Espetáculo da ciência

We’ve arranged a global civilization in which most crucial elements profoundly depend on science and technology. We have also arranged things so that almost no one understands science and technology. This is a prescription for disaster. We might get away with it for a while, but sooner or later this combustible mixture of ignorance and power is going to blow up in our faces.”

(Carl Sagan, The Demon-Haunted World: Science as a Candle in the Dark )

[youtube_sc url=”http://youtu.be/cP2VhadII84″ title=”A%20ciência%20como%20uma%20enigmatica%20caixa%20preta%20que%20ao%20ser%20manipulada%20por%20um%20misterioso%20personagem,%20o%20cientista,%20produz%20inovações%20tecnológicas.”]

Caixa preta é um conceito que designa um sistema cujos detalhes de funcionamento são desconhecidos ou mesmo ignorados. Computadores, micro-ondas, aparelho celulares são alguns dos vários exemplos de objetos que são amplamente usados pela sociedade mas que, em geral, não há uma preocupação maior por parte dos usuários com relação ao seu funcionamento.

Grande parte da população brasileira não tem acesso à educação científica, fazendo com que os avanços tecnológicos que a ciência promove apareçam aos olhos do cidadão sob uma forma não muito diferente de um espetáculo mágico. Tem-se uma sociedade industrializada derivada dos avanços na ciência e tecnologia (sem mais discussões apontarei estas duas como indissociáveis) sentada na platéia de olho apenas para o output de uma caixa preta cuja única razão de ser é a geração de mais aplicações tecnológicas. Já o enigmático e estereotipado personagem que manipula a caixa, o cientista, faz parte de uma pequena porcentagem que detém os saberes do que está por trás do funcionamento da mesma.

Apesar de atualmente haver uma maior mobilização relacionada à divulgação científica no Brasil (como o scienceblogs), maior cobertura em revistas e jornais televisivos e principalmente na internet, o quadro ainda é frágil. A mídia, não raramente, apresenta a ciência como um empreendimento espetacular, realizado por pessoas super-dotadas, gênios que nunca cometem equívocos e que fornecem informações cem por cento confiáveis. Consequência dessa mídia exagerada é uma visão distorcida de como funciona a ciência, exemplo recente (e trágico em todos sentidos) foi o ocorrido com cientistas italianos que foram condenados por não preverem um terremoto. É dado uma grande ênfase as aplicações da ciência mas o processo de sua produção, seu contexto, suas limitações e incertezas são ignorados.

Essa falta de compreensão, reflexão e educação cientifica no entanto não impede que tenhamos uma sociedade aberta à ciência (sim!!), e como vimos bem confiante no saber tecnocientífico que superficialmente lhe é apresentada. Não é incomum, por exemplo, comerciais de televisão usarem dessa confiança no conhecimento cientifico afim de ganhar os clientes, do tipo “está comprovada cientificamente a eficácia do produto…”. Ficamos diante de uma sociedade impaciente, exigente e que aguarda cada vez mais da ciência mas que muitas vezes não consegue filtrar as informações sensacionalistas e contraditórias que lhe são apresentadas (Parece milagre! Novo remédio faz emagrecer 7 a 12 quilos em cinco meses. E sem grandes efeitos colaterais!!).

A sociedade comanda direta e indiretamente o que é produzido e proposto cientificamente. A ciência, que antes tinha somente o papel investigativo e sociologicamente marginal, tornou-se hoje o centro da sociedade humana controlada pelos poderes econômicos, estatais e subjulgada a exigências dessa  sociedade. Portanto, ao mesmo tempo que a ciência possui autoridade e é dominadora, ela também é dominada por essa demanda da sociedade meramente usuária. Isso é perigoso, vamos olhar como exemplo para um cenário particular de interesse aqui do blog; a biologia sintética é hoje uma área onde a sociedade está depositando muito de suas expectativas (e dinheiro). Esta pressão social por inovações pode ser bastante trágica nesta área, uma vez que pequenos bugs num produto biológico pode apresentar consequências drásticas.

O ponto principal a ser pensado aqui é a importância e necessidade que TODOS tenhamos consciência do que estamos criando e para que isto está sendo feito frente ao avanço cientifico e tecnológico. Para os envolvidos diretamente com ciência resta pensar no poder do que produzem, um poder pelo qual muitas vezes pode-se perder o poder. Instala-se a necessidade de uma verdadeira reflexão sobre os caminhos que os cientistas e o conhecimento científico podem seguir para que se tornem mais acessíveis. O avanço na divulgação científica tem que continuar crescendo, no entanto, prezando pela boa qualidade. Para os não envolvidos ansiosos pelas novidades do ano, pelos produtos recém-saídos do forno, embalados e “pronto para consumo” resta tomar uma postura crítica maior com relação a mudanças que afetam diretamente as suas vidas. Abrir caixas pretas é uma tarefa árdua mas o primeiro passo é se dar conta de que existem. Vale a tentativa(!!!) uma vez que o progresso da ciência e por sua vez de toda sociedade depende disso, depende das ideias inovadoras, das discussões, das críticas. Dependemos do conhecimento.

Autoria: Carolina Menezes Silvério e Marcelo Boareto.

Discussão - 1 comentário

  1. Otto Heringer disse:

    Sensacional!
    Até mesmo entre cientistas e engenheiros existe esse mecanismo metal de se considerar coisas uma caixa preta para se entender processos naturais e resolver problemas de engenharia (vide as camadas de abstração usadas na computação, engenharia e biologia sintética).

    O interessante dessa aceitação dos objetos tecnológicos como "caixas pretas" é o que especulam várias obras de ficção científica: se alguma catástrofe ou acidente eliminar a pouquíssima porcentagem da população que sabe como funcionam as "caixas pretas", teremos um mundo de artefatos tecnológicos "mágicos", super valorizados e em contínua extinção (um bom exemplo é o enredo por trás de jogos como FallOut e filmes como "O Livro de Eli").

    Ótimo post Marcelo e Carol!

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