Seleção x Sorteio

Fonte: Folha Biológica

Autor: Rubens Pazza

Definitivamente, evolução não ocorre ao acaso. Mas afinal, o que torna a evolução biológica não aleatória?

Sem mesmo cunhar o termo “Evolução”, Darwin nos explica que as espécies sofrem mudanças ao longo das gerações, e que um processo chamado de “seleção natura” atua escolhendo os indivíduos que transmitirão suas características aos descendentes. Em outras palavras, a seleção natural determina quem viverá o tempo suficiente para se reproduzir, através do instinto básico de perpetuação da espécie.

Ora, se há uma seleção, não pode haver aleatoriedade. Não existe seleção “ao acaso”. Tomemos um exemplo: toda semana, inúmeras pessoas escolhem seis números que imaginam (e esperam) que sejam escolhidos dentre 50 em um determinado jogo da loteria. Caso acertem, recebem uma soma em dinheiro. Em um local apropriado, há uma urna contendo 50 bolas que representam os 50 números do jogo. Dessa urna retiram-se seis bolas, completamente ao acaso. Nenhum fator específico força a saída de um número da urna em detrimento de outro. Ou seja, os números são sorteados, tirados da urna aleatoriamente, um a um. Jamais diríamos que seis números selecionados, mas sim, que foram sorteados.

Compare agora com o próximo exemplo: um determinado produtor planta feijão e retira de sua produção as sementes que utilizará na lavoura no próximo ano. Para isso, escolhe para o próximo plantio sempre as maiores sementes. As sementes menores são enviadas à Cooperativa. Não se pode dizer que as sementes que ele utilizará na próxima safra foram escolhidas ao acaso. O produtor utilizou um critério que selecionou determinadas sementes em detrimento de outras, ou seja, selecionou uma característica. Se tal escolha lhe garantirá maior produção na próxima safra ou não, depende quase exclusivamente da característica em questão ser hereditária ou não.

É importante ficar claro a diferença entre sorteio e seleção. No sorteio nenhuma característica em si é levada em consideração nas escolhas, tudo é ao acaso, aleatório. Em uma seleção, por outro lado, pelo menos uma característica é utilizada para separar ou escolher alguns membros dentro de um grupo.

Pode-se pensar que assim como no exemplo citado, a seleção precisa de um Selecionador. Definitivamente isso está correto. É necessário um selecionador. No entanto, tal selecionador não precisa de inteligência, não precisa saber o que está fazendo. Voltemos ao exemplo anterior: o agricultor sabia o que queria: queria selecionar os maiores grãos para plantar na próxima safra. Este processo seletivo realizado pelo ser humano é conhecido como “seleção artificial” e ilustra bem o processo análogo que ocorre na natureza. Notamos claramente que o agente selecionador tem intencionalidade, pois tem um objetivo em mente; racionalidade, pois é capaz de planejar a seleção e idealizar um objetivo concretizado. Será então que todo processo de seleção envolve intencionalidade e racionalidade?

O biólogo Richard Dawkins, no livro “O relojoeiro cego”, cita um exemplo simples de como a ordem pode surgir do caos. Ao vermos a deposição de pedregulhos numa praia, percebemos uma ordem. As pedras menores localizam-se na região superior, aumentando gradativamente de tamanho conforme avançam para o mar, muitas vezes de um modo tão meticuloso e organizado que nossa mente poderia nos trair e nos levar a acreditar que devem ter sido intencional e racionalmente organizadas daquela maneira. Um breve retorno à realidade nos mostra a verdade.

Nas marés altas, a força das ondas empurra os pedregulhos para fora, praia acima. Entretanto, sabe-se que os obstáculos diminuem gradativamente a força das ondas. Assim, enquanto em regiões mais próximas da maré a força das ondas é suficiente para empurrar pedregulhos maiores, quanto mais para fora, menor será a força da onda e menores serão os pedregulhos que ela pode carregar. Como a força das ondas decresce gradativamente, vemos como resultado a gradativa ordem de tamanhos nos pedregulhos. Os pedregulhos não foram espalhados lá por sorteio, ao acaso. Foram selecionados. No entanto, não há intencionalidade nem racionalidade nesta seleção. O agente selecionador (a força das ondas) não precisa de inteligência.

Nenhum organismo vivo é alheio ao que lhe cerca. Todos interagem com o ambiente onde vivem, com outros integrantes de sua família, grupo, população ou espécie, com outros seres vivos, sejam eles predadores, presas, hospedeiros, parasitas simbiontes, alimento, decompositores. Enfim, sua vida afeta tudo ao seu redor e por tudo é afetada. Da mesma forma que os pedregulhos são afetados pelas ondas (entre outros fatores), os fatores que afetam um determinado ser vivo podem agir sozinhos ou em conjunto, como agentes selecionadores, ou o que o jargão biológico chamaria de “pressões seletivas”.

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Rubens Pazza é biólogo, mestre em Biologia Celular e doutor em Genética e Evolução. Atualmente é professor da Universidade Federal de Viçosa, campus de Rio Paranaíba e atua na área de Genética Ecológica e Evolutiva.

Discussão - 5 comentários

  1. Devanil disse:

    Sensacional.

    As vezes acho que definimos a natureza como "perfeita" porque não conhecemos nada além dela. Olhamos pro universo e vemos que "é impossível ter sido criado ao acaso, é muito perfeito!". Mas nem percebemos que a perfeição não existe. Ao menos temos que ter alguma outra coisa pra comparar. Não saberemos o que é ser rico se não soubermos o que é ser pobre e etc...

  2. Ricardo Reno disse:

    Rubens, bom dia!

    Enviei seu artigo para o Sr.Michelson Borges do blog http://www.criacionismo.com.br/2011/05/selecao-natural-acaso-e-exemplos.html. Que postou uma resposta sobre ele, aliás tudo que os incomoda eles respondem ou melhor babam. Li também sua resposta no "NOMENKLATURA CIENTIFICA" do espumador raivoso Enézio. A conclusão que chego é que Cioran tem razão quando escreve:"Eliminar de si as toxinas do tempo para guardar as da eternidade, essa é a infantilidade do místico". Abraços e desculpe coloca-lo nesta confusão.

  3. Acredito que a religião sustenta um padrão de tranquilidade do ser humano; dá consolo à falta de resposta às questões do mundo, por isso é tão influente.

    Adorei o texto! Como eu queria saber o processo INTEIRO da formação do mundo!
    E como eu quero ainda adquirir a paciência e o esforço de personalidades como Charles Darwin.

  4. André Rabelo disse:

    @Devanil, obrigado pelo comentário!
    concordo contigo, de perfeita a natureza só tem a aparência.

    um abraço,
    André

  5. André Rabelo disse:

    @Isabella Ferraz, obrigado pelo comentário!
    também penso como vc, a religião da respostas fáceis e rápidas à perguntas muito importantes pragnt! acho que como elas nunca podem se mostrar erradas (não existe uma ocorrência que poderia mostrar para quem acredita que a idéia esta errada), elas persistem. Também admiro muito a determinação do Darwin, em muitooooss aspectos. Foi um gênio.

    um abraço,
    André

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