Homeopatia e Plausibilidade

Fonte: Science-Based Medicine

Autor: Steven Novella

Tradução: Rodrigo Véras e André Rabelo

O conceito fundamental da medicina baseada em ciência (MBC) é que a prática médica deve ser baseada na melhor evidência disponível. Isso pode parecer óbvio, mas existem muitos detalhes importantes para sua aplicação, como a relação entre evidência clínica e da ciência básica. Alegações clínicas requerem evidência clínica, mas evidência clínica pode ser capciosa e em geral é preliminar.

Uma análise minuciosa da ciência básica e clínica por trás de uma alegação médica pode ser resumida pelo termo “plausibilidade”, ou “probabilidade prévia” caso você queira colocá-lo em termos estatísticos. Quando dizemos que uma determinada crença é plausível queremos dizer que é consistente com o que sabemos do resto da ciência. Em outras palavras, por causa das muitas fraquezas das evidências clínicas, para que uma terapia seja geralmente aceita como parte da MBC, esta deveria ter um mínimo de evidências clínicas apoiando-a e plausibilidade científica geral.

Isso pode ocorrer em diferentes proporções – por exemplo, uma terapia pode ser altamente plausível (seria chocante caso ela não fosse verdadeira) e ter modesto suporte de evidências clínicas, enquanto outra poderia ter plausibilidade desconhecida, mas sólidas evidências clínicas de sua eficácia. Mas nenhuma terapia deveria ter evidências clínicas que sugerem falta de eficácia, nem extrema implausibilidade (não simplesmente desconhecimento do mecanismo, mas nenhum mecanismo possível).

O garoto propaganda da extrema implausibilidade científica dentro da medicina é, discutivelmente, a homeopatia. Sua “lei dos similares” é pouco mais do que magia simpática, e a “lei de infinitesimais” leva a misturas diluídas a tal ponto que elas têm de “zero” ingrediente ativo e apenas a memória mágica deixada para trás. É esta realidade que inspirou um recente artigo de revisão a caracterizar a homeopatia como “bruxaria”.

E sobre as evidências clínicas? As evidências clínicas, quando tomadas em conjunto, e até mesmo se deixarmos de lado a questão da plausibilidade, mostram que a homeopatia não funciona. Décadas de pesquisas não conseguiram fornecer evidências para qualquer aplicação da homeopatia. Não conseguiram rejeitar a hipótese nula, para mostrar eficácia, para permitir a recomendação da homeopatia para qualquer indicação, para diferenciar a homeopatia de um placebo – em outras palavras, a homeopatia não funciona.

Caso consideremos os critérios da MBC acima, podemos resumir a homeopatia ao dizer que ela tem extrema implausibilidade e as evidências clínicas mostram a falta de eficácia. Ela não deveria funcionar, e não funciona. Não há controvérsia legítima sobre o assunto.

Proponentes, no entanto, estão tentando desesperadamente manter sua pseudociência viva ao deturpar as evidências e os argumentos dos críticos da homeopatia. Um exemplo recente disso é um artigo de Peter Fisher, diretor clínico do Royal Hospital de Londres de Medicina Integrada, e um homeopata proeminente. Ele está tentando cunhar a expressão “viés de plausibilidade negativa.” Seu argumento, essencialmente, é que a evidência mostra que a homeopatia funciona (pelo menos tão bem como tratamentos médicos que não funcionam, o que é um argumento estranho), mas há um viés de plausibilidade negativa que motiva os cientistas a rejeitarem estas evidências. Fisher está, ao mesmo tempo, errado e mantendo uma posição irrelevante.

Fisher está errado ao argumentar que as evidências clínicas corroboram a eficácia da homeopatia. Ele faz isso ao pinçar estudos com resultados positivos (que são parte do ruído de fundo de qualquer pesquisa clínica), uma estratégia comum. Enquanto isso, as revisões sistemáticas não mostram evidências em apoio à homeopatia. Pior ainda para a homeopatia, existe um claro padrão nessas pesquisas. Quanto melhor planejados e controlados são os estudos, mais negativos são os resultados – um claro padrão de falta de eficácia. Mesmo revisões que desesperadamente tentam distorcer os resultados para uma forma positiva, no final das contas mostram que não há evidências dando suporte à eficácia da homeopatia.

O ponto principal do artigo, porém, é rejeitar a avaliação científica da homeopatia como um “viés”. Parece novidade para Fisher que plausibilidade não é uma forma de “viés” – é ciência.

Curiosamente, Fisher afirma que a lei dos similares integrante da homeopatia não é nem mesmo controversa – e em seguida ele faz as mesmas analogias fatigantes com hormese e efeitos paradoxais de drogas, as quais não tem relevância alguma para a homeopatia. Os “ingredientes” da homeopatia são escolhidos por razões mágicas que não tem relação com a atual biologia ou química. Além disso, as altas diluições de preparações homeopáticas tornam tais analogias inválidas. Fisher e outros homeopatas estão apenas buscando qualquer desculpa possível para a homeopatia, mas eles não acrescentam nada à sua plausibilidade porque eles falham na elaboração de um argumento científico coerente.

Fisher então argumenta essencialmente que a evidência clínica demonstra que a homeopatia funciona (falso), mas é rejeitada por conta do “viés de plausibilidade negativa.” Existe um núcleo de verdade em sua visão na medida em que, diante de extrema implausibilidade científica, até mesmo evidência clínica modestamente positiva seria vista como insuficiente e não definitiva. Podemos olhar para isso da seguinte forma – qual é a probabilidade de que uma montanha de ciência básica sólida estar errada vs uma pesquisa clínica descuidada e problemática estar errada? Seriam necessárias evidências clínicas extremamente rigorosas e positivas para questionar os princípios estabelecidos da ciência básica. A homeopatia não chega nem perto – até se levarmos em conta a visão distorcida e incorreta da evidência clínica que Fisher está forçando. O artigo é essencialmente Fisher choramingando que a comunidade científica não está ignorando a extrema implausibilidade da homeopatia.

Fisher também tenta fazer um argumento tu quoque – reciclando outra antiga estratégia de pseudocientistas médicos. Ele diz que a evidência para o uso de antibióticos em infecções do trato respiratório superior (URTI) não é diferente da homeopatia, mas profissionais usam antibióticos e não homeopatia. A base empírica para qualquer outra prática é irrelevante para a homeopatia, mas mesmo sem considerar isso seu argumento é curioso. Eu concordo que revisões sistemáticas falham em demonstrar a eficácia do uso de antibióticos de rotina em URTI. Logo – eles não deveriam ser usados. De fato, existem esforços dentro da medicina convencional para reduzir o uso de antibióticos em URTI e eliminar o seu uso rotineiro.

A história das URTI é mais complexa, entretanto, porque algumas pessoas tem de fato interferência bacteriana com URTI e pode haver um papel para antibióticos em casos selecionados – o complicado é saber como selecionar estes casos. Mais pesquisas são legitimamente necessárias para explorar estas questões.

A única posição consistente, portanto, é favorecer a eliminação do uso rotineiro de antibióticos em URTI, baseada na evidência atual, e também favorecer a eliminação completa da homeopatia como uma prática. Enquanto isso é razoável fazer mais pesquisa sobre a possibilidade de um papel limitado de antibióticos em casos selecionados (baseado parcialmente na plausibilidade). É também razoável favorecer o abandono de qualquer pesquisa adicional sobre homeopatia, baseado na sua extrema implausibilidade científica.

Você pode chamar isso de um “viés de plausibilidade negativa”, ou você pode chamar isso de ciência, com base na sua perspectiva.

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