O que você pensa sobre si mesmo, mas não sabe

Autor: Victor Keller (autor convidado)*

O que você pensa sobre si mesmo, mas não sabe

A visão que temos sobre nós mesmos, conhecida como a autoestima, tem um grande impacto em nossas vidas. Ela influi na nossa visão de mundo e, consequentemente, no nosso comportamento. Esta influência é bem conhecida na psicologia clínica, pois é um elemento associado a diversos transtornos mentais como a depressão e alguns transtornos de personalidade (e.g. narcisismo).

A autoestima pode ser entendida como a avaliação que possuímos sobre nós mesmos, podendo variar entre uma avaliação mais positiva ou negativa. Pessoas com uma autoestima muito positiva normalmente se consideram mais capazes e competentes para lidar com as situações, enquanto que pessoas com uma autoestima mais negativa normalmente pensam que são menos capazes e preparadas para lidar com as situações e responsabilidades.

Se quisermos saber qual é a avaliação consciente, ou explícita, que uma pessoa possui sobre si mesma, poderíamos pergunta-la diretamente por meio de questões como: você gosta de si mesma? Você se considera alguém capaz e competente? Existem vários instrumentos validados que medem a autoestima explícita (por exemplo, a Escala de Rosenberg).

ResearchBlogging.orgEntretanto, como a pesquisa que faz uso de medidas implícitas tem evidenciado, as pessoas nem sempre serão capazes ou estarão dispostas a relatar as suas avaliações. Muitas vezes, não temos consciência de diversas avaliações que possuímos ou, se as percebemos, muitas vezes podemos nos sentir desconfortáveis com relatá-las. A partir desta linha de pesquisa, diversos pesquisadores passaram a se perguntar se as pessoas possuem avaliações sobre si mesmas das quais elas não tem consciência, mas que mesmo assim poderiam enviesar a percepção e o comportamento delas. Esta linha de pesquisa indicou que a nossa autoestima inconsciente, ou implícita, pode nos influenciar de maneira considerável.

Os psicólogos sociais Greenwald e Banaji (1995) definem autoestima implícita como “o efeito não identificado (ou imprecisamente identificado) por introspecção da autoavaliação sobre objetos associados e dissociados de si”. Para ilustrar o efeito da autoestima implícita, imagine que alguém te informe que o Rasputin (personagem notório da dinastia Romanov) nasceu no mesmo dia do ano que você. Você acha que sua opinião sobre o Rasputin mudaria? Talvez você pense que não, mas Finch e Cialdini (1989) mostraram que as pessoas que achavam que o aniversário delas coincidia com o do Rasputin avaliavam-no mais positivamente que os que achavam que seu aniversário não coincidia. Em outras palavras, coisas ou pessoas ligadas a nós são avaliadas com um viés positivo (dado que sua autoestima implícita seja mais positiva que o objeto avaliado).

Pesquisadores trabalhando com medidas implícitas têm desenvolvido várias técnicas para medir a autoestima implícita, porém muitas destas têm gerado índices de autoestima implícita instáveis ao longo do tempo, não alcançando níveis satisfatórios de confiabilidade. Entretanto, duas técnicas tem se destacado: a tarefa de preferência pelas inicias do nome e o Teste de Associação Implícita (TAI).

A primeira consiste simplesmente na avaliação, numa escala de 0 a 9, das letras do alfabeto. O princípio é o mesmo do estudo do Finch e Cialdini comentado anteriormente**: quanto maior for a autoestima implícita, as iniciais do nome do participante serão avaliadas de maneira mais positiva. Elas sofrem esse viés positivo por conta da associação dessas letras com a visão que as pessoas têm de si mesmas. Já o TAI, como sugere o nome, mede indiretamente a força da associação entre duas categorias. Um TAI de autoestima, por exemplo, mede a força da associação entre a categoria “eu” e as categorias “positivo” e “negativo”. Quanto maior a associação da categoria “eu” à categoria “positivo” (em comparação com “negativo”), mais alta é a autoestima implícita do participante.

Estudos usando instrumentos como os citados acima mostram que discrepâncias entre as autoestimas implícita e explícita têm consequências consideráveis no comportamento, na personalidade, na percepção e em várias outras facetas da cognição humana. Bosson, Brown, Zeigler-Hill e Swann (2003) relatam que pessoas com alta autoestima explícita e baixa autoestima implícita tendem a achar: que não terão muitas dificuldades no futuro; que uma descrição lisonjeadora de outra pessoa é bastante parecida com a sua autodescrição; e que elas atingiram seus ideais de inteligência e de habilidades sociais. Por outro lado, pessoas com autoestimas implícita e explícita altas tendiam a ser mais modestas. Zeigler-Hill (2006) encontrou que pessoas com a autoestima implícita baixa e explícita alta eram mais narcisistas e sua autoestima explícita era menos estável ao longo do tempo. Outros estudos tem demonstrado que quem tem a autoestima implícita baixa e explícita alta e instável geralmente é mais ansioso, mais vulnerável a ataques a sua autoimagem, mais agressivo perante esses ataques, e mais predisposto a engajar em comportamentos compensatórios à sua baixa autoestima.

Tradicionalmente, na pesquisa em psicologia clínica, a baixa autoestima explícita é vista como intrínseca à depressão. Porém, há poucos estudos relacionando o transtorno mental com autoestima implícita. Surpreendentemente, De Raedt, Schacht, Franck e De Houwer (2006) encontraram que a autoestima implícita de pacientes depressivos é igual à de pessoas não depressivas.  Corroborando esse resultado, Franck, De Raedt, Dereu e Van den Abbeele (2007) relatam que apenas pacientes depressivos com ideação suicida tem a autoestima implícita igual a pessoas não depressivas, e pacientes depressivos sem ideação suicida tem tanto a autoestima implícita como explícita baixa. A explicação deles desses resultados parte de estudos anteriores que mostram que a ideação suicida aumenta na medida em que aumenta a instabilidade da autoestima. Eles argumentam que, para a autoestima variar, é necessário que o paciente tenha concepções positivas de si remanescentes, e são essas concepções que os instrumentos de autoestima implícita acessam. Logo, pacientes depressivos com maior autoestima implícita tem a autoestima mais instável, apresentando ideações suicidas.

A autoestima implícita se desenvolve em contextos onde a pessoa aprende as associações avaliativas concernentes à sua autoimagem. Um desses contextos é a convivência com os pais. De Hart, Pelham e Tennen (2005) descobriram que a autoestima implícita de crianças coincidia com o relato das mães de como elas eram criadas. Crianças cujas mães não lhes davam afeto suficiente tinham autoestima implícita baixa em comparação a crianças com mães mais amáveis. O mesmo aconteceu com crianças cujas mães eram superprotetoras – estas crianças tinham uma autoestima implícita mais baixa.

Por sorte, a autoestima implícita não é unicamente determinada pela infância nem permanece estática ao longo dos anos. Baccus, Baldwin e Packer (2009) mostraram que pessoas que jogavam um jogo de computador que frequentemente pareava carinhas felizes com informações autorrelevantes demonstravam um aumento na autoestima implícita. Em outras palavras, a autoestima implícita pode ser alterada por condicionamento clássico. Um resultado interessante foi o do estudo de Koole, Govorun, Cheng e Gallucci (2009) que mostrou que meditar aumenta a congruência entre autoestimas implícita e explícita. Aparentemente, meditar leva as pessoas a acreditarem mais em seus sentimentos intuitivos autorreferentes fazendo-as deixarem de usar estratégias conscientes para acessar sua autoestima. Assim, sua autoestima explícita se assemelha mais à sua autoestima implícita. Outros processos mais complexos como autoafirmação, comparação social e autorregulação também influem na autoestima implícita. Isso mostra que, apesar de ser de natureza implícita, a autoestima implícita também é alterada por processos explícitos.

** Inclusive, há uma variação deste instrumento avaliando a preferência pelos números da data de aniversário em vez de as iniciais.

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* Victor Keller é atualmente graduando em psicologia na Universidade de Brasília e um colaborador no nosso grupo de pesquisas.

Referências:

Baccus J. R., Baldwin M. W., & Packer D. J. (2004). Increasing implicit self-esteem through classical conditioning. Psychological Science, 15 (7), 498-502 PMID: 15200636

Bosson, J. K., Brown, R. P., & Zeigler-Hill, V. (2003) Self-enhancement tendencies among people with high explicit self-esteem: The moderating role of implicit self-esteem. Self and Identity,2, 169-187.

De Hart, T., Pelham, B. W., & Tennen, H. (in press). What lies beneath: Parenting style and implicit self-esteem. Journal of Experimental Social Psychology.

De Raedt, R., Schacht, R., Franck, E., & De Houwer, J. (2006) Self-esteem and depression revisited: Implicit positive self-esteem in depressed patients? Behaviour Research and Therapy, 44, 1017-1028.

Finch, J. F., & Cialdini, R. B. (1989) Another indirect tactic of (self-) image management: Boosting. Personality and Social Psychology Bulletin, 15, 222-232.

Franck, E., De Raedt, R., Dereu, M., & Van den Abbeele, D. (2007) Implicit and explicit self-esteem in currently depressed individuals with and without suicidal ideation. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 38, 75-85.

Greenwald, A. G., & Banaji, M. R. (1995) Implicit Social Cognition: Attitudes, Self-Esteem, and Stereotypes. Psychological Review, 102, 4-27.

Koole, S. L., Govorun, O., Cheng, C. M., & Gallucci, M. (2009) Pulling your self together: Meditation promotes congruence between implicit and explicit self-esteem. Journal of Experimental Social Psychology, 45, 1220-1226.

Zeigler-Hill, V. (2006) Discrepancies between implicit and explicit self-esteem: Implications for narcissism and self-esteem instability. Journal of Personality, 74, 120-144.

Discussão - 3 comentários

  1. Gabriel disse:

    Exelente texto , bem escrito e muito informativo

  2. [...] O que você pensa sobre si mesmo, mas não sabe [...]

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