O que é a meditação?
Há poucos anos atrás, o estudo científico da meditação era praticamente inexistente. Foi isso o que afirmou Philippe Goldin, um pesquisador da Universidade de Stanford, em uma palestra que ele deu sobre esse assunto na universidade. Entretanto, nos últimos anos, esse cenário mudou drasticamente. A meditação se tornou um dos assuntos mais “quentes” (e sexy) na psicologia e na neurociência. Ela é comumente associada ao Budismo, embora diversas culturas tenham desenvolvido e praticado ela ao redor do mundo desde tempos muito remotos (segundo a Wikipédia, desde que a humanidade existe praticamente O.O).
Ao contrário do que muitos pensam, a prática meditativa em si não precisa envolver crenças religiosas ou espirituais – apesar de exótica, ela não é necessariamente mística. Também diferente do que muitos acreditam, ela não é uma única coisa, tal como é simbolizado no esteriótipo de uma pessoa sentada no chão em uma posição de lótus (como na imagem acima) que tenta esvaziar a sua mente de pensamentos ou não pensar em nada. Na verdade, existem diversas “meditações” – tipos e variações de técnicas meditativas.
Diversos estudos têm demonstrado que a prática da meditação pode trazer muitos benefícios, tais como: nível maior de emoções positivas, redução de sintomas relacionados à depressão, raiva, ruminação mental, estresse, ansiedade, alteração do padrão de atividade cerebral, de conexões neurais, aumento da empatia, de bem-estar… essa é só uma pequena lista perto dos outros benefícios que essa avalanche de estudos tem encontrado. A melhor parte de pensar na meditação como uma aplicação prática para promover bem estar e saúde mental é a sua acessibilidade – tudo o que você precisa para começar a praticá-la é de uma mente, de um pouco de informação e de vontade de praticá-la!
Voltemos agora à pergunta que dá o título a este texto. A despeito de existirem diversas variações, a maioria das técnicas de meditação envolve uma experiência mental voltada para o treinamento consciente de diversos processos cognitivos, tais como a atenção, a memória, avaliações automáticas e a percepção. A depender da técnica de meditação em questão, são treinados diferentes aspectos destes processos cognitivos. Uma sessão de meditação pode durar desde cinco minutos até várias horas ao longo de vários dias, como ocorre em alguns retiros voltados para essa prática. Ela também pode ser praticada tanto na famosa posição de lótus quanto simplesmente sentando-se em uma cadeira, deitando-se, em pé e até mesmo andando (recomendo assistir esse vídeo de Alan Watts sobre esse assunto, dica do Felipe Novaes, escritor do blog NERDWORKING).
Uma famosa especialista no assunto e autora de uma dezena de livros sobre meditação, Sharon Salzberg, explicou de maneira intrigante e simples uma das habilidades que estamos treinando continuamente durante qualquer tipo de meditação. Em um texto publicado no Huffington Post, ela explica da seguinte maneira (o que se segue é uma tradução minha de um trecho deste texto):
“O que nós estamos realmente praticando é a arte de recomeçar, não de acumular um registro de mais e mais respirações antes que a nossa atenção se desvie. Na medida em que melhoramos nossa habilidade de deixar que a distração se vá, de recomeçar sem rancor ou julgamento, nós estamos aprofundando o perdão e a compaixão por nós mesmos. E, na vida, nós percebemos que podemos cometer um erro e mais facilmente recomeçar ou mudar o nosso caminho escolhido e recomeçar. Nós estamos praticando isso na meditação se estamos trabalhando com a respiração, com a consciência do corpo ou das emoções, ou recitando as frases formais da prática da bondade-afetuosa (loving-kindness). Essa é a meta-lição, moldada no âmago dos nossos esforços, na nossa abertura à tentativa, na serenidade dos nossos corações em expansão, na nossa risada de nós mesmos, nossas lágrimas, nossa humildade: nós sempre podemos recomeçar. E nós precisaremos recomeçar.”
Esse trecho afirma que enquanto meditamos, estamos continuamente treinando nossa capacidade de recomeçar e de ter compaixão por nós mesmos, mesmo que a gente cometa falhas (no caso da meditação, a falha seria a distração). A partir do que essa autora propõe, na medida em que vamos nos tornando mais habilidosos na meditação, ocorrem uma série de mudanças nas nossas cognições quanto a como nos percebemos e avaliamos os nossos fracassos.
Para entender melhor o que são as “meditações,” vamos agora a alguns exemplos. Na técnica de meditação mindfulness, uma das mais estudadas na psicologia e na neurociência atualmente, o objetivo é aprender a controlar a atenção consciente, direcionado-a ao momento presente sem que avaliações e julgamentos sejam feitos. A ideia por detrás desta técnica é a de conseguir se tornar totalmente imerso no fluxo da experiência presente. Essa técnica envolve não apenas um grande foco no presente imediato, mas também uma postura de abertura, curiosidade e aceitação em relação à experiência momentânea que está se desenrolando no momento da meditação.
Em um estudo discutido aqui no blog, por exemplo, foi usada uma variação desta técnica, a mindful attention meditation, ou, como traduzi na época, a técnica de atenção meditativa (também poderíamos traduzir como “meditação da atenção plena”). Foi possível observar uma diferença considerável entre as respostas automáticas de dois grupos de participantes a fotos de alimentos saborosos – o grupo que realizou um breve e simples treinamento na técnica de atenção plena exibiu uma reação impulsiva menos intensa do que o grupo controle a fotos de alimentos saborosos.
Outras duas técnicas de meditação que tem sido mais estudadas são a meditação da compaixão (karunaa, em Pali, uma língua asiática antiga) e a da bondade-afetuosa (mettã). Ambas são descritas em um importante livro da tradição budista Theravada, o Visuddhimagga, como dois dos quatro estados sublimes ou brahma viharas. Os outros dois estados sublimes são a alegria altruísta (mutida) e a equanimidade (upekkha). Esses quatro estados sublimes são as quatro qualidades que devem ser cultivadas na mente para que uma vida livre da angústia possa ser atingida, bem como uma compreensão melhor de como nossas mentes funcionam. A meditação da compaixão se foca na conscientização do sofrimento de todos os seres vivos e no desejo de alívio desse sofrimento; a meditação da bondade-afetuosa se foca no desejo altruísta, incondicional e afetuoso de bem-estar de todos os seres vivos.
Um dos motivos do entusiasmo gerado a partir do estudo citado anteriormente e de outros similares é que mesmo intervenções incrivelmente simples e de curta duração baseadas nestes diferentes tipos de meditação demonstram efeitos consideráveis. Não se pode negar, entretanto, a importância de intervenções mais complexas oferecidas por treinadores experientes e a compreensão dos efeitos gerados pela prática meditativa de longo prazo. Muitos estudos atestam que a prática regular pode ser ainda mais benéfica. Isso faz sentido dentro do que é relatado por praticantes experientes da meditação – muitos relatam que as técnicas podem alcançar níveis de dificuldade e complexidade muito maiores do que o que pode ser alcançado com treinamentos de curto prazo e que o treinamento das diversas habilidades exigidas pela meditação pode ser aprimorado quase indefinidamente. Um exemplo é uma técnica meditativa onde a pessoa deve decorar e então mentalizar uma imagem como essa, pensando e visualizando cada detalhe da imagem por horas seguidas. Se quiser entender porque isso é difícil, tente você mesmo fazer isso por apenas dez minutos!
Outra série de estudos que chamam a atenção e que também ajudam a entender porque a meditação de longo prazo pode alterar de maneira tão profunda nossa cognição são os advindos da neurociência cognitiva. Estes estudos revelaram que a própria estrutura do cérebro pode ser alterada pela prática meditativa. Estudos com monges budistas experientes, por exemplo, têm demonstrado que o funcionamento dos seus cérebros pode diferir consideravelmente dos cérebros de pessoas que não praticam meditação. Além disso, outro estudo divulgado aqui no blog também indicou que mesmo as reações emocionais mais automáticas, tais como as expressões faciais, se mostram particulares no caso de praticantes experientes de meditação.
Espero que, ao final desse texto, você tenha entendido um pouco melhor o que é a meditação e como a sua prática pode ser diversificada e benéfica. Aprender a meditar pode ser comparado com aprender a andar de bicicleta, uma nova língua ou um novo assunto difícil – o começo pode ser bem frustrante. Fazer algo aparentemente tão simples quanto não pensar em nada durante cinco minutos enquanto fica parado e relaxado pode ser um verdadeiro desafio. Mas, com um pouco de persistência inicial, esta habilidade pode ser desenvolvida e chegar a níveis que, inicialmente, podem parecer impossíveis de serem alcançadas algum dia por você. Por fim, vale ressaltar que a meditação, por mais benéfica que seja, não pode nos livrar de todo e qualquer sentimento negativo, como a ansiedade e a tristeza, portanto não se “preocupe em perder de vez as suas preocupações” praticando a meditação, você no máximo atenuará e saberá lidar melhor com estas emoções.
Referências
Fredrickson B. L., Cohn M. A., Coffey K. A., Pek J., & Finkel S. M. (2008). Open hearts build lives: positive emotions, induced through loving-kindness meditation, build consequential personal resources. Journal of Personality and Social Psychology, 95 (5), 1045-62 PMID: 18954193
Hofmann S. G., Grossman P., & Hinton D. E. (2011). Loving-kindness and compassion meditation: Potential for psychological interventions. Clinical Psychology Review, 31 (7), 1126-32 PMID: 21840289
Hutcherson C. A., Seppala E. M., & Gross J. J. (2008). Loving-kindness meditation increases social connectedness. Emotion, 8 (5), 720-4 PMID: 18837623
Leung M. K., Chan C. C., Yin J., Lee C. F., So K. F., & Lee T. M. (2013). Increased gray matter volume in the right angular and posterior parahippocampal gyri in loving-kindness meditators. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 8 (1), 34-9 PMID: 22814662
Mascaro J. S., Rilling J. K., Tenzin Negi L., & Raison C. L. (2013). Compassion meditation enhances empathic accuracy and related neural activity. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 8 (1), 48-55 PMID: 22956676
Mongrain, M., Chin, J., & Shapira, L. (2010). Practicing compassion increases happiness and self-esteem Journal of Happiness Studies, 12 (6), 963-981 DOI: 10.1007/s10902-010-9239-1
Tang Y. Y., Lu Q., Fan M., Yang Y., & Posner M. I. (2012). Mechanisms of white matter changes induced by meditation. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 109 (26), 10570-4 PMID: 22689998
Tang Y. Y., & Posner M. I. (2013). Special issue on mindfulness neuroscience. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 8 (1), 1-3 PMID: 22956677
Discussão - 9 comentários
Também vale a pena conhecer o blog "Sobre Budismo." Lá, você encontrará muitos outros materiais e informações sobre o budismo e a meditação.
http://sobrebudismo.com.br/meditacao/
Como um bom ateu, não estou convencido sobre as conclusões a que chegam essas pequisas. Desconfio que a meditação seja apenas um efeito placebo, como tantos outros, capaz de surgir de uma cabeça tão vulnerável em acreditar naquilo que deseja acreditar. De minha parte, prefiro 60 minutos de corrida: aposto que me deixam mais feliz que muito budista. E eu nem preciso usar aquela lençol feio pra burro.
Abraços.
Oi Arnaldo,
obrigado pelo comentário! Eu também sou ateu, mas não acho que isso deveria determinar o que eu penso da meditação, pois, como tentei enfatizar no texto, não se trata de uma prática que envolva necessariamente uma dimensão mística/religiosa (embora esse seja um engano comum em relação à ela). A hipótese de se tratar apenas do efeito placebo não faz muito sentido no caso destes estudos pelo menos, pois praticamente todos eles usam grupos controles para comparar com os grupos experimentais. Nesses grupos controles, o procedimento muitas vezes é altamente semelhante com o dos grupos experimentais, variando apenas alguns detalhes (se o que estivesse ocorrendo fosse apenas efeito placebo, nós não deveríamos esperar grandes diferenças nas respostas destes dois grupos de participantes).
Por exemplo, em um estudo que li recentemente, o grupo que meditava era comparado com um grupo que fazia praticamente a mesma coisa, sendo que a única coisa que variava eram alguns detalhes da meditação que tinha sido passada ao primeiro grupo (esses detalhes que variaram eram as características mais importantes e definidoras do tipo de meditação que estava sendo estudado). A corrida não exclui a meditação, ambas são práticas saudáveis, mas cada um tem as suas preferências né...
Abraço!
Arnaldo,
Como o André destacou, a meditação não é uma técnica vinculada a uma religião necessariamente. Qualquer pessoa pode praticar a meditação e não tomar contato com conceitos religiosos.
Como falado, grande parte dos estudos utilizam grupo controle exatamente para excluir a influência do efeito placebo nos resultados. Questionar esses estudos dessa forma é a mesma coisa que questionar os estudos que validam os remédios que temos nas farmácias.
Como o André também disse, a corrida não invalida a meditação, aliás, acrescento ainda que pode-se meditar e correr ao mesmo tempo. É tudo questão de vc correr quando estiver correndo. O próprio Alan Watts fala algo do tipo no vídeo indicado no link: o zen é dormir quando se tem sono, comer quando se tem fome.
Abraço!
Ótimo texto André.
Confesso que já tentei, mas tenho uma mente absurdamente inquieta e ansiosa.
Você já praticou? Ou pratica? Teria experiências pessoas pra compartilhar?
Pratico (Raja Yoga e Transcendental) a alguns meses e confirmo os benefícios da meditação.
Gostaria de mais informações sobre Psicologia Evolutiva.....
Mariana, dá uma olhada nesse outro texto aqui no blog que fala mais diretamente disso: http://scienceblogs.com.br/socialmente/2011/07/psicologia-evolucionista/
[…] também que trazem informações citadas no vídeo e muitas outras complementares: link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, link, […]