A Temperatura de um Copo Pode Influenciar Nossas Decisões?

Um estudo publicado em 2008 na Science (periódico de grande impacto mundialmente) obteve os seguintes resultados: pessoas que seguraram brevemente um copo de café quente perceberam uma pessoa alvo como significativamente mais calorosa (warmer) do que pessoas que seguraram um copo de café gelado; e pessoas que seguraram uma bolsa “terapêutica” quente responderam de forma mais prosocial em uma tarefa de tomada de decisão do que participantes que seguraram uma bolsa fria. Em suma, experiências com calor e frio parecem influenciar nossas percepções e até tomadas de decisões.

O estudo controverso de Williams e Bargh, intitulado Experiencing Physycal Warmth Promotes Interpersonal Warmth (Experiência de calor físico promove calor interpessoal), foi comentado e demonstrado (só o primeiro estudo) em um documentário da BBC. Esse trecho do documentário está disponível no youtube “nesse” link.

No artigo os autores usam o conceito de “calor interpessoal” como uma constelação de traços relacionados a um favorecimento percebido da intenção de outros em relações a nós, incluindo simpatia, confiança e prestatividade. Faz parte do senso comum de muitas culturas se referir a algumas pessoas como “frias”, que seriam pessoas que não demonstram sentimentos ou não os tem; que são indifirentes, individualistas e anti-sociais. Isso ilustra um argumento de linguístas cognitivos contemporâneos de que as pessoas conceitualizam seus mundos mentais internos por analogia com o mundo físico.

O estudo se baseou na idéia de que a experiência sensorial de calor quando alguém segura um copo quente ou toma um banho quente deve ativar memórias de outros sentimentos associados com calor ( confiança e conforto), por conta de experiências na infância com seus cuidadores que forneciam calor, acolhimento, segurança e alimentação. Por conta dessas frequentes experiências de vida na infância com cuidadores, uma associação mental estreita deveria se desenvolver entre os conceitos de calor físico e “calor” psicológico.

Os autores apontam alguns estudos que subsidiam os argumentos que propõe no estudo. Um deles é o estudo clássico de Harlow (1958) onde macacos na fase da infância preferiam estar próximos de uma “mamãe” de pano do que uma “mamãe” de arame, mesmo quando a mamãe de arame era uma fonte de comida.

A explicação proposta para a preferência dos macacos é que a mamãe de pano era uma fonte de calor, e esse contato de conforto com a mamãe era um importante fator no desenvolvimento do macaco, como foi verificado que os macacos que tiveram contato apenas com a mamãe de pano tiveram um desenvolvimento social normal, em contraste com os macacos que tiveram contato somente com a mamãe de arame.

Os autores também apontam que as pesquisas mais recentes em neurobiologia do afeto revelaram que o córtex insular esta implicado no processamento de informação tanto do calor físico como do calor psicológico. A insula também está envolvida no processamento de informações ligadas a sentimentos de confiança, empatia, culpa e vergonha.

Existe ainda um link da insula anterior em indivíduos com o transtorno de borderline, desordem caracterizada por uma profunda inabilidade em cooperar com outros. Essa dificuldade em cooperar tem sido relacionada com uma falta de responsividade diferencial nessa região a comportamentos confiáveis versus não confiáveis em parceiros de um jogo econômico (Meyer-Lindenberg, 2008).

ResearchBlogging.orgDois estudos foram realizados para testar as hipóteses do estudo relacionadas a temperatura e o efeito da experiência de calor x frio em tomadas de decisão. No primeiro estudo os participantes seguravam um copo quente de café (para um grupo experimental) ou um copo frio de café (para o outro grupo). A forma como isso era feito pode ser vista no vídeo que disponibilizei o link. Em uma tarefa posterior, os participantes tinham que dizer a impressão que tiveram de uma pessoa.

Os participantes que seguraram o copo quente perceberam a pessoa como significativamente mais “calorosa” do que participantes que seguraram o copo frio. No segundo estudo era dito aos participantes que eles avaliariam um produto que poderia ser uma bolsa terapêutica quente (para um grupo experimental) ou uma bolsa terapêutica fria (para o outro grupo). Eles deveriam segurar ela por alguns instantes e dizer o quão efetiva acharam a bolsa que seguraram.

Depois disso era oferecida uma recompensa por participar do estudo. A recompensa poderia ser um presente para um amigo ou uma recompensa pessoal para os própios participantes. Os participantes que seguraram a bolsa fria escolheram significativamente mais o presente para si mesmas (75%) do que para um amigo (25%), enquanto que os participantes que seguraram a bolsa quente apresentaram maiores tendências em escolher o presente para um amigo (54%) do que para si mesmos (46%).

A conclusão dos autores diante dos resultados obtidos é que as experiências físicas de temperatura por si própias afetam a impressão que formamos de outros e o comportamento prosocial direcionado a outros sem que nós tenhamos consciência dessas influências. Resumi muitos detalhes do estudo aqui e não comentei o controle de algumas variáveis. Para os mais curiosos, é só buscar o artigo na página da Science.

Referências:

Meyer-Lindenberg A (2008). Psychology. Trust me on this. Science (New York, N.Y.), 321 (5890), 778-80 PMID: 18687945

Harlow, H. (1958). The nature of love. American Psychologist, 13 (12), 673-685 DOI: 10.1037/h0047884

Williams LE, & Bargh JA (2008). Experiencing physical warmth promotes interpersonal warmth. Science (New York, N.Y.), 322 (5901), 606-7 PMID: 18948544

Discussão - 4 comentários

  1. Marcos A. Rodrigues Jr disse:

    Este estudo sustenta as teses de B. F. Skinner, que nosso comportamento verbal é controlado por múltiplas variáveis e não apenas por uma só.Na verdade, o que se forma é uma equivalência de estímulos na história de aprendizagem destas pessoas entre calor e as palavras afeto/carinho/atencioso, etc.Pois nomes de sentimentos são em sua origem para descrever eventos físicos e, posteriormente usados metaforicamente para eventos "subjetivos". Tem um artigo experimental muito interessante sobre essa teoria.http://pepsic.homolog.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1517-55452009000100007&script=sci_arttext

  2. Daniel F. Gontijo disse:

    Mas a tomada de decisão dos participantes em quase nada tem a ver (não diretamente) com comportamento verbal, Marcos. Mas é verdade que esse tipo de comportamento é controlado por inúmeras variáveis -- entre as quais a sensação térmica.Ótimo texto.

  3. André Rabelo disse:

    Foi o que pensei também, Daniel, são coisas diferentes. A equivalência dos estímulos faz sentido. Para mim, são apenas nomes diferentes usados para falar sobre a mesma coisa. Li o resumo do artigo que vc enviou e parece bem interessante, Marcos. Ah e obrigado, Daniel!

  4. Marcos disse:

    O ato de verbalizar pode ter ocorrido privadamente (em um nível de observação somente acessivel ao emissor).

    Mas a equivalência tende também a controlar outras formas de comportamento que não o verbal.

    O verbal é o mais obvio.

    haha.. é a velha rincha Cognitivismo versus Behaviorismo.

Deixe um comentário para Marcos Cancelar resposta

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.