Medidas implícitas: Indo além da consciência

Indo além da consiência

Como comecei a comentar no último texto, a psicologia têm desvendado nos últimos anos a dimensão implícita ou inconsciente de nossas mentes, que na maior parte do tempo não somos capazes de perceber ou não temos motivação para relatar. Isso significa que, a princípio, podemos possuir avaliações negativas de grupos, como conservadores ou homossexuais, das quais nem nos damos conta ou nos sentimos desencorajados a revelar em público, mas que podem ainda assim enviesar nossos pensamentos e ações no cotidiano.

ResearchBlogging.orgPara lidar com estes problemas – o da limitada capacidade de introspecção e da falta de motivação para relatar certas informações -, os psicólogos buscaram alternativas para as medidas de auto-relato, e foi a partir dai que o estudo da cognição implícita passou a se tornar uma vasta área de pesquisa não só na psicologia social, mas abrangendo os mais diversos tópicos de interesse – preconceito racial, auto-estima, relacionamento romântico, religião, transtornos mentais, tendências suicidas, vício em drogas [1, 2] – e subáreas da psicologia – psicologia clínica, psicologia forense, psicologia política, psicologia do desenvolvimento, psicologia da saúde e psicologia do consumidor [1, 2]. Uma das principais contribuições que essa área ofereceu foi o desenvolvimento das chamadas medidas implícitas, que nos permitiram tentar responder a perguntas sobre o que estava além da consciência.

Embora as medidas implícitas sejam relativamente novas, tendo surgido formalmente por volta dos últimos vinte anos, a sua popularização na psicologia se deu de maneira acelerada e, atualmente, a produção acadêmica que se beneficiou delas é respeitável. Mais de vinte medidas implícitas já foram desenvolvidas e vem sendo usadas, aprimoradas e testadas ao redor do mundo [3]. Divulgado em 1998 por meio de um artigo científico, o Teste de Associação Implícita (Implicit Association Test), por exemplo, foi uma das primeiras medidas implícitas a serem desenvolvidas e é, até hoje, a mais usada e conhecida [4]. Para se ter uma ideia do impacto desta medida na psicologia, este artigo que trouxe o relato do Teste de Associação Implícita (TAI) já foi citado 2.740 vezes até abril de 2011 [3]. Isso significa que em um período de 13 anos, 2.740 artigos citaram este trabalho, o que ilustra a sua importante influência nos rumos que diversas linhas de pesquisa tomaram.

O desenvolvimento destas medidas nasceu do interesse de psicólogos sociais em usar os métodos e as teorias da psicologia cognitiva para responder às suas usuais perguntas de interesse sem depender unicamente de medidas de auto-relato. Mais especificamente, duas linhas de pesquisa na psicologia cognitiva foram especialmente importantes para estabelecer o estudo da cognição implícita na psicologia social: as pesquisas sobre atenção seletiva e sobre memória implícita [2]. A partir destas tradições de pesquisa, diferentes ideias tem sido usadas por grupos de pesquisadores na psicologia social na discussão dos aspectos automáticos e/ou inconscientes do processamento de informações sociais.

Os instrumentos baseados no tempo de resposta em tarefas cognitivas, largamente usados na psicologia cognitiva, também serviram de inspiração para estes psicólogos sociais, resultando no desenvolvimento das primeiras medidas implícitas, que eram, basicamente, tarefas de categorização de palavras apresentadas em uma tela de computador (embora hoje existam medidas implícitas que não precisem ser aplicadas por meio de um computador). Entretanto, nem todas as medidas implícitas são baseadas apenas no tempo de resposta, ou seja, no tempo que uma pessoa leva para reagir à apresentação de uma pista sensorial (e.g. uma imagem apresentada na tela de um computador). Existem hoje medidas implícitas que se baseiam no número de erros que as pessoas cometem durante uma tarefa computadorizada e até mesmo na pressão que elas aplicam ao apertar uma tecla do teclado.

Um aspecto que chamou a atenção no início do desenvolvimento destas medidas foi o seu poder preditivo superior de determinados tipos de comportamento em relação às medidas explícitas/de auto-relato. Em diversos estudos, mesmo quando os pesquisadores consideravam o efeito de dados sócio-demográficos e medidas explícitas, as medidas implícitas permaneciam como preditoras significativas do comportamento. Atualmente, o poder preditivo das medidas implícitas se encontra melhor estabelecido e detalhado [4], pois temos uma noção mais apurada das condições nas quais tais medidas serão mais úteis ou menos úteis. O que as pesquisas tem indicado, de um modo geral, é que as medidas implícitas são melhores preditoras de comportamentos de caráter mais espontâneos, enquanto que as medidas explícitas predizem melhor comportamentos com um caráter mais deliberado [5].

Nos últimos anos, diversos aprimoramentos metodológicos, teóricos e conceituais têm sido desenvolvidos por pesquisadores trabalhando em grandes universidades ao redor do mundo. Além disso, é interessante notar que o que nasceu de uma pesquisa extremamente básica sobre processos cognitivos tem tido cada vez mais aplicações práticas nos mais diversos tópicos, como alguns citados no início do texto. Nos próximos textos, trarei algumas destas aplicações e ilustrarei como as medidas implícitas têm enriquecido, de maneira única, a nossa compreensão sobre diversos fenômenos que interessam à psicologia.

Como dica final, deixo aqui o link para o blog do físico Leonard Mlodinow, que conforme divulguei no último texto, publicou recentemente um livro de divulgação sobre o tema.

Referências

[1] Lane, K. A., Banaji, M. R., Nosek, B. A., & Greenwald, A. G. (2007). Understanding and using the Implicit Association Test: IV. What we know (so far). In B. Wittenbrink & N. S. Schwarz (Eds.). Implicit measures of attitudes: Procedures and controversies (pp. 59–102). New York: Guilford Press.

[2] Payne, B. K., & Gawronski, B. (2010). A history of implicit social cognition: Where is it coming from? Where is it now? Where is it going? In B. Gawronski & B. K. Payne (Eds.). Handbook of implicit social cognition: Measurement, theory, and applications (pp. 1-15). New York: Guilford Press.

[3] Nosek, B. A., Hawkins, C. B., & Frazier, R. S. (2011). Implicit social cognition: From measures to mechanisms. Trends in Cognitive Sciences, 15 (4), 152-9 PMID: 21376657

[4] Perugini, M. Richetin , J., & Zogmaister, C. (2010). Prediction of behavior. In B. Gawronski, & K. Payne (Eds.), Handbook of implicit social cognition: Measurement, theory, and applications (pp. 255-277). New York: Guilford Press.

[5] Petty, R. E., Fazio, R. H., & Briñol, P. (2009). The new implicit measures. In R. E. Petty, R. H. Fazio & P. Briñol (Eds.). Attitudes: Insights from the new implicit measures (pp. 3-18). New York: Psychology Press.

Discussão - 2 comentários

  1. Rodrigo disse:

    Olá André! Vi uma matéria e lembrei do seu blog. Talvez possa ser interessante pra futuras postagens. Aqui vão os links: http://www.newyorker.com/online/blogs/frontal-cortex/2012/06/daniel-kahneman-bias-studies.html e http://papodehomem.com.br/os-perigos-de-ser-inteligente/?fb_action_ids=3124589212524&fb_action_types=og.likes&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582

  2. [...] como a pesquisa que faz uso de medidas implícitas tem evidenciado, as pessoas nem sempre serão capazes ou estarão dispostas a relatar as suas avaliações. Muitas [...]

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