A Indústria Química do Futuro

Fig. 1 - “Bioreator”, arte de K-Kom - DeviantART.

Fig. 1 – “Bioreator”, arte de K-Kom – DeviantART.

          “Um Químico é um mexedor de sopa, um operador fedorento.
           Um Zimologista é alguém que ajuda a manter bilhões de pessoas vivas. Eu sou um especialista em cultura de leveduras. (…)
           Este laboratório mantém a New York Yeast funcionando. Não há um dia, nenhuma maldita hora, que nós não tenhamos culturas de cada linhagem de levedura na empresa crescendo em nossas caldeiras. Nós checamos e ajustamos os fatores dos requisitos de comida. Nós garantimos que estão se reproduzindo bem. Nós ‘dobramos’ a genética, começamos as novas linhagens e as ‘limpamos’, descobrimos suas propriedades e moldamos elas novamente.(…)
            Vinte anos atrás a Saccharomyces olei Benedictae era só uma linhagem com gosto horrível de sebo e boa para nada. Ela ainda tem gosto de sebo, mas seu conteúdo de lipídios foi forçado de 15 para 87 por cento. Se você usou a Esteira Expressa hoje, apenas se lembre que ela é lubrificada estritamente com S. o. Benedictae, linhagem AG-7. Desenvolvida aqui mesmo nesta sala.”

Trecho de “As Cavernas de Aço” (1953), de Isaac Asimov – tradução livre.

ResearchBlogging.orgDia 2 de Janeiro é aniversário do “bom doutor” Isaac Asimov, que já nos anos 50 descrevia um planeta Terra apinhado de pessoas em enormes conjuntos de construções urbanas, as “Cavernas de Aço”, título do livro que faz parte de sua série de romances sobre robôs que o fez ser um ícone da ficção científica. Mas um fato pouco lembrado é sua visão de como seria a indústria química do futuro, que se reflete até os dias de hoje. Antes de escritor, Asimov era bioquímico e portanto não é à toa que no mesmo ano em que foi descoberta a estrutura do DNA, ele já conseguisse prever as possibilidades industriais da manipulação genética como no trecho acima de seu livro. Nele um “zimologista” defende a importância de seu trabalho em criar leveduras que possam produzir os mais variados tipos de químicos, num futuro onde o petróleo mundial já se esgotou e a única fonte de matéria-prima é biomassa vegetal.

Fábrica da BASF em 1886 em Ludwigshafen, onde é a sede da empresa até os dias de hoje. Pelo menos olhando de longe, não é muito diferente das fábricas de hoje em dia, não? - Fonte: WIkimedia

Fábrica da BASF em 1886 em Ludwigshafen, onde é a sede da empresa até os dias de hoje. Pelo menos olhando de longe, não é muito diferente das fábricas de hoje em dia, não? – Fonte: WIkimedia

            Essa “bioindústria do futuro” nunca foi tão real como hoje. E já estava na hora. O cerne da maior parte da indústria química mundial ainda é a mesma desde quando o Brasil ainda era um império, mais ou menos na mesma época em que o petróleo começa a ser usado como principal fonte para fabricar produtos químicos industriais. Naquele tempo era impensável que os pequenos seres humanos poderiam causar um impacto ambiental tão grande num mundo tão vasto. Mas está ficando cada vez mais claro para a população de 7,7 bilhões de pessoas que esse modelo de 200 anos precisa mudar, ou ainda vamos ter que aceitar conviver com catástrofes climáticas.

            Todo esse tempo de existência dá um privilégio enorme para esse sistema de produção permanecer desse jeito. Foi só com uma verdadeira revolução científica que a indústria de hoje ficou pronta para começar a mudar: a revolução da decodificação genética. Quando os cientistas terminaram de montar o quebra-cabeça que explicava como o DNA guardava instruções para as reações químicas que coisas vivas conseguem fazer, um universo de possibilidades se abriu. Tudo isso culminou nos anos 2000, com uma nova abordagem do que um dia foi conhecido como engenharia genética, a Biologia Sintética. Tratando células da mesma maneira como engenheiros elétricos tratam circuitos eletrônicos, os avanços da aplicação dessa nova disciplina foram muito mais rápidos do que a manufatura de químicos e hoje a bioindústria não apenas existe mas já prospera. A manufatura de químicos por rotas biológicas já está em estágio comercial (ver Figura 3) e a OCDE (o “clube dos países ricos”) estima que em 2030 produtos derivados dessa indústria corresponderão até 2,7% do PIB de seus países membros – para se ter uma ideia, é um valor próximo da riqueza média que toda a agricultura, pesca e extração de madeira geram nesses países hoje em dia.

Figura 3: Exemplos de casos de sucesso de manufatura de químicos por rotas biológicas. Retirado de “Industrialization of Biology”, National Research Council, 2015.

Figura 3: Exemplos de casos de sucesso de manufatura de químicos por rotas biológicas. Retirado de “Industrialization of Biology”, National Research Council, 2015. (Clique para ver melhor)

            Boa parte das pessoas está completamente alheia a essas mudanças, muito porque falta algum tempo até verificarmos as estimativas para 2030 e ainda estamos vivendo só começo da mudança de “mexedores de sopa” para “zimologistas” na indústria. Até agora a Biologia Sintética foi a disciplina que melhor atendeu as expectativas do que seria o futuro da bioindústria, mas ainda estamos longe de produzirmos tudo a partir de microrganismos. Hoje a fronteira com o futuro está na imprevisibilidade e complexibilidade dos sistemas biológicos. Apesar da analogia ser válida, “programar” microrganismos não é a mesma coisa que computadores: são tantas variáveis ainda mal compreendidas dentro de uma simples célula que as coisas simplesmente não funcionam como deveriam e muitas vezes os cientistas não sabem exatamente o porquê. Pensando em focar esforços, vários pesquisadores convocados pelo conselho nacional de pesquisa norte-americano montaram um plano para os próximos 10 anos com os desafios a serem superados para uma “manufatura avançada de químicos” a nível industrial (ver Figura 4). Dentre os principais desafios estão o barateamento dos processos de uso de matérias-primas renováveis, aumento da eficiência dos processos de ganho de escala de bioprodução, desenvolvimento de ferramentas mais ágeis de construção de sistemas genéticos e “domesticação” de microrganismos ainda não explorados para uso industrial.

Figura 4: Planejamento de desafios a serem superados nos próximos 10 anos para concretização do potencial industrial da biotecnologia. Fonte: “Industrialization of Biology”, National Research Council, 2015.

Figura 4: Planejamento de desafios a serem superados nos próximos 10 anos para concretização do potencial industrial da biotecnologia. Fonte: “Industrialization of Biology”, National Research Council, 2015. (Clique para ver melhor)

            Parte dos executores desse plano são novos de laboratórios de biotecnologia chamados de “biofoundries”. São basicamente laboratórios altamente automatizados (Figura 5), capazes de realizar uma quantidade sem precedentes de experimentos e fazer medições, quase 24 horas por dia, 7 dias por semana. A estratégia é usar a “força bruta” das máquinas para conseguir lidar com uma quantidade enorme de variáveis, o que seria impraticável em outras condições.

Figura 5: “Biofoundry” versus um Laboratório de Biotecnologia comum. As bancadas de trabalho da Biofoundry são tomadas por robôs que automatizam todos os processos com baixa intervenção humana, enquanto um laboratório comum apenas produz conforme o número de pessoas que é possível caber numa mesma bancada! - Fonte: Ginkgo Bioworks (imagem da esquerda) e Wikimedia (imagem da direita).

Figura 5: “Biofoundry” versus um Laboratório de Biotecnologia comum. As bancadas de trabalho da Biofoundry são tomadas por robôs que automatizam todos os processos com baixa intervenção humana, enquanto um laboratório comum apenas produz conforme o número de pessoas que é possível caber numa mesma bancada! – Fonte: Ginkgo Bioworks (imagem da esquerda) e Wikimedia (imagem da direita). (Clique para ver melhor)

            Em alguns lugares do mundo, como nos EUA, já se inicia um processo de estratificação de um ecossistema de empresas de biotecnologia e indústria: enquanto “biofoundries” fazem o “design” dos microrganismos (como a Ginkgo Bioworks, Genomatica e Zymergen), grandes empresas investem em bioprodução de commodities químicas (como Braskem, Dow, Basf) e moléculas de alto valor agregado, ao mesmo tempo que startups surgem barateando sequenciamento e síntese de DNA (como a Twist Biosciences) e viabilizando softwares necessários para toda a automação funcionar bem (como a Teselagen – que NÃO é uma empresa hipster reinventando a tecelagem, como pode parecer). Como a matéria prima desse tipo de indústria não é o petróleo, seria possível por exemplo existir um sistema de produção mais distribuído, como acontece hoje com as microcervejarias regionais: a manufatura acontece em muitas fábricas de pequena escala, usando fontes locais de material para servir de alimento para os microrganismos.

            Nesse futuro muito próximo, a riqueza da biodiversidade é o código de DNA. É como se todo organismo, seja ele microscópico ou gigantesco como um Jatobá, fosse uma máquina biotecnológica que a própria natureza produziu, com “programas” para fabricação de tudo o que o organismo é capaz de fazer. Bastaria então fazer o “download” desse programa, estudá-lo, e fazer “upload” dele em espécies de microrganismos industriais.

            O jeito que a indústria química fabrica produtos hoje em dia é baseado em “rotas de síntese”. Ou seja, para se chegar em uma molécula, é preciso planejar todas as reações químicas, que devem acontecer do jeito certo, para no final se ter em grande quantidade o produto que se deseja. E essas rotas não surgem “do nada”, são resultados de anos de pesquisa teórica e prática; uma criação verdadeiramente humana. A visão da “bioindústria” química do futuro aproveitaria as “rotas” programadas nos “softwares” da Natureza. Dentro desse imaginário, a riqueza da biodiversidade está em descobrir novas rotas “prontas” inclusive para moléculas químicas que já existem. Daí a importância da “domesticação” de novas espécies para uso industrial. Hoje por enquanto é possível se contar com os dedos de apenas uma mão a quantidade de espécies que são mais usadas para bioprodução industrial – e sim, a levedura S. cerevisiae sugerida por Asimov está entre elas. Quantas espécies de microrganismos ainda não conhecidos pela ciência podem existir em uma grama de solo amazônico, por exemplo? Enquanto engenheiros biológicos se esforçam para pressionar essas poucas espécies a produzir mais “bioproduto”, podem haver centenas de espécies que, se exploradas geneticamente, poderiam produzir muito mais e muito mais facilmente do que a melhor cepa que já se conseguiu construir.

            É claro que ainda existe toda uma indústria química para se “biotecnologizar”, mas já é um grande feito ter as principais commodities químicas sendo bioproduzidas e comercializadas de maneira competitiva com a indústria petroquímica. Isso mostra o peso dos imaginários sociotecnológicos que criamos: mesmo com grandes desafios a serem resolvidos, as consequências políticas e sociais dessas expectativas atraíram e atraem investimento suficiente para tornar real aquilo que a pouco tempo atrás era mera ficção científica. Esse imaginário de uma biotecnologia futurista já tem até organização política representativa no Brasil: a “frente parlamentar da bioeconomia”, que defende os interesses das bioindústrias emergentes, em articulação com o agronegócio.

            Asimov com certeza sabia que uma posição visionária precisa de expectativas familiares o suficiente para produzir um futuro reconhecível. A série “Black Mirror” (se você não conhece, fica a dica!) usa essa mesma receita. Se essas expectativas forem muito diferentes da experiência coletiva ninguém a levará a sério, e talvez seja por isso que as histórias de Asimov parecem envelhecer pouco com o passar das décadas: elas se baseiam em imaginários sociais sólidos que existem até hoje, e que são provavelmente tão importantes quanto as próprias tecnologias para dar forma ao futuro. 

           E aí, já imaginou? É assim que o futuro começa.

Referências

  • National Academies Press (2015).
    Industrialization of Biology: A Roadmap to Accelerate the Advanced Manufacturing of Chemicals
    Report of National Research Council of the National Academies Epub ISBN: 0-309-31655-3
  • ASIMOV, Isaac. The caves of steel. 1954. New York: Spectra, 1991.
  • HILGARTNER, Stephen; MILLER, Clark; HAGENDIJK, Rob (Ed.). Science and democracy: making knowledge and making power in the biosciences and beyond. Routledge, 2015.
  • https://www.camara.leg.br/noticias/560651-camara-lanca-frente-parlamentar-mista-da-bioeconomia/

Competições de Biotecnologia e os novos Rituais de um Fazer Ciência Marginal

Vários meses treinando. Às vezes anos. Tudo pra chegar nas Olimpíadas e ganhar um pedaço de metal que nem de longe paga o custo e esforço para chegar até ali naquele momento. A pessoa toda abandonada, sem dinheiro, sem apoio  – aquela que vira o alvo preferido doa jornalistas quando ganha alguma coisa – faz tudo isso só por causa dessas benditas medalhas. Pra que todo esse esforço, não é mesmo?

Rio 2016 - Judô

Mas vá lá e pergunte pro Diego Hypólito se ele pararia com isso. Ou se a Rafaela Silva desistiria do judô. Até mesmo quem só assiste tudo de longe consegue sentir o quão aquilo tudo é emocionante – a não ser que você tenha o coração de pedra, aí você não vai sentir nada mesmo. A questão é que essas pessoas e as competições que elas vivem são reflexos de coisas muito mais antigas que as próprias Olimpíadas: os rituais do caminho do herói; do caminho do indivíduo efêmero na Terra. Em um dos seus livros mais famosos (O Herói de Mil Faces), o mitólogo Joseph Campbell aponta como os rituais são importantes no caminho do “herói”. Essa figura é presente em vários contos, histórias e mitos de diversas culturas de diversas épocas e lugares do mundo, é no fundo uma tradução cultural de coisas inexoráveis na vida de todos: nascimento, morte, crescimento, separação, dúvida, medo, sexo… Os rituais seriam então muito importantes no desenvolvimento da percepção e verdadeira vivência das diferentes fases da vida. Nós precisamos de rituais para viver, somos o herói que precisa fazer suas passagens e travessias para salvar o mundo e a si mesmo. A ausência de rituais geraria portanto uma estagnação, um sentimento de que as coisas não acabaram quando deveriam – por isso, à grosso modo, velamos nossos mortos, mudamos de corte de cabelo, arrumamos a casa, mudamos de endereço. Segundo Campbell, na nossa sociedade contemporânea esses rituais tornam-se mais ausentes e a falta deles é o que contribui para o desenvolvimento de transtornos da mente. Então, de certo modo, vivenciamos esse rituais como podemos. As competições, sejam elas quais forem, são perfeitas para isso.

theherowithathousandfaces

Capa da primeira edição do “O Herói de Mil Faces”

O Fazer científico talvez seja um conjunto de rituais muito mais explícito que a maioria dos esportes. A situação pelo menos é a mesma: pouco dinheiro, pouco apoio, falta de compreensão, reconhecimento como objetivo principal de carreira… A carreira científica inclusive é uma competição (para muitos). Os ritos são aliás muito mais frequentes e explícitos; pense na expressão “iniciação científica”, nas roupas cerimoniais de formatura, nos chapéus engraçados, nas cabeças raspadas, “prova”, “defesa” de tese, na maneira como são dadas as palavras e proferidos os juramentos – finja que você não sabe o que é a academia e tudo vai parecer uma seita muito bizarra. E tudo isso fica inclusive marcado em todo processo científico, como por exemplo, a quem é permitido (ou esperado) fazer determinados tipos de questionamentos, a quem pertence a fala, as decisões – tudo passa por um ritual de validação que transforma o “herói” para capacitá-lo a “ser”. Pelas ideias de Campbell, a academia seria excelente para preencher o vazio de rituais de passagem no nosso mundo contemporâneo. Só que não. Não é isso que acontece. Essa seita bizarra está mais para uma… uma gangue de drogas, dizem alguns. A forma não está mais junta de significado, não há herói nem transformação modificadora de verdade nesses rituais. A não ser no aspecto menos formal (e um tanto negligenciado) da universidade: a extensão.

Desde 2012 o Clube de Biologia Sintética da USP é o projeto de extensão brasileiro que mais gerou equipes para a competição internacional de máquinas geneticamente modificadas, o iGEM. Assim como o Diego Hypólito ou a Rafaela Silva, um monte de pessoas vieram e vêm participar do Clube de Biologia Sintética e vivenciam, talvez da maneira mais intensa que se pode, a jornada ritualística do herói dentro do caminho da ciência que os empolgam: a biotecnologia. Essa terça-feira foi o último dia para documentar todo o trabalho feito pelos times brasileiros da USP de Lorena, USP de São Paulo e pela Federal do Amazonas em suas wikis, e é época perfeita para se olhar para trás e se perguntar o que tudo isso significa – já que semana que vem todos estão embarcando para os EUA. Depois de participar de três iGEMs e um BIOMOD posso dizer que o significado de fazer isso tudo é exatamente por TER significado, coisa que os antigos rituais acadêmicos já não fazem mais – novos e “verdadeiros” rituais são uma necessidade para seguir em frente. Pensar o próprio projeto coletivamente e interdisciplinarmente “do zero”, buscar apoio, financiamento e espaço; protagonismo, autonomia, trabalhar em equipe, organizar experimentos, resolver problemas experimentais inesperados, fazer a wiki, barganhar interesses, colaborar com outras equipes, viajar para Boston e ainda publicar os projetos em revistas científicas! Todas essas provações e rituais também refletem novas formas de se fazer ciência, questionando a quem pertence a capacidade de fazer perguntas, a quem deveria pertencer o poder de respondê-las e quais são as perguntas podem/deveriam ser feitas – não é à toa que o movimento “DIYbio” ou biohacking e iniciativas de ciência cidadã ganharam mais força em boa parte à partir de grupos ex-iGEMers (o Clube de Synbio é um exemplo vivo disso).

As minas do synbio extraindo uns DNAs, checando uns protocolos e conversando sobre technoporn no Garoa Hacker Clube.

As minas do synbio extraindo uns DNAs, checando uns protocolos e conversando sobre technoporn no Garoa Hacker Clube.

Mas a  ainda talvez demore alguns anos para a biotecnologia, que existe a décadas, deixar de ser encarada como coisa de ficção científica, não pertencida à pessoas. Enquanto isso o que está em disputa são diferentes formas de se fazer biotecnologia, cada uma com sua dialética própria e diferentes níveis de consciência política. Mas quem sabe um dia, quando uma bactéria fluorescente não for mais mágica do que um mini computador de bolso (vulgo celular), equipes do iGEM não precisem mais passar tão batidas depois de tanto ralar para se fazer projetos de biotecnologia “marginais” na academia – e que conseguir apoio para esses projetos não precise mais ser “parte do mérito”, como uma drama olímpico forçado do atleta que sofreu provações (vendendo miçangas, por exemplo) antes do pódio. Até lá, seguimos tumultuando tudo, passando batido e sendo uns mlks muito liso.

Os verdadeiros revolucionários

Ninguém duvida que Apple, Tesla e Google sejam sinônimos de inovação e tecnologia. E que seu sucesso está diretamente ligado a mentes brilhantes como Steve Jobs e Elon Musk, visionários de primeira hora. Mas os investimentos necessários para desenvolver a tecnologia que está presente num iPhone ou num Tesla com certeza espantaria a maior parte dos investidores do mercado, impacientes e ávidos por lucros no espaço de tempo mais curto possível.

Pouca gente sabe que foi o dinheiro do contribuinte americano ao longo de décadas que ajudou estas empresas a serem o sucesso que são e forneceu as bases para o surgimento dos produtos revolucionários de algumas das empresas mais inovadoras do mundo. Essa é a ideia defendida pela economista Mariana Mazzucato no seu livro “O Estado Empreendedor”.

Apesar das críticas, às vezes merecidas, de serem estruturas pesadas e burocráticas, as agências do governo americano financiaram pesquisas que trouxeram para a indústria de consumo a tela touch screen, o display de cristal liquido, o SIRI e ajudaram Steve Jobs a fazer da sua empresa a marca icônica que ela é.

apple

Mas não são apenas as agência de defesa que produzem inovações. A partir de 1983 as empresas de biotecnologia se beneficiaram de um belo empurrão dado pelo Governo. Naquele ano foi aprovado nos Estados Unidos o Orphan Drug Act, decreto que fornece incentivos fiscais e subsídios de P&D para o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças raras (doenças que afetam menos de 200 000 pessoas). Sem este apoio eles praticamente não existiriam. Esta iniciativa foi fundamental para o crescimento de empresas como Amgen, Genentech e Genzyme. Hoje os medicamentos para doenças raras são responsáveis por mais de 70% da receita das principais empresas de biotecnologia.

Os produtos inovadores dependem fundamentalmente dos investimentos em pesquisa de base. Se quisermos saber o que o futuro nos reserva, temos que olhar o que está sendo feito hoje neste campo, um exemplo é a biologia sintética. Entre 2008 e 2014 as agências governamentais americanas já investiram quase 1 bilhão de dólares em pesquisas nessa área. O MIT-Broad Foundry é um dos institutos apoiados com recursos da agência de defesa DARPA e, de acordo com Ben Gordon, diretor do Foundry, ele tem o objetivo de trazer soluções para a saúde, a agricultura e a química que são desafiadoras demais para a indústria e para a academia.

Synthetic-Biology

Aqui no Brasil, além da pesquisa básica, o Governo tem investido em pesquisas na indústria e na criação de empresas de base tecnológica como forma de aproveitar as pesquisas, as patentes e o conhecimento produzido nas universidades. Entre as agências de fomento está a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), que por meio do Plano Inova Empresa apoia a inovação em setores que o Governo Federal considera estratégicos. Lançado em 2013, é o projeto mais ambicioso de inovação que o país já teve. Uma verdadeira revolução. Ele conta com R$ 32,9 bilhões que serão destinados a áreas como energia, nanotecnologia e biotecnologia nos próximos anos.

Uma das instituições que receberam recursos do FINEP foi a Embrapa Agroenergia. Em um prédio com 10.000 m2 no Distrito Federal, a instituição trabalha para produzir um futuro sustentável para o planeta e para a economia brasileira. Mais de 50 projetos estão em desenvolvimento, entre eles a pesquisa em processos de conversão da biomassa em bioenergia, biomateriais e químicos renováveis de alto valor agregado. Mas nem sempre os recursos públicos são bem aplicados. O programa Ciência sem Fronteiras é um desses casos. Com mais de 100.000 bolsas, a maior parte delas para alunos de graduação, o programa investe na formação de pessoal altamente qualificado, colocando estudantes e pesquisadores em instituições de excelência no exterior e atraindo jovens talentos para trabalhar no Brasil. Apesar de proporcionar a vivência internacional aos alunos, a iniciativa falha pela falta de um acompanhamento rigoroso das disciplinas e atividades desenvolvidas por eles no exterior. Isso nunca poderia acontecer num programa onde o custo de um aluno pode chegar a 80.000 reais por ano. Rogerio Meneghini, professor da USP e diretor científico da biblioteca virtual SciELO afirma: “No contexto do desenvolvimento da ciência, a ida desses estudantes de graduação ao exterior não vai fazer qualquer diferença”.

Num momento de dificuldades econômicas como a que enfrentamos hoje e viveremos nos próximos anos, é vital utilizar com mais sabedoria os recursos públicos. Gerenciar e avaliar os resultados ficou mais importante do que nunca. Ter a parceira das empresas privadas é essencial. Resumindo: é fundamental não perdermos essa revolução que o Governo começou.

BioWindows – A Microsoft pode estar reinventado o futuro mais uma vez

Considerado uma das pessoas mais importantes do século pela revista Times, Bill Gates dispensa apresentações. No início do ano, ele retirou mais de um bilhão de dólares investidos na Coca-Cola, McDonalds e Exxon. O motivo? Gates pretende focar em empresas que visam além do lucro também melhorar o futuro da humanidade. A Microsoft também está seguindo essa meta. Nos últimos anos a empresa tem trabalhado para acelerar pesquisas que envolvem desde o aquecimento global até a biologia sintética.

Talvez você não saiba, mas Bill Gates investe em biotecnologia há mais de 25 anos. A primeira empresa em que ele apostou foi a ICOS, um laboratório focado no desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças inflamatórias que mais tarde foi comprado pela farmacêutica Eli Lilly. Mas os investimentos não pararam por aí. A Microsoft tem uma divisão empenhada em solucionar problemas globais por meio da tecnologia, a Microsoft Research. Nesse laboratório são desenvolvidos softwares capazes de acelerar pesquisas em diferentes campos da ciência.

Bill

Na biologia sintética, o design racional de células que desempenhem comportamentos previsíveis permanece um desafio para os pesquisadores, e é nisso que uma das pesquisas da empresa está focando. A Microsoft Research vem trabalhando há mais de dez anos para criar softwares e linguagens de programação que permitam ao pesquisador selecionar tudo aquilo que ele deseja que uma célula sintética execute, sem precisar se preocupar com todas as possíveis combinações de genes e sequências regulatórias disponíveis. A partir dessas informações, o software forneceria as melhores sequências de DNA para que a célula realize tal função, economizando tempo e dinheiro.

Os pesquisadores da empresa desejam que tais programas sejam fáceis de usar, atingindo assim um maior número de usuários possíveis.

MSR

Em mais de uma ocasião, Bill Gates comentou que se fosse adolescente nos dias de hoje teria optado por estudar biologia e genética. Em 2012, a receita doméstica de produtos geneticamente modificados nos Estados Unidos foi de U$ 350 bilhões, valor que tem crescido 15% ao ano. Para efeito de comparação, é o equivalente a quase 10% do PIB do Brasil no mesmo período. De acordo com Stephen Emmott, responsável pela ciência computacional da empresa, a Microsoft quer fazer para os softwares de modelagem aquilo que ela fez para os softwares de negócios Excel e Word. Isso mostra que ela pode estar reinventando o futuro mais uma vez.

Cientista coreano conhecido por ressuscitar cachorros tem agora novo desafio

Essa semana o caso do dentista americano acusado de atrair um leão para fora do parque nacional de Zimbábue e matá-lo ganhou bastante repercussão na mídia, principalmente por se tratar de um leão conhecido e monitorado por GPS. Ele se chamava Cecil, e também foi decapitado. O dentista que pagou 50 mil dólares para localizar e matar o animal, continua foragido, assim como inúmeros outros caçadores, que segundo a World Wildlife Fund (WWF), são grandes responsáveis por reduzir o número de animais vertebrados (mamíferos, aves, peixes e etc.) pela metade nos últimos 40 anos. Por isso alguns pesquisadores planejam ressuscitar diversas espécies. Um desses pesquisadores é Hwang Hoo-Suk, que está confiante em fazer um mamute andar na Terra novamente.

leao

O laboratório SOOAM biotech, na Coréia do Sul, é famoso por clonar cachorros por 100 mil dólares, e agora eles planejam ressuscitar os mamutes. Com o derretimento do permafrost, milhares de mamutes estão aparecendo na Sibéria, e muitos deles em excelente estado de conservação, suficiente para alguns já terem até provado a carne de mamutes congelados há mais de 10 mil anos. A carne de mamute é tão comum por lá, que também é usada como isca por caçadores de raposas. O desafio agora é encontrar células que estejam intactas e com DNA viável, pois até agora apenas DNA fragmentado foi encontrado. Caso se consiga isto, o mamute seria clonado usando a mesma técnica utilizada para clonar a ovelha Dolly. Mas essa certamente não será uma tarefa fácil.

mamute

Em 2003, cientistas na Espanha ressuscitaram o bucardo, uma cabra dos Pirineus que foi caçada extensivamente e dada como extinta no ano 2000. Utilizando células que haviam sido preservadas, os pesquisadores transferiram o núcleo intacto para um óvulo de cabra, originando 208 embriões. Dos 208 embriões implantados, apenas uma gestação teve sucesso, e em 2003, nasceu o primeiro animal fruto da “desextinção”. Os pesquisadores na Coréia do Sul planejam fazer algo parecido, porém usando os óvulos e a barriga de aluguel de uma elefanta.

Após anos de trabalho, milhares de dólares investidos e 208 embriões, o bucardo sobreviveu por apenas sete minutos. Como o pesquisador George Church coloca em seu livro, “Regenesis“, sete minutos pode parecer pouco, mas basta lembrar que o primeiro voo dos irmãos Wright durou 12 segundos. Sessenta e seis anos depois, o homem pisou na Lua. Mesmo que a “desextinção” se torne viável, a melhor alternativa por muito tempo continuará sendo a preservação do meio ambiente.

Assista ao documentário (com legenda!).

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=xmlpSOHc5A4″]

 

Cabras™, porcos™, peixes™ e muito mais com marca registrada

Você pode não saber, mas o Brasil já é o segundo maior produtor de transgênicos do mundo, ficando atrás apenas do Estados Unidos. Até agora as alterações genéticas em escala comercial estiveram restritas apenas às plantas, com destaque para a soja e o milho. Mas não são apenas novos vegetais que os pesquisadores desejam colocar no mercado, animais geneticamente modificados aguardam aprovação para serem comercializados enquanto outros ainda passam por diversos testes. Confira cinco pesquisas que podem oferecer imensas vantagens para os consumidores, os produtores e até para o meio ambiente.

EnviropigTM

Com quase um bilhão de porcos no mundo, uma grande preocupação que se tem é o destino dos dejetos ricos em fósforo e nitrogênio. O EnviropigTM criado na Universidade de Guelph, no Canadá, foi concebido para ser um porco eco-friendly.

Grande parte do fósforo presente nos grãos e sementes que compõem a alimentação dos porcos estão na forma de fitato, um composto que eles não conseguem digerir e portanto são excretados. Para contornar esse problema, foi introduzido em seu genoma o gene da enzima fitase, o que torna possível aos porcos a digestão e absorção do fósforo desses alimentos. Dessa forma, o Enviropig excreta até 70% menos fósforo nas fezes.

Sem 2

A pesquisa começou em 1995 e já recebeu patentes nos EUA e China, mas ainda não foi aprovado para consumo.

 

AquAdvantage®

O salmão AquAdvantage® deve ser o primeiro animal transgênico a ser aprovado para consumo pela Food and Drug Administration (FDA). Ele é igual ao salmão do atlântico em tamanho, aparência e gosto, exceto pelo fato de ter em seu genoma o gene de hormônio do crescimento do salmão do pacífico e DNA do peixe-carneiro americano.

Sem título

Essas alterações permitem que o salmão da empresa AquaBounty Technologies cresça duas vezes mais rápido que o salmão selvagem e consuma 25% menos alimento durante sua vida. Os peixes são estéreis e criados apenas em cativeiro. A pesquisa teve início em 1989 e, embora tenha-se concluído que o salmão não apresente riscos, ele ainda está em revisão pela FDA.

 

Porcos ricos em ômega-3

O consumo de alimentos ricos em omega-3 é recomendado por possuir poder anti-inflamatório e reduzir os riscos de doenças cardiovasculares. No entanto, nem todos os seres humanos têm acesso a esse tipo de alimento presente em grande quantidade nos peixes marinhos. Para oferecer uma carne alternativa ao peixe, rica em ômega-3, a solução até agora era alimentar os animais com linhaça, peixes e outros produtos marinhos, o que altera as características sensoriais da carne.

bacon

Para conseguir uma carne rica em ômega-3 sem alterar a alimentação dos animais, pesquisadores nos Estados Unidos criaram porcos com o gene fat-1 do verme Caenorhabditis elegans. O gene fat-1 permite que os porcos consigam converter ômega-6 em ômega-3. A pesquisa foi publicada na revista Nature Biotechnology mas ainda não há previsão de comercialização.

 

Cabras Transgênicas

A diarréia é responsável pela morte de mais de meio milhão de crianças todos os anos. Uma pesquisa que teve início em 1999 na Universidade da Califórnia – Davis (UCD), tem como objetivo obter um leite com poder anti-microbiano produzido com cabras que receberam o gene humano da enzima lisozima, proteína abundante no leite materno.

download

A pesquisa que começou nos Estados Unidos agora é feita em parceria com a Universidade do Ceará. O leite produzido pelas cabras transgênicas já mostrou efeitos terapêuticos em porcos, animais que têm um sistema digestivo parecido com o nosso. Os próximos passos serão os testes clínicos em humanos.

 

Porcos “editados”

Utilizando ferramentas de edição de genoma (Zinc Finger Nucleases – ZFNs e Transcription Activator-Like Effector Nucleases – TALENs), pesquisadores do Instituto Roslin, no Reino Unido, criaram porcos resistentes ao virus da febre suína Africana, capaz de matar os porcos europeus em menos de 24 horas.

Para tornar os porcos europeus resistentes foi necessário que uma única letra no genoma fosse alterada. A alteração foi feita com base no porco selvagem africano que é resistente ao virus, porém incapaz de cruzar com o porco europeu.

Os testes com os porcos devem começar esse ano e se tiverem sucesso serão submetidos à aprovação pela FDA.

 

pig

 

Capazes de causar menor impacto ambiental, resistir a doenças e serem mais saudáveis, os animais geneticamente modificados podem ter um importante papel na alimentação da população mundial, que deve atingir 9 bilhões em 2050. Mesmo ainda enfrentando a oposição de ativistas, muitos pesquisadores acreditam que os animais modificados por ferramentas de edição de genoma devem ter sua aprovação acelerada pelas agências reguladoras. Caso isso aconteça, o Brasil não será apenas um dos maiores produtores de plantas™ geneticamente modificadas, mas também de animais™.

5 empresas que estão utilizando a biotecnologia para mudar o mundo

Todos os dias, mais de 90 milhões de barris de petróleo são produzidos e mesmo assim este número continua a crescer. O  consumo deve chegar próximo de 100 milhões em 2020. A queima e o refino do petróleo são grandes responsáveis pela poluição, o aquecimento global e danos à saúde. Felizmente muitas empresas estão buscando alternativas renováveis e aqui vão 5 exemplos.

DuPont

A mais velha da lista, a DuPont utiliza microrganismos e açúcar de milho para produzir produtos renováveis de diferentes finalidades, desde vestuário até móveis. Um desses produtos, o Sorona® EP, é um plástico termo resistente atualmente empregado no Toyota Prius.

Toyota Prius Alpha

 

LanzaTech

Fundada em 2005 e com sede nos EUA, a LanzaTech emprega arqueobactérias que são capazes de transformar a poluição em produtos renováveis, como combustíveis, nylon e borracha.

LanzaTech

Gases poluentes ricos em carbono provenientes da indústria, como a siderúrgica, vão para um bioreator, onde os microrganismos fermentadores se encarregam de tranformá-los em etanol e outras moléculas que são utilizadas para produzir plástico, fibras sintéticas e borracha. O etanol da LanzaTech não depende de fontes de alimentos e terras aráveis, como o álcool obtido a partir do milho ou da cana-de-açúcar. Com apenas 10 anos, a empresa já possui 85 patentes e outras 250 pendentes. A primeira fábrica em escala comercial começa a operar ainda esse ano na China, e a companhia aérea Virgin Atlantic deve ser a primeira a voar com o combustível.

 

Sapphire Energy

Fundada em 2007, e com três plantas na Califórnia e Novo México, a Sapphire Energy é a primeira e única empresa no mundo a utilizar algas para produzir petróleo. Seu petróleo renovável recebeu o nome de Green Crude, e não depende de água potável nem de terras aráveis. As algas capturam dióxido de carbono durante processo, o que faz o Green Crude neutro em emissões de CO2. Com investidores como Bill Gates, a família Rockfeller e a Monsanto, a empresa espera que ele seja competitivo com o petróleo fóssil já em 2018.

Sapphire

 

NatureWorks

Em média, cada pessoa no mundo irá consumir 45 kg de plástico em 2015, e apenas uma parte disso será reciclado. De olho neste mercado, a NatureWorks criou o Ingeo™, um plástico revolucionário.

Bioserine

Sua fábrica nos EUA utiliza o açúcar proveniente de plantas e leveduras para produzir ácido lático, o responsável por formar o plástico PLA (ácido polilático). Ele é capaz de substituir o PET e o PS, presentes em garrafas, talheres descartáveis e eletrônicos. Ao contrário do plástico derivado do petróleo, ele é facilmente reciclado e gera 60% menos gases do efeito estufa.

 

Amyris

Criada em 2003 e com cerca de 400 funcionários, a empresa americana emprega biologia sintética para produzir produtos químicos renováveis utilizados em cosméticos, fragrâncias, combustíveis e medicamentos.

Com apoio da fundação Bill & Melinda Gates, a Amyris desenvolveu uma levedura capaz de criar um precursor da artemisinina, o medicamente utilizado no tratamento da malária, doença que mata todos os anos mais de meio milhão de pessoas. Em 2013, a empresa farmacêutica Sanofi iniciou a produção da artemisinina utilizando essa tecnologia.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, o combustível da empresa, o Diesel de Cana™, é utilizado diariamente por cerca de 400 ônibus. Em 2014, a GOL fez o primeiro vôo comercial com uma mistura contendo 10% de combustível renovável.

amyris (2)

 

A Revista The Economist do mês passado apontou a biotecnologia como um dos campos que mais poderão contribuir para a evolução humana no futuro. Pelo jeito algumas empresas já saíram na frente.

 

 

Biotecnologia sem fronteiras: o monopólio da inovação está com seus dias contados

O baixo custo dos computadores, a lei de Moore ainda em vigor e o acesso à internet democratizaram os meios de produção, distribuição e educação. Hoje não somos apenas consumidores passivos, mas também produtores ativos. E na ciência, não é diferente. Vivemos a era “Pro-Am”, em que amadores dedicados, inovadores e conectados trabalham como profissionais, uma realidade na astronomia, na ciência da computação, e agora da biotecnologia. Basta um computador, conexão com a internet e um cartão de crédito para encomendar DNA e testar algumas das mais novas técnicas de clonagem e edição de genoma, até então só acessível a universidades e grandes empresas.

Em 1987, a luz de uma estrela, que explodiu há 168.000 anos chegou a Terra. Foi então que astronômos 1amadores junto com profissionais, confirmaram a teoria do que ocorre quando uma estrela explode, uma das maiores descobertas da astronomia do século XX. Hoje muito mais gente participa da ciência que até então dependia de equipamentos sofisticados e caros. Uma dessas tecnologias, foi disponibilizada por John Dobson, responsável por criar um poderoso telescópio usando materias de segunda-mão. Dobson se recusou a lucrar com sua invenção, a qual nunca patenteou. Essa democratização chegou à biologia com o movimento Do-it-yourself Biology (DIYbio) em 2008, em que profissionais e amadores desenvolvem projetos em laboratórios comunitários, constroem equipamentos por uma fração do preço e aproximam a comunidade da discussão sobre organismos geneticamente modificados.

Em um desses laboratórios comunitários, o BioCurious, na Califórnia, são desenvolvidos projetos que envolvem a recente ferramenta de edição de genoma CRISPR, uma bioimpressora capaz de “imprimir” células de E. coli, e um projeto do iGEM para a produção de queijo “vegan”, com proteínas do leite produzidas por leveduras, e não vacas.

Sequenciamento e Síntese de DNA – Preço por base

Atualmente é possível comprar ou montar os próprios equipamentos, como o OpenPCR, um termociclador usado para amplificar DNA, a centrífuga OpenFuge e o robô  OpenTrons, que permite automatizar seu trabalho de bancada. Em breve, o MiniION™ será realidade, um sequenciador portátil e descartável que pode analisar sua amostra, seja ela de um microrganismo ou sangue, em qualquer lugar do mundo, sem precisar de milhares de doláres em equipamentos ou treinamento. Além de aparelhos mais acessíveis, o preço de síntese por base de DNA (A, T, C, G) já custa apenas alguns centavos e tem caido ano após ano. No futuro, nada impede que etapas custosas de um projeto sejam terceirizadas, ocupando a capacidade ociosa de laboratórios ou serem realizadas por empresas prestadoras de serviços, como já acontece com a síntese e o sequenciamento de DNA na China.

Projetos como esses vão reduzir o custo de se buscar o novo, trazendo soluções acessíveis para a saúde, alimentação e preservação do meio ambiente, quebrando o atual monopólio da inovação presente apenas nas grandes instituições como empresas e universidades. Como em toda abertura democrática, espera-se que muito mais gente se beneficie deste passo da ciência: a biotecnologia sem fronteiras.

 

Confira a iniciativa acontecendo em Sâo Paulo – http://synbiobrasil.org/st/diy/

 

Referências:

The Pro-Am Revolution – How enthusiasts are changing our economy and society – Charles Leadbeater and Paul Miller

Time for new DNA synthesis and sequencing cost curves – Rob Carlson

 

Produção em massa, o jeito chinês de fazer ciência

Depois de 35 anos de impressionante desenvolvimento, a China começa a ser reconhecida não apenas pela sua capacidade de produzir e exportar produtos de baixo custo mas também com alta tecnologia. E não são apenas bens materiais que ela anda produzido em massa, mas agora o sequenciamento do DNA, por exemplo. É o que alguns já estão chamando de “Bio-Google”. Seguindo a filosofia, “sequenciar tudo aquilo que se mexe”, o Beijing Genomics Institute (BGI) possui 50% da capacidade de sequenciamento do mundo e já leu mais de 50.000 genomas nos últimos anos.

O BGI fica localizado em uma antiga fábrica de sapatos em Shenzhen, o Vale do Silício chinês, BGI 2e participa de projetos que vão desde sequenciar uma bactéria até a busca por genes ligados à inteligência. Muitos dos estudos são conduzidos por pesquisadores de todas as partes do mundo, e o BGI oferece preços baixos e até de graça para aqueles que compartilham seus resultados.

Um desses projetos, chamado 3M, planeja sequenciar 3 milhões de genomas, sendo 1 milhão de plantas e animais, 1 milhão de humanos e 1 milhão de microrganismos. O Instituto participa de outras iniciativas como o controverso sequenciamento de 2000 pessoas com QI elevado para desvendar genes que influenciam na inteligência. Há também o sequenciamento de 10.000 pessoas com autismo, o de 2.000 pessoas obesas e o de 2.000 magras. Além disso, também possui uma parceria com a fundação Bill e Melinda Gates para o desenvolvimento da agricultura e saúde em países subdesenvolvidos. Trabalhando em projetos como esses, o BGI já colaborou em mais de mil publicações em revistas de alto impacto como Nature, Science e Cell.

O Instituto está chamando a atenção do mundo pelo volume de dados que estão sendo produzidos. Segundo Lincoln Stein, pesquisador do Ontario Institute for Cancer Research, a questão agora não é mais o quão próximo estamos de um sequenciamento do genoma que custe U$1.000, mas sim, de uma análise do genoma a U$100.000. Outro desafio é o armazenamento de tudo isso, já que 6 terabytes de dados são produzidos por dia.

Zhang Yong, um dos pesquisador do BGI, acredita que na próxima década o Instituto será capaz de organizar toda essa informação biológica em uma espécie de “Bio-Google”.

BGI 1

Muitos achavam que o BGI estava apenas prestando um serviço, quando em 2013 ele adquiriu um fabricante de equipamentos e software para sequenciamento localizado na Califórnia, a Complete Genomics, e isso já está tirando o sono de muita gente. Agora a pesquisa pode se tornar ainda mais barata, já que equipamentos e reagentes representam grande parte do orçamento.

Enquanto isso no Brasil, a falta de planejamento de médio e longo prazo, a dificuldade em reter pessoas qualificadas, a ausência de uma cultura empreendedora que estimule a criação de empresas que sirvam de sustentação à pesquisa, nos deixa cada dia ainda mais distante dos centros de vanguarda. E isso apenas contribui para elevar nosso custo em P&D, além de nos tornar reféns de equipamentos e reagentes importados, notadamente agora com o dólar passando a barreira dos R$3,00. Talvez em breve nossas amostras sejam analisadas por um equipamento chinês em Los Angeles, Istambul, Shenzhen, ou então, numa facility chinesa ao lado da sua casa.

 

Mais um acidente a favor do pesquisador

Em 1986, o pesquisador Richard Jorgensen estava trabalhando com petúnias quando aconteceu um acidente. Jorgensen desejava criar uma petúnia roxa, porém muito mais roxa do que o normal. Para alterar a cor, ele procurou super-expressar a enzima chalcona-sintase (CHS) introduzindo um gene quimérico de CHS, uma enzima limitante da via responsável pela coloração das flores [1]. Mas a alteração genética realizada teve um resultado totalmente inesperado e grande parte das pétalas se tornaram brancas e não roxo escuro como ele desejava.

O mistério só foi desvendado em 1998 e conferiu o Prêmio Nobel a dois pesquisadores americanos, gerou especulações sobre a cura de dezenas de doenças e mais recentemente se tornou uma nova ferramenta para a biologia sintética. Andrew Fire e Craig Mello descobriram que Jorgensen havia esbarrado no que eles vieram a chamar de RNA de interferência (RNAi), um mecanismo de silenciamento gênico.

O gatilho para o mecanismo de silenciamento gênico por RNAi ocorre quando um RNA de dupla fita (dsRNA) se forma. Ao ser identificado um dsRNA, a enzima Dicer corta o dsRNA em fragmentos menores que se ligam ao complexo protéico RISC (RNA-induced silencing complex). Em seguida, apenas uma das fitas de RNA permanece presa ao complexo, que serve para ir em busca de fitas de mRNA que sejam complementares [2]. Quando um mRNA complementar é detectado, ocorre o pareamento com o RNA preso ao complexo e ele é então clivado e degradado. Como o mRNA não pode ser traduzido, o gene tem sua expressão reduzida (Figura 1). O silenciamento é uma poderosa ferramenta que agora encontrou uma aplicação na biologia sintética, por meio da evolução dirigida.

O sonho da biologia sintética de construir sistemas que funcionem de modo previsível e robusto frequentemente entra em conflito com a complexidade dos sistemas biológicos. Além de sua complexidade, o comportamento dos microrganismos dependem de um contexto, o que também dificulta o uso de partes padronizadas [3]. Logo, métodos de evolução dirigida possuem grande utilidade, já que em princípio dispensam informações detalhadas de estrutura, funcionalidade e de mecanismos de um sistema [4].

 

Untitled1

Figura 1: Mecanismo do RNAi – Imagem retirada de: http://pt.wikipedia.org/wiki/RNA_interferente

 

 

Um dos primeiros experimentos sobre evolução realizado em laboratório foi feito por  William Dallinger, em 1880. Dallinger conseguiu que seus microrganismos que cresciam a 18ºC passassem a crescer a 70ºC, no entanto o experimento levou 7 anos e envolveu  aumentar a temperatura de sua incubadora gradualmente até que eles fossem capazes de sobreviver. Hoje existem diversos métodos de evolução dirigida e um pouco menos demorados, entre eles o RAGE – RNAi assisted genome evolution.

RAGE é um método utilizado em Saccharomyces cerevisiae e é bastante útil quando se deseja obter fenótipos complexos. Fenótipos complexos, como a tolerância ao ácido acético, dependem da alteração de múltiplos genes e são de grande interesse para a indústria na produção de combustíveis e outros compostos químicos. O uso dessa técnica reduz a expressão de genes (knockdown) em escala genômica e possibilita identificar genes que até então não se imaginava terem papel em determinadas funções.

Para que tais genes possam ser identificados, é necessário criar uma biblioteca de RNAi. A biblioteca é criada fragmentando o DNA genômico com uma enzima de restrição e clonando os fragmentos em um plasmídeo com promotores convergentes, necessário para que RNAs de fita dupla sejam formados. Como S. cerevisiae não possui a via de RNAi, também é necessário inseri-la [6].

Via inserida e biblioteca criada o processo de evolução pode começar. Quando o knockdown de um gene for promissor, tal gene pode ser integrado e novos ciclos de transformação e screening podem ser feitos repetidamente (Figura 2), até que seu objetivo seja alcançado, ou pelo menos, chegue próximo dele.

 

Untitled

Figura 2: Evolução dirigida pelo método RAGE – Imagem retirada de: http://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/sb500074a

 

Em 2006, Fire e Melo ganharam o Prêmio Nobel em fisiologia ou medicina por desvendarem o fenômeno observado por Jorgensen. Muitas descobertas acidentais fazem parte da história da ciência, como a penicilina, o raio X e o microondas, por exemplo. O método de evolução dirigida utilizando RNAi pode também em breve facilitar a vida de muitos pesquisadores que buscam aprimorar seus microrganismos.

 

 

Referências

  1. NAPOLI, C.; LEMIEUX C.; JORGENSEN R. lntroduction of a Chimeric Chalcone Synthase Gene into Petunia Results in Reversible Co-Suppression of Homologous Genes in trans. The Plant Cell, Vol. 2, p. 279-289.
  1. CLARK D. P. Molecular Biology. Vol. 2, chapter 11 (2010)
  1. DOUGHERTY, M. J.; ARNOLD, F. H. Directed evolution: new parts and optimized function. Current Opinion in Biotechnology, 2009, 20:1–6
  1. COBB, R. E; SUN,N.; ZHAO H. Directed evolution as a powerful synthetic biology tool. Methods (2012)
  1. SI, T.; LUOZ, Y.; BAO, Z.; ZHAO, H. RNAi-Assisted Genome Evolution in Saccharomyces cerevisiae for Complex Phenotype Engineering. ACS Synth. Biol. (2014)