Nosso grito de independência energética ainda está atravessado na garganta
Produzido a partir da cana-de-açúcar e conhecido pelos brasileiros há mais de 30 anos, o etanol foi a resposta nacional para a crise do petróleo e a busca de um combustível mais limpo. Entretanto, para encher o tanque do seu carro, é necessário meia tonelada de cana. E mais: o etanol tem apenas 2/3 da eficiência da gasolina e requer áreas que poderiam ser empregadas para o plantio de alimentos. O Projeto Pró-Álcool, criado na década de 70, parecia ser nosso grito de independência na área de energia automotiva. Mas este grito corre o risco de ficar atravessado na nossa garganta. Em 1975, uma tonelada de cana-de-açúcar era capaz de produzir 65 litros de álcool. Quase quarenta anos depois, este número subiu para apenas 90 litros.
Em 2012, durante o encontro Rio +20, quarenta minivans abastecidas com etanol de segunda geração foram utlizadas no evento. A diferença do etanol de segunda geração é que este pode ser fabricado a partir da celulose, presente em qualquer parte da planta, como bagaço, palha e folhas. Essa nova tecnologia deve aumentar em 40% a produção sem que haja crescimento da área plantada e espera-se que atinja preços competitivos em 2016. Isso é muito importante pois o plantio da cana no Brasil já ocupa 8,1 milhões de hectares, uma área quase do tamanho de Portugal. A expansão desta cultura deslocaria pastos e outras plantações para o interior do país, intensificando o desmatamento, o uso de fertilizantes e o aumento dos preços.
Por isso, diversas empresas, principalmente americanas, estão correndo atrás dos combustíveis conhecidos como “drop in fuels”, assim chamados pois utilizam a mesma infraestrutura de distribuição e armazenamento dos combustiveis fósseis e não exigem alterações no motor. A start-up Joule Unlimited pretende entregar o que eles chamam de Liquid Fuel from the Sun™ usando apenas três ingredientes: luz solar, CO2 e água não potável. Sem ocupar áreas agrícolas, alimentos nem água limpa, a empresa emprega cianobactérias geneticamente modificados para produzir lipídios e carboidratos que podem ser convertidos em etanol, gasolina, diesel e combustível para avião. A Audi está apostando nisso. Ela fez uma parceria com a Joule Unlimited para testar os combustíveis Sunflow™-E (etanol) e Sunflow™-D (diesel) e oferecer um transporte pessoal sem emissão de CO2.
Embora a primeira coisa que venha à mente quando se fala em petróleo seja combustível, ele na verdade está incorporado em muitos dos produtos que usamos no dia-a-dia. Fertilizantes, pesticidas, cimento, plástico, produtos farmacêuticos, roupas sintéticas são apenas alguns itens que dependem dele. Por isso, para a LS9 (Life Sustain 9-Billion), “o melhor substituto do petróleo é o petróleo”. A empresa que tem como co-fundador o cientista George Church está desenvolvendo uma E. coli capaz de produzir hidrocarbonetos sob medida utlizando uma variedade de fontes de carbono, como cana-de-açúcar e milho. O objetivo maior é desenvolver o micro-organismo para utilizar polissacarídeos não comestíveis ao invés de fontes de alimento. A tecnologia permite que sejam selecionados o comprimento da cadeia carbônica, ramificações, saturação e grupo funcional. O produto então formado é secretado pela bactéria e permite que seja facilmente removido do meio de cultura. Um dos produtos da LS9, é o UltraClean DieselTM, que já recebeu aprovação da EPA (Environment Protection Agency) para ser comercializado. Para a produção em massa a empresa adquiriu em 2010 uma planta de biodiesel em Okeechobee, na Florida onde pretende produzir incialmente entre 190 e 380 mil litros.
Mas o verdadeiro combustível de uma nação não é o petróleo, o etanol, a energia atômica ou solar, mas sim o capital financeiro e o capital humano que são investidos em P&D. Este é o caminho que temos que seguir. A biologia sintética pode ajudar a solucionar muitos dos nossos problemas de modo eficiente, utilizando micro-organismos que não dependam de terras aráveis, fontes de alimentos e água potável para produzir hidrocarbonetos. Investir em pesquisas, em novas tecnologias, em empreendedores e profissionais brasileiros é o que o país precisa para dar seu verdadeiro e definitivo grito de independência.
Referências:
- Regenesis: How Synthetic Biology Will Reinvent Nature and Ourselves – George McDonald Church, Edward Regis
- The Ripple Effect: Biofuels, Food Security, and the Environment – by Rosamond L. Naylor, Adam J. Liska, Marshall B. Burke, Walter P. Falcon, Joanne C. Gaskell, Scott D. Rozelle, and Kenneth G. Cassman
- http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/expointer-2010/19,0,2888234,Area-plantada-de-cana-cresce-9-2-para-8-1-milhoes-de-hectares.html
- http://exame.abril.com.br/meio-ambiente-e-energia/energia/noticias/o-etanol-de-segunda-geracao-esta-mais-proximo
Discussão - 2 comentários
No caso da LS9, o projeto não acaba dependendo de terra cultivada devido às fontes de carboidratos?
[]s,
Roberto Takata
Oi Roberto!
Atualmente a flexibilidade permite que a empresa compre os insumos com melhor preço no mercado, mas a idéia é desenvolver a E. coli para não depender dessas fontes de alimentos. Aqui tem um trechinho que fala sobre isso:
"A modified Escherichia coli bacterium that can make biodiesel directly from sugars or hemicellulose, a component of plant fibre. (...) The work identifies a potentially cost-effective way of converting grass or crop waste directly into fuel. (...) The next step is to scale the process up and adapt it to cellulose, which makes up the bulk of plant material."
http://www.nature.com/news/2010/100127/full/463409a.html
Abraços.