Porque as Pessoas Acreditam em Seres Invisíveis?

Fonte: Psychology Today

Autor: Stephen Law

Tradução: André Rabelo

 

Por que, por exemplo, a crença no invisível ou em agentes sobrenaturais – como fantasmas, anjos, antepassados mortos e deuses – é tão difundida? A crença nesse tipo de agentes sobrenaturais parece ser uma característica quase universal das sociedades humanas.

Existem evidências de que uma predisposição em relação a crenças deste tipo pode realmente ser inata – parte da nossa natureza, herança evolutiva. O psicólogo de Oxford Justin Barrett sugeriu que a prevalência de crenças deste tipo pode ser em parte explicada pelo fato de possuirmos um Dispositivo Hipersensível de Detecção de Agente, ou H.A.D.D. (Hyper-sensitive Agent Detection Device).

Seres humanos explicam aspectos do mundo a sua volta de duas formas diferentes. Por exemplo, às vezes recorremos a causas naturais ou a leis para explicarmos um evento. Por que essa maçã caiu da árvore? Porque o vento assoprou e balançou o galho, causando a queda da maçã. Por que a água congelou nos canos na última noite? Porque a temperatura da água caiu para abaixo de zero, e é uma lei que a água congela abaixo de zero.

Entretanto, também explicamos recorrendo a agentes – seres que agem com base em suas crenças e desejos de uma forma mais ou menos racional. Por que a maçã caiu da árvore? Porque Ted queria comê-la, acreditou que balançar a árvore faria ela cair e então balançou a árvore. Por que as chaves do carro de Mary estão sob a lareira? Porque ela quis se lembrar de não esquecer elas, e então as colocou aonde ela pensou que iria enxergá-las.

Barrett sugere que nós evoluimos para sermos excessivamente sensíveis à agência. Nós evoluímos em um ambiente composto por muitos agentes – membros da família, amigos, rivais, predadores, presas e e assim por diante. Identificar e compreender outros agentes nos ajudou a sobreviver e reproduzir. Por conta disso, evoluímos para ser sensíveis a eles – muito sensíveis aliás. Ao ouvir um barulho entre os arbustos atrás de você, você gira instintivamente, procurando um agente. Na maior parte das vezes, não há ninguém lá – só o vento nas folhas. Mas, no ambiente no qual evoluimos, nessas poucas ocasiões nas quais havia um agente presente, detectá-lo poderia salvar a sua vida. É muito melhor evitar diversos predadores imaginários do que ser comido por um real. Dessa forma, a evolução vai selecionar uma tendência herdável não só para detectar – mas para detectar excessivamente – agência. Nós evoluimos para possuir (ou, talvez mais plausivelmente, para ser) detectores hipersensíveis de agência.

Se possuirmos mesmo um H.A.D.D., isso explicaria pelo menos em parte a tendência humana de sentir que existe “alguém lá” mesmo quando ninguém é observado, e então talvez explique em parte nossa tendência de acreditar na existência de agentes sobrenaturais – em espíritos, fantasmas, anjos e deuses. Por exemplo, em seu livro Ilusão da Vontade Consciente (Illusion of Conscious Will), Daniel Wegner aponta o que ele acredita ser a característica mais marcante daqueles que usam um tabuleiro ouija (no qual a prancheta – comumente um copo emborcado – na qual os dedos indicadores dos indivíduos descansam gentilmente parece perambular pelo tabuleiro, soletrando mensagens do “além”):

Pessoas usando a mesa parecem irresistivelmente levadas à conclusão de que alguma forma de agente invisível… está guiando o movimento da prancheta. Não há só uma dificuldade na percepção da sua própia contribuição para o efeito do tabuleiro falante, mas uma teoria imediatamente surge para explicar essa dificuldade: a teoria de uma agência externa. Além de espíritos dos mortos, as pessoas parecem muitas vezes suscetíveis a alegar a influência de demônios, anjos e até mesmo entidades do futuro ou do espaço sideral, dependendo do seu contato pessoal com teorias culturais sobre esse tipo de efeito.

Como o movimento da prancheta é inexplicável e improvável, então isso é imediatamente atribuído à influência de um agente invisível (todavia, note que o tipo de agente invocado varia de grupo para grupo dependendo da sua própia expectativa induzida culturalmente – veja Acumulando As Anedotas (Piling Up The Anecdotes)).

Porém, eu não estou aqui defendendo a explicação H.A.D.D. para a crença generalizada nesses agentes invisíveis (embora eu suspeite que haja alguma verdade nisto). Observe também que se possuimos mesmo o H.A.D.D., isso explica na melhor das hipóteses a atratividade de apenas alguns sistemas de crença excêntricos. Muitos – como aqueles envolvendo cura por cristais, quiromantia e numerologia – não envolvem agentes invisíveis.

Observe que a hipótese do H.A.D.D. não afirma que não haja agente invisíveis. Talvez ao menos alguns dos agentes invisíveis sobre os quais as pessoas supõem que existam sejam reais. Talvez existam mesmo fantasmas, ou espíritos ou deuses. Talvez, se pressupormos que a hipótese H.A.D.D. explica corretamente por que tantas pessoas acreditam na existência de agentes invisíveis, então o fato que muitos têm este tipo de crença não pode ser mais considerado uma boa evidência de que qualquer desses agentes existam.

Não fará mais sentido dizer, “é claro que todas essas pessoas não podem estar tão iludidas? Certamente deve haver alguma verdade nessas crenças, caso contrário elas não seriam tão comuns?”. O fato é que, se a hipótese H.A.D.D. estiver correta, provavelmente acreditaremos na existência de tais agentes invisíveis de qualquer forma, independente desses agentes existirem ou não. Mas então a comunalidade dessas crenças não será uma boa evidência de que estes agentes existam. Se a hipótese HA.D.D. estiver correta, isso acrescenta outro prego na tampa do caixão da sugestão: “Muitas pessoas acreditam nisso, logo isso deve haver algo certo nisso!”

Discussão - 6 comentários

  1. cura por cristais, quiromantia e numerologia...

    E cada vez mais eu me surpreendo comigo mesma! Eu sou uma pessoa quase que 100% cética (tanto que demorei pra assumir que acredito em algum Deus superior), mas sou muito adoradora dessas coisas como mitologia, astrologia, cristais (não acredito que nenhum vá me curar, mas ADORO a teoria hahaha XD)...

    Vai entender! XD

    • André Rabelo disse:

      hehehe isso é mt comum Isabella, pessoas que são céticas pra tudo, mas tem as suas supestições... não tem nada de mal nisso enquanto algo pessoal e apenas como distração, temos cérebros bem orientados para identificar coisas aonde não há, como o texto propõe.

      abraço!

  2. Agentes sobrenaturais também! Rsrs

    Sempre quis jogar esse jogo de tabuleiro, com copo ou sem! Rsrs...
    Sempre quis que existissem os tais 'vampiros dispostos a procurar um parceiro' pra me fazer viver pra sempre! Imagine só, conhecer o mundo e vê-lo evoluir e evoluir... andar de navio e à cavalo num dia, e de avião 'no outro'?! DE-MAIS! Hahahaha XD

  3. Rodrigo Ferreira disse:

    Minha unica duvida, sempre constante em relação a quaisquer possível explicação para o fato de termos desenvolvido, durante nossa evolução, a tendencia a acreditar em agentes sobrenaturais, é se as possíveis explicações chegam a ser necessariamente excludentes da possibilidade de que realmente possa haver algo de não material agindo por aí de alguma forma. Talvez seja só o meu H.A.D.D. funcionando, mas por mais que eu não acredite em Deus, eu sinto como se eu fosse pro inferno toda a vez que eu digo ou escrevo isso. Não consigo ignorar o fascínio que certos mistérios me provocam. Ainda que eu busque em geral, ter uma atitude crítica a respeito do que leio e do que vejo, ao mesmo tempo me pergunto se realmente temos algum controle sobre o que acreditamos…Sigo estudando ciência de um lado e ocultismo do outro, porque simplesmente não consigo deixar de me interessar por nenhum dos dois, por mais contraditório que isto pareça.

    Abs.

    • André Rabelo disse:

      Oi Rodrigo, obrigado pelo seu comentário!

      a questão que você levanta é delicada, eu te entendo por já ter me feito as mesmas perguntas que você levantou. A ciência pressupõe o naturalismo, portanto não há plausibilidade científica em hipóteses que defendam a existência de espíritos ou deuses. A ciência não pode provar que deuses não existem da mesma forma que não pode provar que dragões invisíveis não existem na sua garagem ou que um bule de chá, muito pequeno para ser mensurável, orbita a Terra. A ciência só pode responder perguntas sobre objetos mensuráveis e teorias falsificáveis, e propostas envolvendo a existência de espíritos ou deuses caem fora por conta disso. Me sinto muito familiarizado com quando você diz que sente como se você fosse pro inferno por não acreditar em deus. eu senti isso por um tempo na minha fase curta de transição para a ausência de crença em deuses. na minha opnião, esse é o puro medo internalizado de ser punido que a própria religião se encarrega de nos enculcar, e não poderia ser diferente disso - se quiser fazer as pessoas acreditarem em algo que vc diz, convença-as de que elas irão sofrer amargamento por desconfiarem.

      O ocultismo e o sobrenatural oferecido por algumas pessoas hj em dia nos fascina e comumente nos diz coisas que gostariamos que fossem verdade. A relação entre admiração e ceticismo é muito complicada, é algo que todo cientista deve ir lapidando ao longo de sua carreira e sua atenção deve estar sempre atenta para essa relação, como o Carl Sagan enfatiza em seu livro "o mundo assombrado pelos demônios". Se vc ainda não leu esse livro, eu recomendo a você que leia, pode te ajudar neste momento saudável de inquietação e reflexão. O ceticismo não é algo que se conquista da noite para o dia, é um exercício diário que demanda um grande esforço e um papel extremamente ativo na avaliação de alegações. Nesse sentido, não estranhe se o seu questionamento ainda te deixar com receios, isso vai passar com o exercício do senso crítico!

      abraço!

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