A vida é um grande experimento de priming…

Fonte: We’re Only Human
Autor: Wray Herbert
Tradução: André Rabelo

Uma das idéias mais robustas advindas da psicologia cognitiva em anos recentes é o priming (para entender o que é o priming, leia “aqui” e “aqui“). Cientistas têm demonstrado inúmeras vezes que conseguem influenciar de forma sútil as mentes inconscientes das pessoas  através de pistas, para pensar e agir de determinadas maneiras. Estas pistas podem ser conceitos – como frio, ou rápido ou  velhice – ou metas, como sucesso profissional; de qualquer forma, estes estímulos moldam nosso comportamento, frequentemente sem que tenhamos qualquer consciência de que estamos sendo influenciados.

Isso é desconcertante, especialmente quando você pensa sobre as implicações disso para as nossas crenças e ações cotidianas. Os experimentos de priming são feitos em laboratórios, usando estímulos escolhidos de forma deliberada, mas na verdade o nosso mundo está cheio de pistas que atuam em nossas mentes o tempo todo, para o bem ou para o mal. De fato, muitas das nossas ações são reações à estímulos aleatórios fora da nossa consciência, significando que as vidas que vivemos são muito mais automatizadas do que gostamos de reconhecer.

Mas quão automatizadas? Estamos realmente impotentes diante dessas pistas onipresentes? Ou temos algum poder para reconhecer e sobrepor estas forças? Existe alguma forma de nos protejer – nossas metas e intenções – da sinalização aleatória do mundo, especialmente destas influências intrusivas que minariam nossas vidas e valores?

O cientista em psicologia da Universidade de Nova Iorque, Peter Gollwitzer, acredita que nós temos esse poder e planejou demonstrar isso em uma série de experimentos. Ele explorou uma ferramenta particular de auto-regulação, à qual ele chama de “planos se-então”. Planos se-então  envolvem antecipar situações particulares e falar para nós mesmos, em antecipação, como iremos agir se uma contingência particular surgir. Pode ser que tentar alcançar objetivos amplos não seja suficiente para sobrepor influências danosas do mundo, mas se falarmos nossas intenções em detalhes – o quando, o onde e o como de um curso de ação desejado – isso pode neutralizar o poder de pistas potencialmente danosas.

Aqui está como ele testou essa idéia no laboratório. Ele pedia a um grupo de voluntários para ler um artigo de ficção científica que enfatizava a similaridade entre humanos e outros animais. Alguns leram uma versão que se referia a animais rápidos como chitas e lebres, enquanto outros leram sobre lesmas e tartarugas. Em outras palavras, alguns foram ativados para o conceito de velocidade e outros para o de lentidão, e eles foram cronometrados depois em uma tarefa de classificação de palavras.

Até tal ponto, este foi um típico experimento de priming e poderíamos esperar que estes voluntários se comportariam mais lentamente ou rapidamente na tarefa de classificação de palavras. Mas neste experimento, eles também tiveram a seguinte instrução: “E se a não-palavra “avenda” aparecer, então eu respondo mais rapidamente”. Este era o plano se-então: ele não era simplesmente uma intenção geral de responder rapidamente e acuradamente; ele era um plano focado visando uma sugestão específica. A idéia era que ter um plano mental como este neutralizaria o efeito do priming, e isso foi exatamente o que aconteceu. Voluntários responderam muito mais rápidamente à “avenda” do que à qualquer outro estímulo, independentemente de terem sido estimulados para lentidão ou rapidez. Em outras palavras, pistas realmente ativaram ações subsequentes – exceto quando aquelas ações foram reguladas por um plano se-então, caso no qual o priming perdeu sua potência.

 Então talvez não sejamos impotentes, e talvez planos se-então precisos sejam uma ferramenta de auto-regulação efetiva. Gollwitzer queria reforçar esta conclusão de outras formas, então para um segundo experimento ele recrutou voluntários para trabalhar em problemas tediosos de aritmética – uma tarefa que demandava uma boa dose de concentração.

Todos eles escreveram a sentença, “Eu vou tentar encontrar quantas soluções forem possíveis”. Ou seja, todos tinham a mesma meta geral e intenção. Depois metade dos voluntários também escreveu esse plano se-então mais específico: “Se eu me distrair, então eu vou me concentrar no teste mais ainda”. O plano se-então se diferenciou da meta geral se focando especificamente na contingência de que eles poderiam se distrair de alguma forma.

Depois, antes de começar a tarefa, alguns dos voluntários foram estimulados com informações biográficas sobre Madre Teresa, outros com uma biografia de Margaret Thatcher. A idéia era que a santa de Calcutta iria ativar pensamentos altruísticos, enquanto a primeira ministra britânica não iria ativar.

Em seguida eles começaram a tarefa de concentração, mas Gollwitzer tinha planejado que um confederado interrompesse a tarefa. O confederado fingiu ser outro voluntário que estava confuso e perdido, e pediu ajuda. A idéia era ver quanto tempo os voluntários se permitiriam ser distraidos do seu trabalho, e ver se aqueles com um plano se-então estavam mais focados.

Os resultados foram inequívocos. Aqueles que foram ativados com altruísmo foram realmente mais distraídos do seu trabalho – se eles tivessem formado apenas uma intenção geral. Mas não se eles tivessem especificado um plano se-então: neste caso, aqueles que anteciparam serem distraídos e fizeram um plano para lidar com isso, experimentaram menos interrupção, independente de terem Madre Teresa ou Margaret Thatcher em mente. Novamente, um plano específico de contingência neutralizou o priming cognitivo.

Gollwitzer rodou um experimental final onde ativar a idéia de velocidade levou à uma direção mais rápida e mais erros de direção – mas novamente, só para aqueles com uma meta geral de dirigir com segurança. Em contraste, aqueles que tinham um plano detalhado – “Se eu entrar em uma curva, então eu vou diminuir, e se eu entrar em uma estrada reta, eu vou acelerar!” – ficaram imunes às perigosas pistas de rapidez. Ele relata os resultados destes três estudos na  versão on-line da revista Psychological Science.

Obviamente não podemos antecipar e planejar algo para cada sinal aleatório que o universo pode colocar em nosso caminho. Nossas vidas serão sempre moldadas de maneiras ocultas e indesejadas. Mas não é difícil imaginar áreas de nossas vidas – escola, trabalho, esportes – onde é possível antecipar obstáculos e planejar para os mesmos. Para aquelas áreas importantes, é encorajador saber que o planejamento detalhado pode ser uma ferramenta eficaz, e que nós não temos que ser manipulados por forças fora do nosso controle.

O livro de Wray Herbert’s, On Second Thought, explora as forças automáticas que moldam nossas vidas. Trechos de seus dois blogs—“We’re Only Human” and “Full Frontal Psychology”—aparecem regularmente na Scientific American Mind e na The Huffington Post.

Discussão - 11 comentários

  1. Ótimo texto.

    Tentei mostrar esse efeito automático e que guia nosso pensamento sem que tomemos consciência em um texto anterior lá no Cogpsi: http://cog-psi.blogspot.com/2011/07/categorizacao-estereotipos-e-vida.html

    Como a cognição é um grande globo onde todos estes conceitos se fundem, acaba sendo interessante para quem está começando a ler sobre estes temas (culpa das nossas universidades que não trabalham a cognição social!) que todos eles são interligados.

    • André Rabelo disse:

      Caro Marcus,

      obrigado pelo comentário! ainda não tinha visto esse texto seu. acabei de ler e gostei muito! vi que vc citou um artigo do Marcos Emanoel, um grande estudioso do preconceito e esteriótipo que no ano passado participou de uma atividade muito bacana na reunião da SBP sobre cognição social. concordo que as nossas universidades ainda nos deixam pra trás muitas vezes, mas felizmente temos pesquisadores como o Marcos tentando trazer o tema para a psicologia social brasileira!

      abraço!

  2. Fazia tempo que não aparecia por aqui!

    Incrível como nossa mente produz coisas que só nos damos conta quando alguém nos deixa cientes disso, não?!
    Por mais que me falem, e as circuntâncias tentem me fazer mudar de curso às vezes (rsrs), eu estou sempre me apaixonando mais pela Psicologia. ^^'

  3. Hugo disse:

    Me parece um tema interessante. E realmente, atribui um sentido prático ao impacto do preparo (muitas vezes tratado como poder do otimismo e não o impacto da atitude produzida por ele). E como você menciona, nunca poderemos nos planejar para 100% dos acontecimentos, mas de certa forma isto é bom. É bom que haja equilíbrio, ou seja, planos, para minimizar os efeitos do inesperado, ou saber como reagir a eles, mas é importante também como mecanismo de adaptação, que sejamos suscetíveis a mudar com a mudança de estímulos. Um estímulo é um sinal do ambiente, e muitas vezes a adaptação inconsciente pode ser benéfica. Conhecer a ferramenta do planejamento, entretanto, é fundamental em aplicações práticas específicas que envolvam a possibilidade do inesperado frente a um objetivo.

    • André Rabelo disse:

      Hugo, obrigado pelo comentário!

      Possuir um sistema de processamento simbólico inconsciente tem um grande valor adaptativo quando a capacidade de processamento consciente de um organismo, como o homo sapiens, é extremamente limitada, como o famoso estudo do gorila invisível ilustra. As estratégias de planejamento facilitam essa adaptação, mas de fato não seriamos capazes de lidar eficientemente com todas as novidades que acompanham a vida de qualquer ser humano caminhando sobre a Terra, porém com algumas questões mais importantes essa estratégia aparentemente pode ser de grande utilidade.

      abraço!

  4. [...] também problemas de pressão alta, colesterol e depressão. Se considerarmos que as nossas mentes podem ser influenciadas de maneira tão automática por pistas no ambiente, como alimentos saborosos na prateleira de uma cozinha, seria muito útil [...]

  5. [...] como, por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá. Por sinal, a Madre Teresa foi usada em um estudo, já comentado aqui no blog, onde os participantes que tinham lido uma parte da biografia da Madre Teresa se demonstraram [...]

  6. [...] como, por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá. Por sinal, a Madre Teresa foi usada em um estudo, já comentado aqui no blog, onde os participantes que tinham lido uma parte da biografia da Madre Teresa se demonstraram [...]

  7. Waldez disse:

    Gostei! O texto mostra a outra face.

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