de websites, documentários, entrevistas e debates sobre a ciência autêntica sem dúvida aumentou nos últimos anos, o que é animador, pois esses meios poderiam ser mais úteis na instrução e educação das pessoas do que é.

Referências:
Aronson, E.; Wilson, T. D. & Akert, R. M. (2002) Psicologia social. São Paulo: LTC.

Discussão - 2 comentários

  1. Ro Xo disse:

    Adorei seu post! Posso dizer que esse post é enriquecedor para o conhecimento e para a vida. Parabéns pelo post!!! Já estou seguindo o blog...BeijosMari

  2. André Luiz disse:

    Mari, muito obrigado pelo comentário, que bom que gostou! Comentários assim são sempre muito animadores!bjosAndré

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