O ambiente em ação: modulação da expressão gênica e determinação do sexo

“Se o fenótipo, corresponde as características observáveis e modificáveis, que sofrem influência tanto do genótipo como do meio ambiente, como o ambiente interno e externo pode influenciar a expressão gênica (genótipo) e a determinação do sexo?”

No texto anterior (para rever acessar o link: https://www.blogs.unicamp.br/tb-of-life/pt_BR/2016/06/13/genotipo-e-fenotipo/), foi apresentado de forma simples os conceitos de genótipo e fenótipo e como o ambiente e o genótipo influencia a expressão de um determinado fenótipo, pois bem, agora iremos aprofundar mais neste assunto e buscar entender como o ambiente interno e externo pode influenciar na expressão gênica ocasionando alteração no fenótipo e atuando na determinação do sexo em algumas espécies.

Em alguns casos, a expressão de genes em um determinado organismo pode ser influenciada pelo meio ambiente externo em que o organismo se encontra ou se desenvolve, bem como, o ambiente interno do organismo, neste caso, podemos incluir fatores ligados ao metabolismo e a influência de hormônios. Uma grande influência ambiental interna é aquela que afeta a expressão de genes ligado ao gênero, como é o caso dos fenótipos influenciados pelo sexo e os limitados ao sexo. Igualmente, temperatura, luz, medicamentos, produtos químicos são alguns dos fatores ambientais externos que podem determinar quais genes são ligados e desligados, influenciando assim a forma como um organismo desenvolve.

Como vimos anteriormente a alimentação (exemplo da coloração das penas de flamingos e guará) e exposição a luz (exemplo do grau de pigmentação da pele em humanos) são exemplos de fatores externos que podem ocasionar alterações nos fenótipos, entretanto, diferentemente do caso dos flamingos em que a informação para a coloração das penas não está presente em seu genótipo, a partir de agora, todos os exemplos que serão citados neste texto, a informação estará presente no DNA (genótipo) do organismo.

Como primeiro exemplo, suponhamos que temos duas sementes idênticas (clones, oriundas de uma planta homozigota). Uma das sementes é cultivada em um solo rico e a outra em solo pobre de nutrientes. Ambas as plantas resultantes, apesar de serem idênticas geneticamente, serão diferentes em diversas características.  A disponibilidade dos recursos presentes no solo e no ambiente e que é fundamental para o desenvolvimento de ambas as plantas, influencia na expressão de seus genes e consequentemente indivíduos geneticamente idênticos desenvolvem-se desigualmente em ambientes diferentes. Para facilitar o entendimento sobre o assunto, irei citar alguns exemplos de como o ambiente externo e interno afeta a expressão dos genes de um organismo.

Um exemplo de efeito externo (ambiente externo), é o efeito da temperatura na regulação da expressão gênica de coelhos himalaias. Esses coelhos apresentam um característica muito interessante relacionada a expressão de um gene (gene C) presente em seu genoma, esse gene é necessário para o desenvolvimento de pigmentos nos pelos e olhos destes animais. Bom até aqui tudo bem, mas o que tem de tão interessante nisso? o interessante é que o gene C é inativo em temperaturas acima de 35 °C e é ativo em temperaturas a partir de 15 °C até 25 °C. Nossa, agora algo pode fazer um pouco mais de sentido, se o gene é responsável pela cor dos pelos e olhos e é expresso de acordo com a temperatura, isso quer dizer que o fenótipo pode ser alterado pela temperatura! Este é o ponto interessante neste exemplo. A variação na temperatura corporal e ambiental, resulta em coelhos com coloração do revestimento distinto. Nas partes quentes do corpo do coelho, o gene está inativo e não é expresso, resultando na ausência de produção de pigmentos e resultando na coloração do pelo branco (Figura 1). Por outro lado, nas extremidades do coelho (as orelhas, patas e ponta do nariz), onde a temperatura é mais baixa do que 35 °C, o gene C é expresso, resultando na produção de pigmento, tornando os pelos dessas regiões pretos.

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Figura 1. Efeito da temperatura na regulação da expressão do gene C em coelhos himalaias.

Um outro exemplo de efeito do ambiente externo é o efeito da luz na expressão gênica, a planta aquática Ranunculus peltatus, vive com parte de seu corpo submerso na água. Em decorrência da baixa incidência de luz na água as folhas submersas apresentam um forma e fisiologia diferente das folhas que não estão submersas (flutuantes). Mas, como isso pode acontecer se ambas as folhas são geneticamente idênticas (mesmo genótipo)? A explicação para isso é o efeito que a luz ocasiona na expressão dos genes presentes nestas folhas, assim as folhas flutuantes recebem maior quantidade de luz e realizam mais fotossíntese, apresentando uma forma mais adequada para esta função, ao contrário, as folhas submersas não recebem muita luz, isto resulta em folhas com menor área foliar pois a taxa fotossintética e baixa, determinando que essas folhas apresentem um formato filamentoso.

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Figura 2. Efeito da luz sobre o formato das folhas flutuantes e submersas da planta aquática Ranunculus peltatus.

Até momento se familiarizamos com a influência do ambiente externo na expressão de genes relacionados a manifestação do fenótipo em diferentes organismos. Mas, e no caso do ambiente interno, como o interior de uma célula ou de um organismo, pode influenciar alterações no fenótipo? Diferentemente, podemos citar como exemplos de as alterações fenotípicas influenciadas pelo sexo e as limitadas ao sexo. Mas surge uma outra dúvida, como uma característica influenciada pelo sexo pode causar diferença na expressão de genes e ocasionar mudanças no fenótipo? Isso parece muito complexo, ambiente interno e característica influenciada ou limitada ao sexo, mas na realidade quando simplificado, se torna simples de entender e relacionar.

Pois bem, a calvície humana é um exemplo apropriado para entendermos como essa situação pode acontecer, mas primeiramente, temos que saber que quando a característica é influenciada pelo sexo, ela pode se expressar diferentemente em cada sexo. A calvície se comporta diferentemente em homens e mulheres e isso se deve ao gene relacionado a essa característica. Esse gene é influenciado por dois hormônios quando estão em níveis altos (testosterona e dihidrotestosterona – DHT) e geralmente homens possuem maiores níveis desses hormônios do que mulheres, por isso, a maioria dos homens apresentam calvície. Mas então se a calvície é relacionada a esses dois hormônios e esses hormônios são encontrados em menor níveis em mulheres, como algumas mulheres apresentam calvície? Em algumas situações de alto nível de stress o gene pode ser expresso nas mulheres e as glândulas suprarrenais podem produzir testosterona e convertê-la em dihidrotestosterona, resultando na perda de cabelo.

Sendo assim, para finalizar os fatores ambientais internos que afetam a expressão gênica, só nos falta saber um exemplo de alterações fenotípicas limitadas ao sexo. Essas características são expressas em indivíduos pertencentes a somente um sexo. Um exemplo é a lactação (produção de leite) em mamíferos. Embora os genes para a produção de leite esteja presente no genótipo dos machos e das fêmeas, somente fêmeas lactantes possuem a capacidade de expressar esses genes.

Por fim, para finalizar nosso assunto de hoje, nada mais que um último exemplo que nos mostre como o ambiente externo pode influenciar o genótipo na expressão de genes responsáveis pela determinação de sexo em algumas espécies. Um bom exemplo, é a determinação de sexo na maioria dos répteis, que é altamente relacionada a temperatura de incubação dos ovos. Isso se deve, ao fato de existe um ponto específico no desenvolvimento dos embriões conhecido como “período termossensível” ou TSP. Durante este período o tecido gonadal é sensível à temperatura. Esta sensibilidade faz com que a exposição a uma faixa de temperatura promova a diferenciação em ovários e quando há a exposição a uma faixa diferente, se desenvolve testículos. As tartarugas da espécie Emys orbicularis apresenta esse padrão durante a TSP, quando as temperaturas de incubação é de 25°C, todas as tartarugas que eclodem dos ovos são machos, entretanto, em temperaturas de 30°C as tartarugas que nascem são do sexo feminino. Mas se a temperatura de incubação dos ovos fosse a media entre essas duas temperaturas, ou seja, 28,5°C?  Neste caso específico, haveria uma diversificação no número de fêmeas e machos. Algo muito intrigante em tudo isso, é o fato de que antes da TSP, todos os embriões não possuem sexo, mas durante a TSP, alguma informação é transmitida para o tecido gonadar e o faz se transformar em ovário ou testículo. Hoje é conhecido que a “informação” transmitida ao tecido gonadal dos embriões é uma alteração na expressão do gene Sox9 (sensível a temperatura). O resultado da expressão do gene Sox9 afeta um outro gene importante na determinação do sexo. Assim, quando o gene Sox9 é influenciado pela temperatura o outro gene também é influenciado, resultando no desenvolvimento dos diferentes órgãos (testículo ou ovário).

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Figura 3. A tartaruga de água doce, Emys orbicularis, possui um gene sensível à temperatura que regula o sexo da tartaruga em desenvolvimento. Todos os ovos de tartaruga incubados a 30°C desenvolve fêmeas, enquanto que todos os ovos de tartaruga incubadas a 25°C desenvolve machos.

Assim como todos os exemplos apresentados, compreendemos algumas das formas que o ambiente modula a expressão dos genes, resultando em alterações fenotípicas, entretanto, é valido ressaltar que existem inúmeros outros exemplos de influências ambientais sobre a expressão gênica e a grande maioria dessas interações apresentam interações complexas que resultam em diferentes fenótipos.

 

Referências

Lobo, I. (2008) Environmental influences on gene expression. Nature Education 1(1):39

Pieau, C., & Dorizzi, M. Oestrogens and temperature-dependent sex determination in reptiles: All is in the gonads. Journal of Endocrinology 181, 367–377 (2004) doi:10.1677/joe.0.1810367.

Ralston, A. & Shaw, K. (2008) Environment controls gene expression: Sex determination and the onset of genetic disorders. Nature Education 1(1):203

Riordan, J. R., et al. Identification of the cystic fibrosis gene: Cloning and characterization of complementary DNA. Science 245, 1066

Sturtevant, H. The Himalayan rabbit case, with some considerations on multiple allelomorphs. American Naturalist 47, 234-238 (1913).

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Sobre nicholasnvs

Bacharel em Biotecnologia pala UFGD e mestrado pelo Instituto Agronômico - IAC. Atualmente doutorando em Genética e Biologia Molecular na UNICAMP.

2 respostas para O ambiente em ação: modulação da expressão gênica e determinação do sexo

  1. Ricardo Teixeira diz:

    Ótimo Artigo, parabens.

  2. Ive Grazielle diz:

    Fantástico! Sou estudante de Biotecnologia, e com esse texto consegui compreender melhor esse assunto.

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