Estratégias para tempos adversos.
Em tempos adversos é comum haver muitas mudanças e isto não acontece somente com os humanos que saem as ruas, fazem guerra ou revolução. Na natureza observamos inúmeras estratégias dos seres vivos para superar tempos difíceis, algumas bastante chocantes do ponto de vista humano, tais como infanticídio ou canibalismo. E no mundo microscópio não é diferente.
Se você pensa que as bactérias morrem pacíficas quando as condições não são favoráveis você está bastante enganado. Até mesmo para estes minúsculos seres unicelulares a vida pode ser complexa e cheias de decisões difíceis e estressantes a serem tomadas. Existem diversas estratégias para lidar com tempos difíceis, tais como escassez de alimentos e danos ao DNA. Uma das estratégias mais radicais e mais utilizadas quando a coisa está realmente feia é formar esporos, uma resposta celular bastante complexa que envolve a ativação de mais de 500 genes ao longo de aproximadamente 10 horas. Este processo termina com a morte da célula mãe e a formação de uma célula filha dormente com a capacidade de resistir a situações extremas como calor, radiação e presença de substancias químicas. Por outro lado, durante este tempo o esporo não pode tirar vantagem imediata de situações favoráveis para se reproduzir.
Esporulação é uma tomada de decisão bastante complexa e que não se inicia simplesmente com a escassez de alimentos, mas é resultado de uma série de passos que podem ser descritas como decisões celulares sobre como lidar com o stress presente. Envolve, por exemplo, uma comunicação entre as bactérias da mesma colonia por um mecanismo chamado de quorum sensing. Além disto, antes da esporulação, comumente as bactérias tentam outras táticas como ativar um flagelo para buscar alimentos, secretar antibióticos e outras substancias na tentativa de destruir outros micróbios competidores. As células também checam uma série de condições internas antes de decidir esporular tais como a integridade do DNA cromossomal.
Mesmo quando a maior parte da colonia decide por esporular, o material gerado pela lise da membranas das células que esporularam são aproveitados por outras células da colonia que, no caminho para esporular, entram no estado chamado de competência, que consiste em abrir poros na membrana para facilitar a entrada de DNA exógeno, que pode ser utilizado para reparo do DNA e eventualmente como fonte de informação genética que as ajudará a resistir ao momento. Há ainda um outro caminho mais radical tomado por algumas células da colônia que consiste em secretar alguns fatores antibacterianos que faz com que células irmãs fiquem incapazes de esporular, causando inclusive a lise de sua membrana, em uma espécie de canibalismo. Interessante notar que, sobre a perspectiva de teoria de jogos, a estratégia de canibalismo seria predominante sobre a estratégia de entrar em competência, o que não é observado. Isto indica que possivelmente as células em competência são imunes ao canibalismo, mas não sabemos ainda se é este o caso.
Modelos teóricos/moleculares para este tipo de tomada de decisões normalmente consistem na integração de módulos gênicos formados principalmente por circuitos regulados por diversos fatores de transcrição e micro RNAs. Estes tipos de sistemas gênicos também desempenham um papel importante no desenvolvimento embrionário e de células cancerígenas, motivo pelo qual tem se dado muita atenção a este tipo de estudo.
Referencias:
Discussão - 3 comentários
[…] num post anterior, que bactérias idênticas em seu DNA podem tomar diferentes decisões quando estão sobre stress […]
[…] num post anterior, que bactérias idênticas em seu DNA podem tomar diferentes decisões quando […]
"Isto indica que possivelmente as células em competência são imunes ao canibalismo, mas não sabemos ainda se é este o caso."
O certo não seria "células competidoras"?