Desenhando um genoma

E foi-se o tempo em que sintetizar um genoma inteiro era coisa de Hollywood. Na década de 90, o filme Jurassic Park trazia a ideia de que dinossauros poderiam ser recriados a partir da síntese química de seu DNA, em seguida inserido em células vivas. Em 2010, o primeiro genoma completo de uma bactéria foi sintetizado artificialmente [1]. Em 2016, o genoma dessa mesma bactéria foi sintetizado incorporando inúmeras mudanças [2]. Neste ano, o genoma completo de uma levedura, um organismo mais complexo, foi também sintetizado com sucesso [3]. E assim seguimos em rumo aos dinossauros!

Brincadeiras à parte, a síntese de um genoma completo é uma conquista e tanto para a biologia. A sequência de nucleotídeos em um genoma pode ser pensada como um sistema operacional. Ela carrega o código the especifica todas as funções genéticas da célula, o que por sua vez determina a química celular, sua estrutura, replicação e outras características. A possibilidade de redesenhar um genoma, como a de redesenhar um sistema operacional, abre um leque de novas perguntas sobre o quanto podemos alterar o sistema original mantendo sua funcionalidade.

Por exemplo, um trabalho do ano passado sintetizou o genoma de uma bactéria tentando deixa-lo o menor possível [2], afinal, qual seria o tamanho mínimo de um genoma para um ser vivo sobreviver? A partir da montagem de diferentes genomas de bactérias e da comparação deles por ferramentas de bioinformática, os pesquisadores encontraram instruções que eram comuns a todas as espécies e instruções que eram específicas de cada uma delas. Esses genes que carregavam as instruções gerais foram considerados genes potencialmente essenciais.

 

Figura 1.  Processo esquematizado do desenho de um genoma sintético. A partir de análises de bioinformática que possibilitam conhecer o genoma original do organismo e projetar melhorias, o novo genoma é desenhado (Design), sua pequenas sequências são sintetizadas a partir de nucleotídeos A, C, T, G (Synthesis), essas sequências são combinadas na construção da sequência completa (Construction) que é clonada em organismos vivos para se obter mais cópias (Cloning), e o DNA clonado é transplantado para uma nova célula de onde o material genético original é então removido (Isolation, Transplantation, Outgrowth).

 

Mas, ao construir um organismo apenas com esses genes, ele não foi viável. Em um processo de inserir e deletar genes, os pesquisadores chegaram ao conjunto mínimo de 473 genes para a bactéria sobreviver, dos quais 149 possuem funções completamente desconhecidas. Sintetizando tanto o genoma de bactéria [2] quanto o de levedura [3], os pesquisadores também tentaram reorganizar genes, trocar alguns códigos redundantes que codificam os mesmos aminoácidos nas proteínas (como explicamos neste post), e mudar alguns genes para versões supostamente mais eficientes. Algumas mudanças funcionaram, outras não. Isso nos lembra que ainda temos muito trabalho pela frente para entender o funcionamento essencial de um ser vivo.

Para nós da bioinfo, muitos genomas ainda precisam ser conhecidos, montados quase que como um quebra-cabeça a partir das pequenas sequências geradas pelos sequênciadores de DNA, estudados em cada um de seus inúmeros detalhes e comparados entre diferentes espécies ao longo da evolução dos seres vivos (como explicamos neste post). Talvez muito conhecimento acumulado, quem sabe, possamos reconstruir um ser vivo muito complexo como um dinossauro e finalmente conhecer um pouco mais como se deu a evolução da vida no nosso planeta.

 

Artigos citados:

[1] Gibson, Daniel G., et al. “Creation of a bacterial cell controlled by a chemically synthesized genome.” science 329.5987 (2010): 52-56.
[2] Hutchison, Clyde A., et al. “Design and synthesis of a minimal bacterial genome.” Science 351.6280 (2016): aad6253.
[3] Richardson, Sarah M., et al. “Design of a synthetic yeast genome.” Science 355.6329 (2017): 1040-1044.

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Sobre julianajose

Bióloga, Mestre e Doutora em Genética e Evolução pela Unicamp, atualmente pesquisadora de Pós-doc em Bioinfo no Laboratório de Genômica e Expressão do IB-Unicamp. Apaixonada por todas as formas de vida e pelos métodos estatísticos e computacionais que nos permitem estudá-las.

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