Usando a meditação para controlar impulsos

Reações impulsivas podem ser um problema sério na vida de muitas pessoas. Assim como o Cookie Monster, personagem da vila sésamo, podemos ter poderosas reações impulsivas ao nos depararmos com algo que gostamos muito, como biscoitos, no caso dele. A impulsividade alimentar pode agravar quadros de obesidade e também problemas de pressão alta, colesterol e depressão. Se considerarmos que as nossas mentes podem ser influenciadas de maneira tão automática por pistas no ambiente, como alimentos saborosos na prateleira de uma cozinha, seria muito útil se conseguíssemos desenvolver procedimentos que ajudassem as pessoas a se regularem.

ResearchBlogging.org

Felizmente, tais procedimentos vêm sendo desenvolvidos em diversas frentes da psicologia nos últimos anos. Na terapia cognitiva, por exemplo, diversas técnicas que fazem uso de princípios da meditação têm apresentado resultados animadores na capacidade de auto-regulação das pessoas. Muitos estudos têm indicado que algumas técnicas de meditação podem ser poderosas ferramentas de intervenção no tratamento de diversos transtornos, como os de ansiedade, abuso de substância e depressão. Uma publicação recente trouxe evidências de que uma breve intervenção de atenção meditativa pode prevenir reações impulsivas, facilitando a auto-regulação no caso da impulsividade alimentar.

A técnica de atenção meditativa usada neste trabalho se baseava em um procedimento no qual os participantes eram orientados a deliberadamente prestar atenção nas suas experiências sensoriais, cognitivas e emocionais sem julgar ou reagir à estas experiências. Mais especificamente, era pedido ao um grupo de participantes que ficassem atentos às suas reações e pensamentos ao observarem algumas imagens apresentadas em um computador. Também era informado que estes pensamentos e reações eram estados transitórios de suas mentes, e que suas reações cognitivas eram apenas construções momentâneas das suas mentes, e não características reais das imagens que eles observavam. A ideia é que a instrução diminuiria a tendência dos participantes de se tornarem imersos em seus pensamentos e emoções, como se estes fossem características reais da situação.

O primeiro estudo tinha duas condições básicas: em uma delas, os participantes recebiam a instrução comentada no último parágrafo (grupo de atenção meditativa); na outra, eles eram instruídos a experienciar completamente as imagens e se tornarem imersos nelas (grupo controle). Independente de em qual condição os participantes estavam, todos eram expostos a uma série de imagens, entre elas imagens de alimentos “neutros” (ex: pepino), de alimentos muito saborosos (ex: pizza) e de outras imagens não relacionadas com alimentos. A cada imagem que era apresentada, os participantes tinham que apertar uma tecla no computador de acordo com a cor do contorno em volta da imagem – se a cor do contorno fosse roxa, os participantes deveriam apertar em uma seta para se aproximar da imagem; se a cor do contorno fosse azul, eles deveriam apertar em uma seta para se afastar da imagem.

A ideia por detrás desta tarefa de esquiva-aproximação é que ela indicaria uma resposta mais rápida dos participantes quando alimentos saborosos fossem apresentados com um contorno azul, ou seja, quando ele tivesse que apertar a tecla de aproximação, em comparação com quando alimentos neutros fossem apresentados com um contorno igualmente azul. Este viés de aproximação para alimentos saborosos em comparação com alimentos neutros foi usada como uma medida do nível de reação impulsiva dos participantes. A hipótese básica era que a atenção meditativa poderia diminuir ou até mesmo eliminar este viés de aproximação para alimentos saborosos.

Neste trabalho, os pesquisadores encontraram repetidamente, em três experimentos, que mesmo uma manipulação tão simples e breve, baseada em uma técnica de atenção meditativa, poderia prevenir a ocorrência de reações impulsivas relacionadas a alimentos saborosos: só foi observado o viés de aproximação para alimentos saborosos no grupo controle, ou seja, no grupo que não recebeu a instrução baseada na técnica de atenção meditativa. Para os participantes que foram levados a considerar seus estados subjetivos como meras construções temporárias de suas mentes, a velocidade da resposta não diferiu significativamente quando as imagens mostravam alimentos saborosos ou neutros. Os autores sugerem que um treinamento mais rigoroso e prolongado poderia ter efeitos ainda maiores, tornando este modo de pensamento meditativo mais automático e generalizável para outras situações em que uma pessoa precise regular o seu comportamento.

Portanto, sempre que você se sentir “tentado” a agir de uma determinada maneira que provavelmente irá te prejudicar, vale a pena testar o procedimento que eu comentei aqui (com alguma prática, ele poderia te salvar de algumas enrascadas). Existem mais técnicas meditativas conhecidas atualmente, portanto esta é apenas uma de outras potenciais ferramentas que a tradição oriental dispõe para nos ajudar a lidar com nossos problemas cotidianos a partir do desenvolvimento de habilidades metacognitivas, e a ciência está apenas começando a entender os efeitos e mecanismos subjacentes à estas curiosas práticas cultivadas por milênios na cultura oriental.

Se você se interessa por esse tema, talvez goste também do texto abaixo:

Budismo: O Uso Milenar da Neuroplasticidade

Referências:

Papies, E., Barsalou, L., & Custers, R. (2012). Mindful Attention Prevents Mindless Impulses. Social Psychological and Personality Science, 3 (3), 291-299 DOI: 10.1177/1948550611419031

Discussão - 3 comentários

  1. lordtux disse:

    Muito bom o texto. E como frisado, meditar ajuda em muitos diversos outros campos. Como diz Allan Wallance, a meditação serve como um poderoso telescopio para sondar a própria consciência e por sondar você passa a conhecer e por conhecer você passa a dominar. É uma pena não ser tão bem aproveitada, ainda mais em uma sociedade tão corrida quando a nossa. Digo por mim mesmo que tive excelentes melhoras por começar a meditar e aprender a não me envolver em pensamentos como antes que so trazem aflição.

  2. André Rabelo disse:

    lordtux,

    obrigado por compartilhar a sua experiência com meditação. Eu também tive ótimas experiências desde que comecei a estudá-la a praticá-la.

    Abraço!

  3. [...] Em um estudo discutido aqui no blog, por exemplo, foi usada uma variação desta técnica, a mindful attention meditation, ou, como traduzi na época, a técnica de atenção meditativa (também poderíamos traduzir como “meditação da atenção plena”). Foi possível observar uma diferença considerável entre as respostas automáticas de dois grupos de participantes a fotos de alimentos saborosos – o grupo que realizou um breve e simples treinamento na técnica de atenção plena exibiu uma reação impulsiva menos intensa do que o grupo controle a fotos de alimentos saborosos. [...]

Envie seu comentário

Seu e-mail não será divulgado. (*) Campos obrigatórios.