Ondas gravitacionais (parte 2): Detecção. (V.3, N.5, 2017)

Esta postagem é a segunda de uma série sobre ondas gravitacionais, recomendo ler a parte 1 antes de prosseguir.

A onda gravitacional detectada possui frequências dentro do espectro audível para ondas sonoras. Transformando o sinal detectado em ondas sonoras, temos como resultado o som deste vídeo. (Vídeo: LIGO Lab Caltech/MIT)

 

No dia 14 de Setembro de 2015 (09:50:45 UTC) foi realizada a primeira detecção direta de ondas gravitacionais, o sinal foi observado em dois observatórios (LIGO Hanford e LIGO Livingston) e durou menos de 0.5s nos detectores.

Estes sinais representam um sistema de dois buracos negros de 36 e 29 massas solares girando um em torno do outro até se fundirem em um buraco negro de 62 massas solares. O equivalente a 3 massas solares é convertido em energia, liberada na forma de ondas gravitacionais e uma parcela extremamente pequena chega a Terra.

Como funcionam os laboratórios que fizeram esta detecção?

Interferômetros: O que são?

Esquema de funcionamento de um interferômetro de Michelson.
Figura por: Wikimedia Commons.

Interferômetros são instrumentos ópticos usados para detectar pequenas variações em um feixe de luz. No interferômetro (Ver figura acima) temos uma fonte de luz coerente e colimada (laser) emitindo um feixe de luz que é divido em dois. Cada feixe caminha por um braço uma determinada distância até encontrar um espelho, fazendo o caminho inverso, então esses feixes de recombinam e são projetados em um anteparo.

Sabemos que a luz se comporta como onda, então a recombinação dos feixes se da pelo princípio da superposição, assim podemos ter efeitos de interferência construtiva ou destrutiva dependendo da distância percorrida por estes feixes.

Interferência entre ondas (1 e 2), na figura da esquerda as ondas estão em fase, logo há interferência construtiva. Na da direita, as ondas estão fora de fase e portanto há interferência destrutiva.
Fonte: Wikimedia Commons

Observando o anteparo é possível obter informações sobre a diferença entre os caminhos percorridos pelos feixes antes de se recombinarem, e a precisão é dada pelo comprimento de onda do feixe.

Você pode imaginar uma fileira igualmente espaçada de soldados marchando em direção ao espelho central com velocidade constante, se separando em duas fileiras, marchando até encontrar um espelho e retornando ao espelho central. Se o caminho percorrido por cada fileira for diferente,  não conseguiram se recombinar em uma única fila de soldados, a menos que as distâncias sejam múltiplos de um valor específico (comprimento de onda).

O experimento de Michelson-Morley

Um uso bastante conhecido deste aparato é o chamado experimento de Michelson-Morley. Antigamente, físicos acreditavam que todas as ondas deviam se propagar em um meio e como a luz é uma onda também deveria ter um meio de propagação, este meio foi batizado de éter.

Como a Terra está se movendo pelo éter, deveria existir um “vento de éter”, assim a luz se moveria em uma velocidade diferente na direção do “vento de éter” em relação a direção perpendicular.

Já notou que o interferômetro de Michelson tem um formato de “L”? Isto não é atoa. Considere um interferômetro cujos braço tem tamanho igual, se a luz tem velocidades diferentes em cada direção, os feixes chegaram fora de fase no espelho central e então observaremos um padrão de interferência no anteparo. Se o interferômetro for rotacionado em um determinado ângulo, este padrão deve mudar, pois a velocidade da luz depende da direção em relação ao “vento de éter”.

Michelson e Morley tentaram provar a existência do éter usando um interferômetro e tiveram resultados negativos. Este resultado foi um forte indício da inexistência do éter e da constância da velocidade da luz, o que acabou levando ao desenvolvimento da teoria da relatividade especial.

Interferômetros como observatórios de ondas gravitacionais

Tendo alguma noção do que são interferômetros, podemos agora entender como podemos usá-los para detectar ondas gravitacionais. Lembrando do post anterior, ondas gravitacionais são caracterizadas pelo efeito de maré, isto é, o espaço é esticado em uma direção e achatado em uma direção perpendicular.

Efeito (exagerado) de uma ondas gravitacional sobre um conjunto de partículas teste.

O leitor mais atento já percebeu que podemos usar o mesmo princípio do experimento de Michelson-Morley, porém o que muda não é a velocidade da luz e sim a distância que ela precisa percorrer. Cada observatório do LIGO consiste em um interferômetro com formato de “L” onde cada braço possui 4 km, quando uma onda gravitacional passa por este interferômetro os tamanhos dos braços flutuam e podemos ver uma diferença no padrão de interferência.

O grande problema é a intensidade do efeito de maré. No caso do LIGO estamos interessados em objetos mais pesados que o sol (estrelas de nêutrons e buracos negros) em distâncias da ordem de centenas de Mpc. Nestas configurações, o efeito observável de mudança de comprimento é aproximadamente (ΔL/L ~ 10-21), isto é, para o braço do LIGO de L = 4km, a distância será alterada em algo entorno de 10-18 m (1000x menor que um pŕoton)!

O interferômetro do LIGO

Um simples interferômetro de Michelson não conseguiria detectar ondas gravitacionais. Os cientistas trabalhando no LIGO fizeram vários aprimoramentos de design para torná-lo funcional.

Uma das grandes alterações são as chamadas cavidades de Fabry-Perot, que consiste em adicionar espelhos nos braços do interferômetro de forma que os feixes percorram os mesmo várias vezes antes de se recombinarem, aumentando o tamanho efetivo percorrido pelos feixes de 4km para 1120km (um aumento de 280 vezes!).

Interferômetro de Michelson com cavidades de Fabry-Perot.
Figura por: CALTECH/LIGO

Além disso, o laser do LIGO tem uma potência de 200W, mas devido ao sistema óptico, é amplificado de forma ao feixe no interferômetro ter uma potência de 750 kW!

Lembrando que o sinal que buscamos é extremamente minúsculo, alguns efeitos que parecem desprezíveis devem ser considerados. Um exemplo é que o laser empurra os espelhos, e mesmo que esse deslocamento seja minusculo, é algo apreciável neste experimento. Para diminuir este efeito, os espelhos do LIGO são bastante pesados, possuindo cada um aproximadamente 40kg.

Até mesmo as moléculas que compõe um ar podem ser um problema, elas podem desviar a trajetória do laser ou até mesmo empurrar os espelhos e demais componentes, criando a necessidade de realizar o experimento no vácuo. O LIGO possui uma das maiores câmaras de vácuo na Terra, perdendo somente para o LHC. Para se ter uma ideia foram necessários 40 dias para remover os gases dos tubos do LIGO e criar o vácuo necessário, utilizando as técnicas mais modernas da área.

Mas talvez as piores fontes de ruídos indesejados ao experimento sejam vibrações sísmicas. Qualquer pessoa que já montou um sistema óptico sabe que basta passar um caminhão na rua do seu laboratório para desalinhar todo o experimento, mesmo pessoas andando no laboratório podem atrapalhar a tomada de dados. Imagine então um sistema do porte do LIGO! Existe toda uma parafernália instrumental de alta precisão para isolar o interferômetro de quaisquer vibrações.

Por que dois laboratórios?

Dada toda a dificuldade de realizar o experimento, não é de se espantar que as pessoas desconfiem dos dados do LIGO, pois uma pequena vibração poderia ser mal interpretada como uma possível onda gravitacional. E é exatamente por isso que precisamos de no mínimo dois laboratórios, assim só confiaremos em detecções feitas pelos dois laboratórios.

Para confirmar a onda gravitacional é preciso que os dois experimentos vejam o mesmo padrão de onda em um intervalo de 10ms (o tempo para chegar até o outro laboratório na velocidade da luz)! Além disso com mais de um laboratório, podemos estimar de que direção as ondas gravitacionais estão sendo emitidas.

Outros laboratórios serão construídos no futuro e com eles poderemos cobrir mais direções para detectar ondas gravitacionais e melhorar a precisão do local onde os eventos que as geraram estão.

E tudo isto é feito para no final obter o sinal da figura abaixo. 🙂

Sinal da onda gravitacional GW150914. O eixo vertical mostra a variação do espaço em relação ao valor inicial (ΔL/L) e o eixo horizontal mostra o tempo em segundos. O sinal em Hanford chega 6.9 ms depois que em Livingston.
Imagem por: Ligo Lab (Caltech)

Pessoal, por hoje é isso! Sei que foi um texto mais pesado e com alguns termos técnicos, mas este experimento é fruto das últimas inovações em instrumentação científica e não é tão simples entendê-lo.

Saiba mais:

Space Time Quest : Neste jogo você deve projetar um interferômetro para detectar ondas gravitacionais, tendo recursos ($$) limitados, e em diferentes terrenos como por exemplo uma grande cidade e uma floresta. Quanto mais sensível seu detector mais pontos você faz. (Não há versão em português)

Ondas gravitacionais (Ciência de hoje – Univesp TV) – Entrevista com o físico Riccard Sturani (IFT/UNESP), bastante didática.

Ondas gravitacionais (Primata falante) – Série de três vídeos sobre ondas gravitacionais do canal Primata falante.

Ondas gravitacionais (Nerdologia) – Vídeo bem resumido sobre ondas gravitacionais do canal Nerdologia.

Referências usadas para elaboração do texto:

[1] K. Thorne. “Gravitational Waves”, arXiv:gr-qc/9506086

[2] LIGO Caltech website: https://www.ligo.caltech.edu/

[3] LIGO and VIRGO colaboration, “Observation of Gravitational Waves from a Binary Black Hole Merger”, Phys. Rev. Lett. 116, 061102

[4] GW Optics, “E-book on gravitational waves

 

 

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