Consumo Conspícuo e Seleção Sexual – Porque Preferimos o Mais Caro
Fonte: NERDWORKING
Autor: Felipe Novaes
Estamos vivendo numa época onde o ter sobrepuja o ser. Essa frase se tornou um clichê. Mas ela diz a verdade, realmente estamos muito mais sensíveis ao que o outro tem do que ao que ele é. Às vezes, o que se tem funciona como um indicador daquilo que se é. Claro que algumas pessoas fogem a essa regra, mas o quanto elas realmente fogem? Será que é possível fugir de tal tendência totalmente? Estudos interessantíssimos mostram que, além de avaliarmos a confiabilidade, beleza, respeitabilidade e status de alguém de acordo com o que essa pessoa possui, também levamos em conta – e muito – o valor gasto. Alguns estudiosos chegam a dizer que esse mecanismo está por trás não só da mente humana, mas também das relações de seleção sexual de outros animais, mostrando que essa é uma tendência antiga que compartilhamos com outros seres.
Costly Signaling Theory
O pavão é uma das aves mais bonitas que existem. Chama atenção a sua cauda, muito grande em relação ao corpo e coloridíssima. Certamente ela chama a atenção de muitos predadores [ou talvez seus predadores sejam incapazes de perceber a cor das penas da mesma forma que nós, o que faça essas aves chamarem menos a atenção] mas algum outro benefício deve existir em sustentar uma plumagem tão chamativa e custosa. É sabido que as fêmeas são atraídas pelos machos que exibem a mais graciosa das caudas, isto é, de alguma forma, toda aquela parafernália ajuda na cópula, favorecendo a reprodução de uma maneira que supera o suposto risco de atrair predadores e parasitas. Mas o que chama a atenção das fêmeas ao verem aquela cauda? Será que o esquema de cores e o tamanho tornam aquele arranjo algo irresistível para elas?
A costly signaling theory (Miller, 2009; Saad, 2007) tem sido invocada com sucesso para explicar o uso de recursos que não possuem nenhuma funcionalidade manifesta (prática) (Bliege Bird & Smith, 2005; Cronk, 2005). Segundo essa idéia, o pavão, com todo seu dispendioso rabo, estaria sinalizando que é saudável e apto o suficiente para gastar recursos na manutenção de tal aparato e ainda conseguir obter alimento e sobreviver. Ou seja, é a lógica da ostentação das qualidades invisíveis possuídas. É como um marketing pessoal dos luxuosos recursos do animal.
O Consumo Conspícuo – Preferindo o caro ao invés do barato
De acordo com o Global Luxury Retailing, os gastos mundiais com produtos de luxo chegarão a $450 bilhões em 2012, e 41,9% dos gastos se referem somente ao gasto com roupas (citado em Nelissen, 2011). Nelissen (2011) destaca o fato de que não é preciso ter uma renda muito alta para que a preferência pelo luxo se manifeste. De fato, até mesmo pessoas pobres em países em desenvolvimento se comportam dessa forma, por exemplo, preferindo roupas de marca do que sem marca ou de marcas menos luxuosas (mais baratas), o chamado consumo conspícuo. De fato, essa face do comportamento humano acaba com a visão de consumidor racional que alguns economistas alimentam. Mas a lógica da preferência pelo mais caro é regida pelo ganho de status social. Status pode ser definido como a posição mais alta ocupada em algum setor das relações humanas, seja no mundo acadêmico, nas empresas, na rua, em casa, numa tribo e etc (Hyman, 1942).
Estudos de psicologia e outros com viés comparativo sugerem que esse é um fenômeno que rege o comportamento humano (Cummins, 2005; Miller, 2009; Saad, 2007), assim como o de primatas não humanos (de Waal, 1982); isso sem falar no exemplo do pavão, que mostra que essa é uma tendência dos animais em geral. Dessa forma, é coerente refletir sobre o fato de que para que os humanos consigam ostentar algo com sucesso, é de suma importância que o observador consiga processar aquilo como um indício das qualidades do ostentador. E o motivo de a seleção natural ter selecionado uma mente com capacidade para processar esse tipo de relação, é que a ostentação, seja do que for que tenha valor em dado cenário e época, beneficia as relações sociais para o ostentador. Nelissen (2011) realizou experimentos que corroboram essa hipótese. Mas, antes, vamos definir os critérios para que um comportamento seja considerado um consumo conspícuo:
1) Deve ser algo facilmente observável (ex: o rabo do pavão; uma longa capa, coroa brilhante e outros adereços dos reis; ninhos exageradamente ornamentados do pássaro-caramancheiro, um logo de uma roupa de grife);
2) Deve ser um sinal difícil ou/e custoso de se falsificar;
3) O sinal deve estar relacionado a algo que não é observado diretamente, ainda que seja desejável e que denote as qualidades do ostentador, como saúde, proteção e bons genes para uma prole saudável;
4) O adereço, ou sinal, deve produzir um chamamento corporal.
Os exemplos do item 1 servem para todos os outros itens. Mas ao qual eu quero dar evidência é o último, as marcas de roupas.
As Marcas de Roupas e a Ostentação do Consumo Conspícuo
Como vimos, os animais tendem a evidenciar os seus atributos não visíveis diretamente através do gasto funcionalmente desnecessário com elementos dispendiosos e chamativos, como uma forma, também, de promover seu status. Os humanos fazem exatamente isso. Observe os trajes e adereços desses indivíduos nas fotos a seguir:
Essa relação entre o consumo conspícuo, ostentação como referência a qualidades invisíveis e status ficou bem evidente, por exemplo, nos 9 experimentos feitos por Nilessen (2011) e sua equipe. No primeiro, um pequeno bloco em que a capa tinha a foto de um rapaz de boa aparência e as outras folhas eram de um também pequeno questionário, foram distribuídos nas ruas. O objetivo do questionário era avaliar o homem nos quesitos status, condição financeira, atratividade, amizade e confiabilidade. O detalhe é que, para um grupo de pessoas foi distribuído um conjunto de testes em que a blusa de gola polo que o homem usava, possuía uma pequena logo de uma famosa marca. Outro grupo de fotos foi manipulado para ter a logo de uma marca menos valorizada. Os blocos que apresentavam a foto do homem com a logo mais famosa foram melhor avaliados nos quesitos status e condição financeira.
Num segundo experimento, um homem saiu por um shopping pedindo doações para uma instituição de caridade. A tarefa foi dividida em duas etapas: primeiro usou uma blusa verde e lisa, e depois, a mesma blusa, porém, com um logo de uma marca bem conceituada. Os resultados mostraram que a coleta realizada com a blusa com a logo foi mais bem sucedida.
Outro estudo mostrou que candidatos a uma vaga de estágio em um laboratório tinham mais chances de serem selecionados quando estavam usando uma blusa de marca também (com o logo da marca visível).
Conclusão dos Experimentos
Mais outros experimentos foram feitos mas os resultados sempre mostravam que as marcar mais bem conceituadas eram sempre mais bem avaliadas em relação à importância, status e condição financeira, também eram mais aceitas socialmente e conseguiam despertar com mais sucesso a atenção do público e convencê-los de algo, tanto das qualidades necessárias para uma vaga de estágio quanto para convencer alguém a fazer uma doação.
As Preferências Feminina e o Consumo Conspícuo Masculino
Outro interessante dado é a maior atenção dada pelas mulheres ao consumo conspícuo durante o período de ovulação (Lens, 2011). Isso é compatível com o modelo da psicologia evolucionista, que considera que a mente humana possui uma cognição moldada no ambiente de adaptação evolutiva (AAE), no Pleistoceno. Isso significa que, caso essa predileção feminina esteja relacionada diretamente a uma tendência evolutiva, relacionada à seleção sexual, o grau dessa característica seria variável ao longo do ciclo menstrual, com uma maior tendência à prestar atenção aos indícios de status social durante a fase da ovulação (período fértil) (Anderson et al., 2010). De fato, já foi verificado que nessa fase, as mulheres apresentam alterações nas preferências de características masculinas, apresentando maior atração por homens altos, com rosto mais másculo do que infantilizado, e com papel social dominante (Gangestad, Thornhill &Garver-Apgar, 2005; Lukaszewski & Roney, 2009). Assim, seria natural pensar também numa consequência para a percepção dos indícios de status masculino, assim como uma eliminação desses efeitos nas mulheres que fazem uso de pílulas anticoncepcionais. O resultado da pesquisa corroborou essas hipóteses, mostrando que produtos relacionados a luxo e que não são destacados por sua funcionalidade, despertavam dignificativamente mais a atenção das que estavam em período fértil.
Conclusão
Todas essas evidências mostram uma estrutura cognitiva comum aos seres humanos e aos animais não humanos. Primeiramente, podemos dizer que uma evidência é o fato de que para a lógica do status funcionar, precisamos ter uma mente que saiba evidenciá-lo e, por outro lado, uma que saiba percebê-lo como tal. Esse mecanismo é evidente na seleção sexual, como no exemplo do pássaro-caramancheiro, que gasta energia, recursos, tempo, e corre o risco de ficar mais visível aos predadores, ao enfeitar seu ninho da melhor maneira possível a fim de “seduzir” as fêmeas.
O consumo conspícuo é como se fosse uma regra que permanece constante mas que assume diversas faces no caso dos humanos. Hoje podemos dizer que essa estratégia é uma característica que foi mais útil na seleção sexual no nosso AAE até pouco tempo atrás, qundo era bem mais complicado de ostentar luxo sem que isso correspondesse diretamente a uma ampla gama de recursos, saúde e outras características buscadas pelas fêmeas. No caso dos humanos modernos, a possibilidade de comprar usando cartão de crédito, por exemplo, fez com que pessoas com baixa renda pudessem comprar coisas incompatíveis com suas possibilidades financeiras, considerando a compra à vista. Nossos ancestrais caçadores-coletores usavam adereços que mostravam claramente sua posição dentro do grupo. Indivíduos das altas hierarquias sempre eram os de idumentária mais barroca, o que persistiu até não muito tempo atrás, basta olhar as fotos de Reis e Imperadores e suas roupas e adereços barrocos. Porém, mesmo essas táticas não sendo tão eficazes hoje, essas pesquisas mostram que ainda continuamos com um cérebro ancestral.
Isso levanta uma hipótese interessante sobre a origem das roupas. Talvez as primeiras roupas servissem ao propósito de separar os indivíduos de acordo com sua posição social dentro das coalizões dos primeiros Homo sapiens sapiens e não para proteger do frio ou do calor, ou de parasitas. Ou, até, as primeiras roupas tenham servido a todos esses propósitos, matando vários coelhos com uma cajadada só.
Referências
– ANDERSON, U. S., Perea, E. F., Becker, D. V., Ackerman, J. M., Shapiro, J. R., Neuberg, S. L.et al., I only have eyes for you: Ovulation redirects attention (but not memory) to attractive men. Journal of Experimental Social Psychology, 46(5), 804–808, 2010.
– BLIEGE, B., R., & Smith, E. A.; Signaling theory, strategic interaction, and symbolic capital. Current Anthropology, 46, 221–248, 2005.
– CRONK, L. ; The application of animal signaling theory to human phenomena: Some thoughts and clarifications. Social Science Information, 44, 603–620, 2005.
– CUMMINS, D. D., Dominance, status, and social hierarchies. In D. Buss (Ed.), The evolutionary psychology handbook (pp. 676−697). New York: Wiley, 2005.
– DE WAAL, F., Chimpanzee Politics: Power and Sex Among Apes. London: Jonathon Cape, 1982.
– GANGESTAD, S. W., Thornhill, R., & Garver-Apgar, C. E., Adaptations to ovulation. In D. M. Buss (Ed.), Handbook of evolutionary psychology (pp. 344–371). New York: Wiley, 2005.
– HYMAN, H. H., The Psychology of Status. New York: Columbia University, 1942.
– LENS, Inge, Karolien Driesmans, Mario Pandelaere, Kim Janssens, Would male conspicuous consumption capture the female eye? Menstrual cycle effects on women’s attention to status products. Journal of Experimental Social Psychology, 2011.
– MILLER, G.; Spent. Sex, Evolution, and Consumer Behavior. New York: Viking Penguin; 2009
– SAAD, G.; The Evolutionary Bases of Consumption. Mahwah, NJ: Erlbaum; 2007.
– NELISSEN, Rob M.A., Marijn H.C. Meijers, Social benefits of luxury brands as costly signals of wealth and status, Evolution and Human Behavior, 32, 343–355, 2011.
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