Porque tentar não pensar em algo é uma cilada
Podemos sentir que controlamos nossos pensamentos quando quisermos. Se você quiser pensar, por exemplo, em uma casa, neste exato momento, você é capaz de imaginá-la detalhadamente. Mas apesar de sermos eficientes na arte de iniciar um pensamento, muitas vezes não somos igualmente bons na arte de encerrá-los ou suprimi-los. Nossos pensamentos nem sempre nos obedecem – quem nunca teve aquele pensamento que não saia da cabeça, por mais indesejável e desagradável que fosse?
O que este tipo de experiência parece indicar é que nem sempre temos o controle da nossa cognição. Se nossa capacidade de “mandar” no que iremos pensar fosse eficiente, alguns problemas que milhares de pessoas vivenciam nem deveriam existir. Um exemplo disso ocorre com pessoas que sofrem de insônia. Muitas pessoas com este problema vivenciam uma “enxurrada” de pensamentos que os induzem a um estado de agitação incompatível com o sono. Outro exemplo drástico de quem convive com este problema é quem enfrenta o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, o famoso TOC. Nesta condição, as pessoas vivenciam diariamente pensamentos repetitivos e frequentes sobre um ou mais determinados conteúdos (ex: sujeira) que as levam a realizar ações compulsivas relacionados aos seus pensamentos obsessivos (ex: lavar a mão para evitar a sujeira). Por mais que elas tentem parar de ter estes pensamentos, eles continuam ressurgindo em suas mentes e causando sofrimento.
Nada disso deveria acontecer se as nossas tentativas de suprimir pensamentos funcionasse de maneira eficaz. A supressão do pensamento é o processo pelo qual uma pessoa tenta, deliberadamente, parar de pensar sobre alguma coisa. O problema é que essa técnica, como você sabe, nem sempre funciona.
Foi um professor da Universidade de Harvard, chamado Daniel Wegner, que iniciou uma longa investigação sobre isso nos anos 1980. O professor Wegner queria entender o que ocorre quando tentamos suprimir um pensamento. Os seus primeiros estudos mostraram dois efeitos inesperados e paradoxais: as pessoas que foram instruídas a não pensar em um urso branco relataram surgir mais pensamentos relacionados ao urso do que participantes que não receberam essa instrução, durante a tentativa de suprimir o pensamento e posteriormente também.
Parece que quando tentamos NÃO pensar em uma coisa, nós acabamos ativando a própria ideia da coisa que temos em nossa cognição, da mesma maneira que ativaríamos se tentássemos apenas pensar no assunto, e quanto mais tentamos não pensar naquilo, mais estamos ativando também o conceito. O resultado disso pode ser um ciclo vicioso que se retroalimenta: quando o pensamento indesejável surge, tentamos suprimi-lo e, nessa tentativa, ativamos mais ainda a representação mental que possuímos daquele assunto, o que resulta em mais pensamentos, que nos torna mais engajados ainda na supressão e assim por diante. Ou seja, é uma cilada!
Apesar de muitos estudos demonstrarem este efeito em diversas amostras, as evidências relacionadas ao papel da supressão do pensamento na manutenção de diferentes transtornos mentais não corroboram totalmente o que poderíamos esperar. Eu citei no início do texto o exemplo do TOC, mas segundo uma metanálise* recente, ao longo de vários estudos, não se observou diferenças grandes na recorrência de pensamentos devido à supressão de pensamentos em pessoas com TOC, Transtorno de Estresse Pós-Traumático ou Depressão.
Entretanto, os autores deste trabalho deixam claro que este resultado pode se dever a diversos fatores, como a maior habilidade de pacientes com sintomas destes transtornos em suprimir pensamentos (já que eles precisam lidar com este problema diariamente, o que os diferenciariam de pessoas sem este transtorno) e a maior motivação para suprimir pensamentos. Além disso, a maneira como um indivíduo interpreta a sua falha de suprimir um pensamento pode resultar em uma emoção negativa mais intensa caso ela interprete aquilo como uma falha, o que a levaria a um maior esforço em suprimir o pensamento. Diferenças individuais podem induzir as pessoas a fazerem diferentes interpretações destes eventos, o que insere mais uma variável a ser considerada na investigação. Resumindo, ainda precisamos entender melhor os mecanismos cognitivos que mantém certas características destes transtornos e em que condições a supressão do pensamento pode exercer maior influência.
A despeito destes dados não encontrarem uma grande importância deste mecanismo na manutenção de certos transtornos mentais, muitos outros dados corroboram a ideia de que a supressão do pensamento pode ser um tiro no próprio pé quando queremos nos livrar de certos pensamentos. Ao invés de tentar deliberadamente parar de pensar em um determinado assunto, tente pensar em outro que seja engajante o suficiente para que você possa pensar nele por um certo tempo, até que o conteúdo indesejado deixe de ficar tão acessível na sua mente. Outras opções melhores são: testar diferentes temas que possam te distrair até encontrar um que consiga levar sua mente para longe do assunto indesejado; ou aceitar e expressar os pensamentos indesejáveis. A melhor técnica depende da sua condição individual, portanto, se esse é um problema que você enfrenta, é necessário buscar a ajuda de um profissional qualificado.
A linha de pesquisa sobre a supressão do pensamento é mais um ótimo exemplo de como uma pesquisa focada na compreensão de processos cognitivos básicos, aparentemente sem qualquer aplicação prática clara, demonstrou-se posteriormente relevante para a compreensão de diversas questões práticas, como alguns transtornos mentais. É sobre este aspecto “irônico” de como a nossa cognição funciona que precisamos ter consciência e sempre nos relembrar para não cair na cilada de tentar não pensar sobre uma determinada coisa.
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*Uma metanálise é um tipo de estudo no qual certos dados de vários estudos sobre um mesmo assunto são agrupados para se verificar o “tamanho do efeito,” que pode ser traduzido como o nível de associação que podemos observar entre certas variáveis. Uma metanálise nos da uma informação mais conclusiva sobre uma pergunta de pesquisa que temos interesse. A metanálise do estudo citado indicou que, quando tomados como um todo, os efeitos observados em estudos individuais não demonstraram um tamanho de efeito alto – alguns estudos encontraram efeitos maiores e outros, demonstraram efeitos menores.
Referências
Magee, J., Harden, K., & Teachman, B. (2012). Psychopathology and thought suppression: A quantitative review. Clinical Psychology Review, 32 (3), 189-201 DOI: 10.1016/j.cpr.2012.01.001
Wenzlaff, R., & Wegner, D. (2000). Thought suppression. Annual Review of Psychology, 51 (1), 59-91 DOI: 10.1146/annurev.psych.51.1.59
Discussão - 8 comentários
[...] Escrito por André Rabelo Diretamente do SocialMente. [...]
Eu tenho uma maneira de me livrar determinados pensamentos ou quando quero esquecer alguma coisa... Eu tento pensar e me lembrar de cada detalhe (quanto mais exdrúxulo melhor)...Não é um exemplo bom, mas algo do tipo não pensar só que está sujo de poeira, e sim se preocupar com a posição de cada grão de poeira...Ou qd vc está com aquele refrão de música chata na cabeça, tentar lembrar da letra toda e de todas notas, solos, do rádio em que você ouviu...Vc acaba se ocupando com os supérfluos e a coisa q te incomodava some da sua frente...
Oi André,
Obrigado pelo comentário. É sempre mt legal quando alguém compartilha por aqui algo, como uma técnica q desenvolveu e usa no seu dia-a-dia. Eu achei muito interessante a sua técnica e quero testa-la o quanto antes (só estou esperando um pensamento chato me assolar :b). Gostei dela, pq, a longo prazo, ela pode atuar como uma exposição sistemática . Tb tem a questão de que se focar em um detalhe do detalhe do assunto é compatível com a acessibilidade cognitiva aumentada que caracteriza normalmente esse tipo de pensamento, então não exigiria um grande esforço para mudar o humor e não reforçaria o ciclo vicioso que comentei no texto. Promissora essa técnica, vc conheceu ela em algum lugar?
Abraço!
Não...Só pensei no opsoto: Se por mais que você tente ou se preocupe em esquecer alguma coisa, mais ela gruda q nem chiclete, o que aconteceria se você, em vez de tentar esquecer, se preocupasse em lembrar cada detalhe? Também observei q muita coisa q gostaria de lembrar no detalhe,se eu me preocupasse com isto, eu acabava esquecendo-a...Passei a testar esta técnica com músicas chicletes e vi que funcionava para mim
Meu método para tirar uma música da cabeça é tentar lembrar, em rápida sucessão, o máximo de músicas possível. Quando chego na décima, já esqueci qual era a original que não me saia da cabeça. Quando isso não funciona, cantarolo "everybody was kung fu fighting turu rururu turu ruru" e ela toma o lugar de qualquer outra.
E quando me dizem "pense numa maçã azul", eu penso na palavra e não no objeto. Funciona sempre (mas não serve de muita coisa).
Algo que faço quando fico com uma música na cabeça, é tentar imáginá-la em outro ritmo (normalmente um beat-box resolve). mas tem dia que fico muito empolgado com o beat-box, que fica dificil esquecer kkkkkkkkkkk. Mas faço isso com pensamentos tbem. Normalmente tento pensar no futuro, o que pode acontecer, como vai acontecer ... ai o pensamento vira um fluxo e não se repete mais. Tá certo que algumas vezes fazer isso consome mais tempo, mas fica um pensamento mais interessante.
Passei a praticar isso baseado nas seis dimensões de Raskar, que vi nesse link [ http://vitorpamplona.com/wiki/Concebendo+Ideias ]
Para tentarmos eliminar os pensamentos, podemos praticar a meditação, ensinada pela arte do Yoga. O ponto chave é a respiração. Ficamos sentados ou deitados, relaxados numa posição confortável, em local silencioso, preferencialmente, e inspiramos e expiramos profunda e lentamente. Devemos prestar atenção na respiração, no ruído que faz ao passar pela vias aéreas. Isso ajuda muito a eliminar pensamentos e o estresse diário.
Abraços.