Bebês têm noções de moralidade?!

Muito se discute hoje em uma área de pesquisa da psicologia chamada de Moral Psychology (Psicologia da Moral) sobre os aspectos genéticos e culturais envolvidos no desenvolvimento do julgamento moral e das noções de certo e errado que nós temos sobre os nossos e os comportamentos dos outros.

Por muito tempo uma idéia dominante foi a de que esses padrões de moralidade só podem existir através de um aprendizado formal, alguns chegando até a afirmar que só através de uma educação religiosa isso é possível e que sem a religião nós seríamos selvagens, violentos e desumanos.

A despeito das nações mais desenvolvidas hoje em dia serem as menos religiosas (e.g. Suécia, Noruega, Dinamarca), como descreve Phil Zuckerman em seu livro Society Without God, esse argumento ainda vêm sendo usado, até mesmo pelo pobre papa Bento XVI, em várias declarações infelizes recentemente, apontando o dedo para novos inimigos (ateus) na tentativa de mostrar a importância da igreja no mundo e tirar o foco da atenção nos casos de abuso sexual que há muito tempo a igreja vêm abafando nos seus bastidores (aonde está essa moralidade tão imponente que a educação religiosa oferece nesses padres abusadores de criancinhas?).

ResearchBlogging.orgUm artigo publicado em 2007 na Nature, uma das revistas científicas mais importantes no mundo e de maior impacto, traz dados sobre a “avaliação” de comportamentos sociais por parte de bebês de 10 e 6 meses de idade. Os resultados indicaram que ao observar uma interação entre um boneco que ajudava o outro a subir uma montanha e um boneco que atrapalhava o outro a subir uma montanha, mais de 90% dos bebês escolheram o boneco que ajudava o outro a subir a montanha. Mais precisamente, 14 dos 16 bebês de 10 meses de idade e 12 dos 12 bebês de 6 meses de idade escolhiam o boneco que havia ajudado o outro na interação que o bebê tinha assistido.

No experimento 2, avaliou-se o efeito que seria obtido ao tirar os olhos do boneco para testar a hipótese de que não se obteria o mesmo efeito com “objetos inanimados” sendo empurrados, mesmo que descrevessem a mesma trajetória do boneco com olhos, pois essa situação não poderia ser interpretada como uma interação social. A única diferença do experimento 1 foi que o objeto inanimado não descrevia nenhum movimento auto-gerado. O resultado foi que 6 dos 12 bebês de 10 meses escolheram o boneco que ajudava e 4 dos 12 bebês de 6 meses também, demonstrando que as interações entre os bonecos pode ter sido entendida de forma diferente do experimento 1, por não se tratar de uma interação social.

Por fim, no experimento 3 avaliou-se a valência dos bonecos: metade dos participantes de cada grupo de idade viu um evento de ajuda seguido por um neutro, e a outra metade viu um evento de empecilho (um boneco atrapalhava o outro a subir) e um neutro. Para os bebês de 10 meses, o boneco que queria subir a montanha era um círculo azul, o boneco com valência era um quadrado vermelho e o neutro, um triângulo amarelo. Para os de 6 meses, o boneco que queria subir a montanha era um círculo vermelho, o com valência era um triângulo amarelo e o neutro, um quadrado azul.

Os bebês viam ou um evento de ajuda alternado com um neutro, ou um evento de impedimento e um neutro. O de ajuda e de empecilho eram iguais aos do experimento 1. Na habituação neutra o boneco que queria subir a montanha dançava por 2 segundos e depois parava sem se mecher. O outro boneco entrava na cena, passava pelo boneco que queria subir sem interagir com ele, descrevendo a mesma tragetória ou do que ajudava, ou do que não-ajudava dependendo da condição.

O resultado foi que na hora de escolher entre o boneco que ajudava e o neutro, a maioria dos bebês escolheu o que ajudava, mas ao escolher entre o que atrapalhava e o neutro, 7 dos 8 bebês de 10 meses e 7 dos 8 bebês de 6 meses escolheram o boneco neutro, demonstrando que além de preferir o boneco que ajudava eles também tinham aversão do que atrapalhava.

A conclusão dos autores a partir dos resultados dos 3 experimentos realizados é que os bebês avaliaram os bonecos baseados em seus comprotamentos sociais e não a aspectos perceptuais superficiais do experimento. Para demonstrar isso os autores contrabalancearam as seguintes variáveis entre os participantes: cor/forma do boneco ajudante e do que atrapalhava; ordem dos eventos de habituação do boneco ajudante e do que atrapalhava; ordem de escolha e das medidas de tempo do olhar; posições do boneco ajudante e do que atrapalhava na escolha e no tempo de exposição por ensaio; ordem de exposição, por cada ensaio, da aproximação do boneco ajudante e do boneco que atrapalhava.

Ao demonstrar que outras variáveis superficiais não tiveram efeito significativo, os autores corroboraram suas conclusões de que os resultados são melhores explicados em termos de avaliações sociais (os bebês preferiam mais o boneco que agia cooperativamente para ajudar o outro a alcançar sua meta e menos o boneco que impedia o outro de atingir sua meta).. No vídeo abaixo é possível ver de forma rápida como o experimento acontecia.

Esses resultados corroboram a hipótese de que a capacidade para avaliar indivíduos, baseada nas suas interações sociais, tem um aspecto universal e não-aprendido. Mas dizer que existem bases genéticas para a nossa capacidade de avaliação social, contrariando a grande maioria daquilo que já havia sido dito sobre a nossa moralidade, não implica em dizer que os genes “determinam” essa capacidade ou que são os únicos fatores relevantes. Dizer que existem bases biológicas é apenas dizer que a nossa biologia também faz parte da equação, e não que ela é a equação inteira.

É claro que, se existem influências genéticas para a nossa capacidade de avaliar o comportamento social de outros indivíduos, nada impede que exista variabilidade dessa capacidade na população – o que é muito provável que exista – e que os seres humanos sejam capazes de aprimorar e modificar a forma como avaliam moralmente as ações dos outros a partir de influências do ambiente em que vive (como através da instrução formal, por exemplo). Além disso, sem a estimulação ambiental o desenvolvimento dessa capacidade seria extremamente limitado. A influência de um aspecto do desenvolvimento (genes) não exclui a influência do outro (ambiente), e cada vez mais a pesquisa em psicologia do desenvolvimento tem demonstrado a importância variável que esses dois aspectos tem no desenvolvimento das mais diversas capacidades humanas.

Referências:

Hamlin, J., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). Social evaluation by preverbal infants. Nature, 450 (7169), 557-559 DOI: 10.1038/nature06288

Zuckerman, P. (2008). Society without God – What the Least Religious Nations Can Tell Us about Contentment. New York: New York University Press.

Download:

FLVMP43GP

Discussão - 5 comentários

  1. Daniel Gontijo disse:

    André, os pesquisadores também alternaram qual seria o boneco cooperador (o triangular ou o quadrado)?

  2. André Rabelo disse:

    Sim Daniel, inclusive acho que seria bom dar mais detalhes dos experimentos que foram realizados e do controle de variáveis. Tentei cortar o máximo de informações, mas agora acho que seria legal mostrar a riqueza do método experimental empregado nesse estudo. Dê uma olhada no texto novamente que inseri mais informações!abraço,André

  3. [...] bebês possuem capacidades impressionantes mesmo quando ainda possuem poucos meses de idade, como noções rudimentares de julgamento moral (Hamlin, Wynn e Bloom, 2007), além de um entendimento básico do mundo físico e do mundo social [...]

  4. [...] a idéia de que os seres humanos possuem determinadas tendências humanas inatas, “aqui” e “aqui”. Além disso, Dovidio da dois exemplos para ilustrar  a relação entre pedisposições e o [...]

  5. [...] Bebês têm noções de moralidade?! TweetFonte: Ciência – Uma Vela no Escuro [...]

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