Reconstruindo a árvore da vida

Como você já deve ter ouvido falar, os humanos são parentes muito próximos dos chimpanzés, afinal temos um ancestral comum bem recente com estes primatas. Isto já não é uma ideia muito estranha, afinal os chimpanzés (e outros animais) nos surpreendem a cada dia com suas habilidades sociais e intelectuais. O que pode ser inesperado para alguns, é que da mesma forma, compartilhamos um parentesco inclusive com plantas, fungos e bactérias! Claro, o ancestral comum entre Homo sapiens e bactérias existiu há mais de 3 bilhões de anos, mas o que quero dizer é que não importa o quão diferentes, todos os seres vivos compartilham um ancestral comum. Desta forma é possível representarmos a história de toda a vida em uma árvore, assim como representamos a genealogia de uma família, por exemplo. Em termos (bem) gerais, este foi o objetivo do trabalho de Laura Hug e colaboradores, publicado no ano passado, intitulado como “A new view of the tree of life” (Um novo olhar sobre a árvore da vida – tradução livre).

Árvore da vida

Figura 01. A árvore da vida. Veja a imagem original em: http://www.nature.com/articles/nmicrobiol201648/figures/1

Vários trabalhos buscam entender e resolver a proximidade de duas ou mais espécies dentro de um grupo em específico (por exemplo primatas, gramíneas, entre outros). Isto já não é uma tarefa trivial, imagine tentar recriar a árvore de todos os seres vivos! Há muitas dificuldades que devemos levar em conta: em primeiro lugar, não conhecemos toda a diversidade de vida existente na Terra. Estimativas sugerem que ainda desconhecemos aproximadamente 90% das espécies existentes de eucariotos (todos os seres vivos exceto espécies de bactérias e arquéias), então devemos ter em mente que muitas conclusões que tiramos sobre o parentesco de duas espécies podem ser apenas artefatos da nossa falta de conhecimento sobre a diversidade do nosso próprio planeta. É natural que essas conclusões mudem conforme novos estudos são divulgados, e de fato observamos essas alterações rotineiramente.

Não conhecemos muito sobra a diversidade da vida

Figura 02. O número de espécies que conhecemos hoje (em azul) é muito menor que o número de espécies preditas (em roxo).

Outra dificuldade é que tentar comparar organismos tão diferentes pode ser um pouco problemático. Antigamente uma forma de inferir parentesco era utilizando características morfológicas, por exemplo, humanos no geral têm mais características parecidas com a de chimpanzés do que de cachorros. O problema é que esta abordagem pode gerar várias conclusões errôneas, como por exemplo, de que baleias são mais próximas de peixes do que de mamíferos pelo fato de apresentarem nadadeiras, modo de vida aquático, etc. Entretanto, sabemos que isto foi simplesmente um resultado da evolução das baleias no ambiente aquático. Não existe uma relação anatômica real entre uma nadadeira de baleia e outra de peixe, apesar da aparência externa muito semelhante. Além disso, como comparar morfologicamente um roedor, um fungo e uma bactéria? Nada fácil, certo?

Nadadeiras de baleias e peixes são significativamente diferentes

Figura 03. Comparação entre as nadadeiras de baleias e peixes.

Felizmente, os seres vivos compartilham um bom número de características em comum, como a presença de ribossomos, que são pequenos componentes presentes em grandes números nas células, inclusive nas nossas. Eles são superimportantes por serem responsáveis em sintetizar proteínas, então são estruturas muito bem conservadas em todos os organismos vivos, afinal mutações nestes genes muito provavelmente comprometeriam a eficiência da síntese proteica. A abordagem do artigo consistiu em utilizar as sequências de aminoácidos dos genes que compõe os ribossomos de cada um de todos os organismos já sequenciados para criar uma árvore representando todos os organismos vivos (leia mais sobre a relação de nucleotídeos e aminoácidos neste outro post https://www.blogs.unicamp.br/tb-of-life/pt_BR/2016/06/27/o-dogma-central-da-biologia-molecular/).

O nosso conhecimento sobre a diversidade da vida, sobretudo em relação a microrganismos, ainda é muito baixo, e isto acaba limitando o potencial biotecnológico que temos de utilizar soluções existentes na natureza para desenvolver novos drogas ou produtos como biocombustíveis. Trabalhos como o mencionado neste post são interessantes por resumirem o conhecimento e as incertezas que temos sobre a biodiversidade.

Referências:
Hug LA, Baker BJ, Anantharaman K et al. A new view of the tree of life. Nat Microbiol 2016;1:1–6.  Disponível em: http://www.nature.com/articles/nmicrobiol201648
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Sobre Paulo Tokimatu

Graduado em ciências biológicas pela UNICAMP e atualmente aluno de mestrado em Genética e Biologia Molecular pela mesma instituição.

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