Aborto

Por definição, aborto é a interrupção da gravidez, podendo se dar de forma natural ou artificial. Complicações durante a gestação podem resultar em um aborto natural ou na necessidade de uma intervenção cirúrgica para retirada do feto.

Algumas mulheres desejam interromper a gravidez devido à circunstâncias nas quais a gravidez se deu: estupro, descuido, falta de planejamento, falta de condições econômicas, imaturidade biológica, instabilidade familiar entre outras circunstâncias.

Existem pessoas que apoiam o aborto e pessoas que são radicalmente contrárias. É uma questão extremamente controversa que causa reações apaixonadas e intolerantes de muitas pessoas, o que sem dúvida dificulta uma discussão mais moderada e cautelosa. Porém, cada vez mais, mostra-se necessária que uma discussão séria seja feita pela sociedade sobre o assunto e que algumas decisões sejam tomadas a fim de evitar mais mortes de gestantes no Brasil e no mundo todo pela falta de opções e apoio que muitas delas têm.

De acordo com dados da ONU, pelo menos 70 mil mulheres perdem a vida anualmente em consequência de aborto realizado em condições precárias (informação retirada da wikipédia). Algumas técnicas de aborto fazem parte do sistema público de certos países, enquanto em muitos outros ela não é reconhecida como legal.

A lei brasileira prescreve o aborto no Código Penal Brasileiro como crime contra a vida, prevendo detenção de 1 a 10 anos, de acordo com a situação. O artigo 128 do Código Penal dispõe que não se pune o crime de aborto nas seguintes hipóteses:

1. quando não há outro meio para salvar a vida da mãe;
2. quando a gravidez resulta de estupro.

A “não punição” não necessariamente deve ser interpretada como exceção à natureza criminosa do ato, mas como um caso de escusa absolutória (o Código Penal Brasileiro prevê também outros casos de crimes não puníveis, como por exemplo o previsto no inc. II do art. 181, no caso do filho que perpetra estelionato contra o pai). A escusa não tornaria, portanto, o ato lícito, apenas desautorizaria a punição de um crime, se assim o entendesse a interpretação da autoridade jurídica. (informações retiradas da wikipédia).

As pessoas que apóiam o aborto dificilmente o apoiam integralmente e incondicionalmente. O que a grande maioria delas defendem é uma discussão e análise dos contextos nos quais o aborto é legítimo e um maior apoio do estado na legislação e na prática.

Existem circunstâncias nas quais o nascimento de uma criança pode ser desfavorável tanto para a mãe quanto para a família e pior ainda para a criança. Uma mãe jovem, por exemplo, pode não ter maturidade biológica adequada, maturidade emocional, condições financeiras nem mesmo apoio tanto do pai quanto da própia família.

Vamos supor o seguinte exemplo: uma menina de 9 anos é estuprada pelo seu padrasto, resultando numa gravidez. A menina foi traída por alguém em quem deveria confiar, e então algo completamente fora do controle dela aconteceu. O exame que constatou a gravidez foi feito alguns dias após o estupro, sendo que o feto ainda não possuia qualquer estrutura nervosa que o permitisse sentir dor ou sofrimento.

Além disso, a menina está grávida de gêmeos, um tipo de parto considerado de alto risco até para mulheres com maturidade biológica completa, o que reflete o grande risco de um parto para uma menina de 9 anos. A família solicitou o aborto, pois a filha corria sérios riscos de vida. Ele foi realizado com sucesso e a menina teve boa recuperação.

Nesse caso, a menina deve ser obrigada a ter o filho, tendo em vista o risco de vida da menina ou de lesões na criança?

Esse exemplo é baseado em um caso real e foi amplamente noticiado internacionalmente durante o ano de 2009, principalmente devido ao posicionamento contrário de algumas autoridades religiosas sobre a questão.

O arcebispo de Olinda e Recife, José Cardoso Sobrinho, se manifestou de forma radicalmente contrária ao aborto – excomungou os médicos que realizaram o aborto e os parentes da menina. Para que não pareça uma posição extremada de um religioso enfurecido ou um caso particular e não representativo, adiciono que o vaticano apoiou o posicionamento do arcebispo (segue “aqui” link de notícia veiculada pelo site da BBC Brasil).

O arcebispo se justificou dizendo que “a lei de Deus está acima de qualquer lei humana”. Esse posicionamento absolutista e imponente foi aprovado pela instituição mais representativa da igreja católica, demonstrando que o que importa para uma visão desse tipo não é a complexidade e as particularidades das situações que devemos lidar, e sim as instruções dadas por um livro muito antigo.

Eu tentaria transcrever o posicionamento implícito nisso da seguinte forma: Não importa se a menina corria altíssimo risco de vida e se a concepção se deu por conta de um estupro do seu padrastro, o meu livro diz que isso é errado então que a menina se submeta a todos os riscos possíveis para fazer valer o que eu acredito. Segue “aqui“o link de um texto muito interessante do blog Uma Visão de Mundo sobre o caso, vale a pena ler!

O mesmo arcebispo completou sua lambança com a afirmação infeliz de que “Esse padrasto cometeu um pecado gravíssimo. Agora, mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto, eliminar uma vida inocente.” (fala retirada de notícia veiculada pelo site da Globo, “nesse” link). Como ele consegue ver algum nexo lógico em comparar duas situações como essas e dizer que o aborto é pior que o estupro? Que tipo de argumentação insana é essa?

Esse episódio foi apenas um de recorrentes episódios em que a religião entra em conflito com a ciência e o estado, querendo impor suas crenças a toda a sociedade, composta por pessoas com diferentes crenças e opniões. Seja nas escolas, enburrecendo, reprimindo o pensamento crítico e desmentindo conhecimentos já bem estabelecidos pela ciência (como melhor descrevi em texto anterior sobre a fé nas escolas); nas questões públicas, querendo impor sua moralidade arcaica e desumana que nem sequer guarda uma coerência completa contra o sofrimento humano (já que a pedofilia e o estupro não foram adequadamente contemplados pelos autores da bíblia); nas pesquisas científicas, como a oposição à pesquisa de células tronco e de clonagem; na liberdade de opção das pessoas, reforçando e alimentando preconceitos contra homossexuais, mulheres, ateus, mulçumanos e cultuadores de outros deuses – algumas formas de pensamento irracional e engessado, das quais podemos traçar exemplos dentro de algumas religiões, parecem ser um impedimento à paz mundial e ao consenso entre as pessoas (por mais que obviamente existam muitas outras variáveis envolvidas nisso).

Recentemente o debate acerca do aborto voltou a ser atenção dos brasileiros com a aproximação das eleições, que ocorrerá este ano. Em especial a candidata do PT, Dilma Rousseff, foi alvo de ataques por parte da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), acusando-a de defender o aborto e recomendando aos seus fiéis que não votem nela.

O grupo dos bispos omitiu algumas informações importantes àqueles que respeitam e consideram o seu posicionamento relevante: a candidata Dilma não apoia, incondicionalmente e sob qualquer justificativa, o aborto banalizado – o que ela, assim como todos os outros candidatos, defende, é que essa é uma questão de saúde pública e que, como todas as outras, deve ser discutida. Não faço aqui apologia à Dilma.

Meu interesse é em demonstrar mais uma vez a impertinência com a qual alguns grupos religiosos tentam atrasar a discussão e o avanço sobre algumas questões extremamente importantes para a nossa sociedade, recorrendo, nesse caso, a uma forma polida e disfarçada de um “voto de cabresto moderno” (com suas adaptações necessárias) para dizer às pessoas o que devem fazer ou não, já que elas não são suficientemente capazes de chegarem às suas própias conclusões sozinhas.

A legalização do aborto tornaria necessária uma reforma no sistema público de saúde que oferecesse condições mínimas de qualidade para que um procedimento como esse pudesse ser feito. Consequência disso é que um número determinado de casos nos quais tenha sido estabelecido que o aborto é necessário e justificado, uma mulher que antes recorreria a métodos perigosos e arriscados contaria com o apoio do estado e não correria tantos riscos de vida, pois um procedimento médico bem feito é muito menos arriscado.

Tornar completamente ilegal o aborto não vai impedi-lo de acontecer, mas deixará um grupo de mulheres em uma situação perigosa e vulnerável, sem qualquer amparo da lei ou do estado. Tornar banalizado e aceitável em qualquer circunstância é igualmente desmedido e poderá ter consequências ruins também. A solução deve residir em algum lugar entre esses dois extremos.

Quais as condições em que um aborto é justificável? Essa é a grande pergunta que precisamos buscar respostas nos próximos anos a fim de evitar mais mortes desnecessárias.

Discussão - 1 comentário

  1. Daniel Gontijo disse:

    Sim, em um lugar entre aqueles dois extremos.Um abraço!

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