O beijo gay do Félix e como a mídia pode ajudar quem precisa

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Ontem, o personagem Félix, de uma novela famosa, deu um beijo em seu companheiro homossexual. Até onde ouvi, a cena de um beijo entre homens em uma novela popular foi algo inédito (ou foi pelo menos bem raro até hoje). Esse “ocorrido” foi recebido de maneira otimista, porém nem tanto, por membros da comunidade LGBT, como é um exemplo o deputado Jean Wyllys que escreveu uma reflexão crítica sobre o tema. Entretanto, esse tipo de exposição “positiva” de membros de grupos que são alvos de preconceito pode ter consequências muito mais interessantes do ponto de vista psicológico do que o ibope de um canal de televisão, as quais eu comentarei daqui há pouco.

Um outro exemplo mais intencional e direto disso é o projeto internacional It Gets Better (“vai ficar mais fácil”). Esse projeto tem o objetivo de dar suporte e esperança a jovens LBGTs ao redor do planeta que sofrem discriminação. No site do projeto, é possível encontrar mais de 50.000 vídeos de pessoas com diferentes orientações sexuais encorajando os jovens a acreditar que “vai ficar mais fácil” (entre essas pessoas, o presidente norte americano Barack Obama marcou presença com um vídeo. Também vale a pena ver o relato de um vereador do Texas sobre a sua experiência pessoal).

A exposição favorável do Félix ocorrida na novela e esse projeto são dois exemplos de como a mídia pode, mesmo que não intencionalmente, oferecer suporte a grupos enfrentando discriminação. Mas como será que esses jovens percebem esse tipo de mídia? Será que eles se sentem realmente mais apoiados e esperançosos? A princípio, tudo indica que sim, mas será que algumas formas de comunicar esse suporte podem ser mais benéficas do que outras?

ResearchBlogging.orgPois bem, e não é que mês passado foi publicado um trabalho científico tentando encontrar respostas exatamente para essas perguntas!? Bom, quase isso pelo menos! Um dos objetivos dessa pesquisa era averiguar como diferentes tipos de mensagem emitidas por pessoas que não são alvo de preconceito são percebidas por jovens LGBTs e heterossexuais e testar se mensagens focadas em um tipo de tema poderia ser mais benéfica do que mensagens focadas em outro tema. Para isso, as pesquisadoras realizaram vários estudos.

Elas selecionaram diversos vídeos do canal no Youtube do projeto It Gets Better e identificaram que a grande maioria das mensagens de suporte dadas por pessoas que não eram alvo de preconceito contra jovens LGBTs tinham como tema geral a “conectividade social”, ou seja, a mensagem se focava em demonstrar apoio, comunhão e preocupação com o outro, e menos das mensagens tinham como foco o tema de “mudança social”, ou seja, comunicar que as coisas estão mudando e a sociedade está menos intolerante. Além disso, a maioria dos jovens LGBTs e heterossexuais que participaram de um dos estudos perceberam diferentes mensagens de suporte às quais foram expostos como “confortantes” e mais focadas no tema de conectividade social do que no de mudança social. Mas será que o tema geral da mensagem faz alguma diferença para quem está ouvindo a mensagem de apoio?

Para testar isso, essas pesquisadores realizaram dois experimentos, nos quais os participantes eram designados aleatoriamente a ler diferentes tipos de mensagens e então os participantes relatavam as suas impressões e sentimentos em relação àquelas mensagens. Os resultados? Jovens LGBTs que viram mensagens de apoio com o tema predominante de mudança social se sentiram consideravelmente mais confortados do que os que leram mensagens com o tema de conectividade social. Duas principais conclusões desses estudos foram que: mensagens de suporte com o tema de mudança social podem transmitir maior conforto e esperança em jovens LGBTs, mas o tema mais comum dessas mensagens é o de conectividade social. Portanto, mensagens mais focadas em mudança social poderiam ter um maior impacto no suporte percebido por jovens LGBTs. As autoras da pesquisa também perceberam um aparente paradoxo a partir dos seus resultados, pois apesar do objetivo dessas mensagens ser o de combater o preconceito prevalente na sociedade norte americana contra jovens LGBTs, poucas foram as mensagens nas quais o tema predominante era de fato o de mudança social. Normalmente, as mensagens se focavam no tema de conectividade social, enfatizando aos jovens que eles precisam aguentar firme suas dificuldades, pois tudo poderá ficar melhor um dia. Por conta disso, as mensagens de suporte intergrupal dessas pessoas pode acabar tendo o efeito irônico e não intencional de ajudar a manter o status quo, sugeriram as autoras.

Em suma, exposições positivas na mídia de membros de grupos que são alvos de preconceito, como o que ocorreu recentemente na novela, e mensagens de apoio exibidas na mídia podem ter efeitos positivos no suporte percebido e na esperança de pessoas que fazem parte de grupos que são alvos de preconceito, embora tais exposições na mídia, ao se focar em reconhecer e estimular a mudança social, poderiam trazer maior conforto e serem menos reforçadoras do status quo – matando assim dois coelhos em uma cajadada só.

Referência

Aneeta Rattan, & Nalini Ambady (2014). How “It Gets Better”: Effectively Communicating Support to Targets of Prejudice. Personality and Social Psychology Bulletin DOI: 10.1177/0146167213519480

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