Altruísmo ou egoísmo: Qual é a motivação para a generosidade?

Qual é a nossa motivação quando ajudamos alguém?

Imagine que você acaba de ajudar uma senhora simpática, mas com dificuldade de andar, a atravessar uma rua. Ao terminar a travessia, ela lhe agradece com um grande sorriso no rosto e você se sente muito bem por ter ajudado ela. Nessa situação, qual teria sido a sua motivação para ajudar esta senhora?

Uma possível resposta a isso é que a sua capacidade de experienciar estados afetivos correspondentes aos estados afetivos de outra pessoa que você está observando (ou imaginando) e à qual você consegue reconhecer que é a fonte do seu estado afetivo atual – a famosa empatia [1]* – te induziu a uma motivação altruísta, ou seja, a um estado motivacional com o objetivo final de aumentar o bem-estar daquela senhora [2].

Outra possibilidade é que o seu ato solidário foi influenciado por uma motivação egoísta, ou seja, um estado motivacional visando aumentar o seu próprio bem-estar. Muitos acreditam que todas as nossas ações bondosas são movidas por motivações egoístas, já que, quase sempre, podemos nos beneficiar – mesmo que indiretamente – quando ajudamos outra pessoa (no exemplo anterior, o benefício poderia ser o sentimento positivo resultante da ajuda, por exemplo). Mas será que esta hipótese, a do egoísmo universal, está sempre por detrás da prosocialidade humana? Uma rica linha de pesquisa indica que não.

Nos últimos 30 anos, um talentoso psicólogo social da Universidade do Kansas, C. Daniel Batson, conduziu uma série de experimentos com alguns colaboradores para estudar a existência de motivações altruístas, induzidas pela preocupação empática, por detrás do comportamento prosocial – a chamada hipótese empatia-altruísmo [2]. Esta hipótese propõe que a preocupação empática que sentimos quando observamos alguém em necessidade resulta em uma motivação altruísta para reduzir a necessidade desta pessoa. Esta indução provocada pela empatia pode, entretanto, resultar alternativamente em pelo menos três possíveis benefícios para si mesmo: a) reduzir a própria preocupação empática gerada pela situação; b) evitar possíveis punições (sociais, auto-induzidas) ou c) ganhar recompensas [2]. Mas, de acordo com a hipótese empatia-altruísmo, estes possíveis benefícios para si mesmo seriam apenas consequências inevitáveis da ação, porém a meta final ainda seria primordialmente reduzir a necessidade da outra pessoa.

Para testar esta hipótese, Batson e seus colaboradores pensaram da seguinte maneira: já que quando uma pessoa ajuda outra suas motivações podem ser altruístas, egoístas ou uma mistura de ambas, a melhor maneira de determinar qual motivação está envolvida numa situação de ajuda é determinar se o benefício oferecido ao outro é uma meta final em si, e qualquer outro benefício para si mesmo seria apenas uma consequência inevitável, ou se o benefício ao outro é apenas uma meta instrumental (um meio) para alcançar a meta final de beneficiar a si próprio [2].

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Porém demonstrar empiricamente qual foi a meta final (uma meta altruísta ou egoísta) numa situação de ajuda entre duas pessoas não é uma tarefa fácil. Para tentar evidenciá-la, Batson e sua equipe seguiram a seguinte estratégia: é necessário que, após identificar uma possível fonte de motivação altruísta em uma situação, sejam identificadas metas egoístas plausíveis que poderiam advir desta fonte e então deve-se variar a situação de tal maneira que ou a meta altruísta ou algumas das metas egoístas possam ser alcançadas sem que a pessoa precise ajudar alguém [2].

Na prática, isso significou manipular ao longo de uma série de estudos o quanto ajudar uma pessoa era o meio mais eficiente para alcançar metas finais altruístas ou uma ou mais metas finais egoístas. Se em um estudo, por exemplo, a meta egoísta de “reduzir a própria preocupação empática” poderia ser alcançada por outro meio, sem que a pessoa precisasse ajudar a outra pessoa de fato, e, uma vez alcançada esta meta, a tendência a ajudar diminuísse, então teríamos evidência de que a meta final neste caso era primordialmente alcançar este benefício para si mesmo e, assim, a hipótese empatia-altruísmo não seria corroborada.

Diversos estudos avaliaram todas as combinações possíveis de confronto entre a hipótese empatia-altruísmo e hipóteses egoístas alternativas, variando tanto qual ou quais metas egoístas poderiam ser mais facilmente alcançadas sem a necessidade de ajudar alguém, após a preocupação empática ter sido induzida e mantendo-se todas as outras variáveis e condições constantes, quanto variando o tipo de situação de ajuda e a técnica usada para induzir a preocupação empática, entre outras variáveis.

O resultado destes testes da hipótese empatia-altruísmo contra as alternativas egoístas foi que as evidências sistematicamente corroboraram a hipótese empatia-altruísmo, sendo que os estudos normalmente não encontraram apoio para nenhuma das metas egoístas alternativas. Se a hipótese empatia-altruísmo estiver certa (e as evidências indicam isso), significa que nós temos a capacidade de nos preocupar com os outros e ajudá-los primordialmente pelo seu próprio bem, e não para o nosso bem apenas. Portanto, nossos genes podem ser egoístas, mas as nossas motivações para ajudar os outros podem estar primariamente voltadas para os outros, e não para nós.

*A definição precisa de empatia é bastante debatida ainda (“existem tantas definições quanto pesquisadores que a estudam”, como diriam os autores do primeiro estudo citado aqui).

Referências:

[1] de Vignemont, F., & Singer, T. (2006). The empathic brain: how, when and why? Trends in Cognitive Sciences, 10 (10), 435-441 DOI: 10.1016/j.tics.2006.08.008

[2] Batson, C. D. (2010). Empathy-Induced altruistic motivation. In M. Mikulincer & W. R. Shadish (Eds.), Prosocial motives, emotions, and behavior: The better angels of our nature (pp. 15-34). Washington: APA.

Discussão - 6 comentários

  1. Sávio. disse:

    Bem, acho que não devemos fazer nada esperando algo em troca, pois isso é individualismo, estou certo?

    Mas realmente é bastante difícil atualmente encontrar alguém bom o bastante nos dias atuais, ainda mais em um mundo tão capitalista e egocêntrico como o nosso...

    Então, é isso o que eu penso!

  2. André Rabelo disse:

    Sávio,

    obrigado por compartilhar o que você pensa sobre o assunto. Eu não vejo muitos problemas em fazer coisas esperando algo em troca, mas acho bacana saber que muitas vezes agimos motivados altruísticamente, ou seja, com a meta final e principal de beneficiar o outro, sem perceber. Os estudos que eu comentei no texto indicam que isso é mais comum do que muitos imaginam.

    Eu sempre me surpreendo com o número de pessoas boas e gentis que tenho conhecido nos últimos tempos, apesar do capitalismo e do egocentrismo predominantes estarem sempre tentando nos atrapalhar a encontrar estas pessoas...

    Abraço!

  3. Luiz Verissimo disse:

    recentemente eu e uma amiga estávamos discutindo sobre esse assunto e não conseguimos chegar à uma conclusão, creio que esse texto pode nos ajudar!

  4. Nilton Lisita disse:

    Super interessante! Os Altruímos deveriam ler esse texto! Gostei! Parabéns!

  5. Maria Vilma Baldo disse:

    Quando fazemos o bem ,em 1º lugar estamos fazendo o bem a nós mesmo pois a sensação de bem estar é nossa.Falarmos que aqui se faz e aqui que se paga com certeza quem planta o bem colhe felicidades.É muito prazeroso se fazer o bem e de preferência sem olhar a quem.
    Experimente será recompensado, com certeza

  6. Maria disse:

    Ao doar sangue sinto que sou egoísta, por causa de dois motivos que superam a bondade de doar: 1) tiro um dia de folga do trabalho; 2) me sinto muito bem (feliz, satisfeita) ao poder doar algo que não me faz falta nenhuma.
    Será que neste caso a teoria não está errada? O ato humanitário me deixa tão feliz que por isso seria mais egoísmo que altruísmo?

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