Um cientista (louco) em minha vida

Pelos idos de meados dos anos 80, o seguinte diálogo se desenvolveu:
Pessoa qualquer:
– O que você quer ser quando crescer?
Eu:
– Cientista!
Essa sempre foi a minha resposta.
Nunca quis ser bombeiro, super-homem, astronauta, jogador de futebol, marinheiro, lutador, fazendeiro, maquinista, carteiro, dono de bodega, explorador, marceneiro, juiz.
Sempre quis ser Cientista.
Fosse lá o que isso significasse.
Eu achava até a palavra bonita.
Microscópios, bicos de Bunsen, balanças, destiladores, tubos de ensaio, placas de Petri, pilões, béqueres, pipetas. Eu não sabia o nome de nada disso, eram apenas vidrinhos em formatos estranhos contendo líquidos coloridos e instrumentos para mexer, medir e transformar substâncias.
Sempre quis andar de bata (jaleco) e parecer importante por estar fazendo algo que não tinha como alguém não achar legal.
Sou fascinado pela Natureza desde que envolvi um caroço de feijão num algodão molhado por alguns dias e o vi brotar. Que coisa fantástica!
Eu precisava saber mais!
Alguns fatos (que eu me lembro enquanto escrevo isto) que me direcionaram mais ainda para esse lado:
1 – notar que óleo boiava em água, ao ver uma reportagem sobre um derramento de petróleo no mar; perguntei à minha mãe se dava para misturar os dois e ela respondeu (ainda lembro das palavras): “Nem a força CENTRÍFUGA de um liquidificador consegue misturar água e petróleo!”
Eu fiquei a ponto de morrer! Me vieram tantas perguntas que eu só consegui murmurar um “aah…” desapontado. O que era petróleo? Era parecido com óleo? Por que era preto? Por que não se misturava com água? Tinha um eletrodoméstico no meu lar que criava força centrífuga? O que era Força Centrífuga?
2 – tomar um remédio que vinha num vidrinho com conta-gotas; pedi ao meu pai para brincar com o conta-gotas. Ele fez melhor e me mostrou como fazer para segurar um líquido dentro de um canudo, tapando uma das pontas com o dedo.
Que negócio MASSA! Passei o resto do dia brincando com esse canudo. Aprendi a soltar gotas controladamente e tudo! Ele me disse que o nome daquilo era “pipeta”. Pipeta? Que nome massa! Não só eu estava brincando com uma das coisas mais ótimas já vistas pela humanidade, ela ainda tinha um nome apto à sua magnificência legalística!
3 – tentar levantar um tamborete enquanto sentado nele; me ocorreu essa idéia e eu decidi testar, para ver se era forte mesmo (outra coisa que eu sempre quis ser foi forte). Passei alguns minutos segurando os lados do banco e usando toda a força que eu tinha, mas por algum motivo eu só conseguia desencostar o danado se estivesse pisando no chão. Que coisa estranha. Mais alguns minutos correram até que eu entendi que não ia dar, não importava o quão forte eu fosse, só conseguiria levantar o banquinho se tivesse outra forma de apoio. Eu sentia que quanto mais força eu fazia nos braços, mais colado eu ficava no assento (eu pensei em escrever “…mais minha bunda se apragatava…”, mas achei que não seria de bom tom, ainda bem que não o fiz) e percebi que o problema deveria estar aí. Não me aprofundei mais no assunto naquele momento pois devo ter sentido fome ou vontade de correr pela casa, mas enquanto eu estava ali, todo pequeno e ingênuo, essa questão me fez ferver o cérebro.
Desde que consegui alcançar coisas em cima de mesas, sempre que ia a um restaurante, ao fim das refeições (não me era permitido antes) eu pegava TUDO o que fosse líquido (e sólidos que coubessem num copo) e tivesse sobrado e misturava. Refrigerante, cerveja, molho inglês, molho de pimenta, azeite, vinagre, espremia limão, adicionava sal, açúcar, guardanapos usados, restos de cebola e ficava observando o copo até ser puxado para fora.
Eu queria que alguma coisa acontecesse, sempre quis descobrir algo.
E descobri, certo dia quando ainda havia gás num resto de cerveja. Nesse dia eu comecei pelo sal. E uma espuma grossa e muita começou a aparecer. Eu não conseguia acreditar! Eu havia descoberto algo! Nesse dia, eu dormi mais feliz.
Desde que aprendi a ler com confiança que leio os rótulos das coisas.
Estabilizantes, Umectantes, Conservantes, Corantes, letras e palavras seguidas de números (E211, amarelo 42).
Lia também os resultados de laboratório dos meus exames, os livros de Ciências da escola por completo no dia em que os comprava, bulas de remédios, etc. Basicamente, eu lia tudo o que ninguém mais se dava ao trabalho de ler.
Aí fui crescendo, aprendendo a ciência do colégio, que nem sempre é muito boa e muitas vezes é simplesmente errada, como ensinar que os receptores de sabor na língua são compartimentados (sal só é degustado na base da língua, açúcar dos lados, amargo na ponta e azedo em cima), o que não é verdade, todos os pontos da língua têm papilas receptoras para todos os sabores (inclusive o quinto, Umami, que representa o sabor de carne).
Mas por ser colégio e seguir um sistema de ensino seboso e idiotificante, onde o professor é Deus e não deve ser questionado em qualquer situação, mesmo quando está flagrantemente errado (tão ridiculamente errado, às vezes, que uma criança de oito anos tem completa e total certeza do erro), eu acabei perdendo meu ímpeto e só queria mesmo saber de correr e fazer conta.
Depois troquei os cálculos pela TV.
Isso seria uma tragédia, não fosse anos 90 e não fosse um Produtor de Programação sabido.
Eis que surge uma placa, onde está escrito South Pole, e uma voz, já conhecida, que a traduzia, dizendo “Pólo sul”.
Surgem dois fantoches de pingüins, em meio a muita neve e defronte a uma TV (hoje em dia seria suficiente para me fazer mudar de canal, mas nessa época eu era mais curioso, tinha mais tempo e o controle deveria estar meio longe), conversando algo bem sem graça, mas com potencial, com as mesmas vozes já familiares para quem assiste a muita televisão dublada.
Então, algo ainda mais bizarro se manifesta. Uma coisa tão impressionantemente estranha que me deixa louco de curiosidade.
Muita fumaça, muitos clarões de luz, um sujeito com os cabelos loucos de personagem de revistinha (revista em quadrinhos, gibi) que levou um choque, agindo como se fosse um mamulengo, com os polegares, indicadores e mindinhos estirados, gesticulando imensamente e vestindo um sobretudo verde.
– Fato! (não consigo lembrar o que foi dito depois disso, mas foi uma informação que me fez querer não me levantar até acabar o programa)
-Eu sou o Beakman, e vocês acabam de entrar no MUNDO DO BEAKMAN!
E como se isso já não fosse o suficiente, trinta segundos da melhor música de introdução já transmitida se seguem.
BEAKMAAAAAAAAAAAAAAAAAN
Percussão, acordeon, guitarra, baixo, bateria, explosões, efeitos sonoros.
O QUE É ISSO E POR QUE EU NUNCA VI ISSO ANTES?
O cientista em minha vida, objeto desta dissertação, refere-se a si mesmo por “Beakman”.
Ele reacendeu minha paixão pelo mundo natural.
Não era só mais um programa de variedades variadas e curiosidades curiosas, era algo com conteúdo, explicações.
Por que nunca houve algo assim antes? Será que era mais fácil vestir um sujeito numa fantasia de pinto e fazê-lo dançar com outro de terno que dizia hipnotizar galinhas?
Taí um programa com um cabra vestido de rato (DE RATO!) que não dança, mas serve de escada para piadas e que é um homem (ou rato) de atitude!
Uma assistente que não dança de biquíni numa taça de champanhe gigante com bambolês colados rodando ao seu redor, mas uma que é feia, mal-amanhada e ainda faz caretas e é gasguita.
E um apresentador que não constrange os convidados e funcionários, não fala “Ô LÔCO, MÊU”, “ÔRRA, MÊU” e “pentelho” a cada cinco segundos e ainda EXPLICA coisas interessantes de um jeito interessante.
É difícil assim fazer isso? Não!
Das várias coisas que Beakman me ensinou (uma maneira mais correta seria dizer “me fez aprender”, porque eu fui ensinado durantes vários anos por pulhas indolentes e pouco aprendi), puxando pelo memória neste momento, destaco quatro:
1 – Um episódio sobre Método Científico, onde ele mostra que água não conduz eletricidade para provar a hipótese de que água salgada é condutora.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=Guv77iUnFY8]
Viva o youtube!
Ao ver o vídeo novamente hoje, depois de tanto anos, eu lembrei o que senti no dia em que o assisti pela primeira vez.
Quando ele coloca os fios dentro da água e a lâmpada não acende, eu fiquei sem reação, meu mundo parou de fazer sentido por alguns instantes. Como assim água não conduz eletricidade? E todas as estórias que eu ouvi de pessoas molhadas levando choques por estarem molhadas?
Mas ele não deixa buracos e explica isso também (assista ao vídeo)!
2 – Um episódio sobre sabão, onde ele explica o que é Tensão Superficial e como esta é afetada pelo sabão.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=-GprcRs56ug#]
E outro (não achei vídeo), relacionado a esse, onde ele demonstra a Tensão Superficial da água fazendo um clipe boiar e construindo uma lancha de papel (um barquinho raso com um buraco na parte de trás onde ele pinga detergente, fazendo o barco disparar pela água).
3 – Uma explicação sobre Gravidade, Movimento Pendular, Atrito, Energial Potencial e Cinética com uma melancia.
Ele amarra uma melancia num cordão preso ao teto, vai até uma parede, encosta a fruta no rosto e a solta (criando efetivamente um pêndulo). Esta não o atinge na volta porque não tem energia suficiente, podendo chegar, no máximo, até o ponto de onde foi solta.
A partir dessa demonstração ele explica, de maneira simples, precisa e agradável, o motivo daquilo acontecer. Genial!
4 – A Física sendo usada para rasgar uma lista telefônica.
Esse foi O MELHOR episódio do programa, tanto pela simples excelência quanto pelo dinheiro que eu ganhei depois dos bestas que não assistiam ao programa e apostavam comigo (dica do próprio Beakman).
Ele mostra como rasgar uma lista telefônica ao meio, de uma vez só.
E completa explicando como isso é possível.
Beakman é o cara!
Beakman
E por ter me relembrado como Ciência é ótima e divertida e como, certa vez, eu queria, com toda a minha convicção, ser um Cientista, ele é também um Cientista em Minha Vida.

Lester, o rato: Muito bem, Beakman, qual é o truque?
Beakman: Lester, quando você tem a Ciência, não precisa de truques!

Discussão - 13 comentários

  1. Renan disse:

    O Beakman me faz ter vontade de ter jalecos verdes.. EU PRECISO DE UM JALECO VERDE XD

  2. Carlos Hotta disse:

    Eu tb quero um jaleco verde. Por que não vendem jalecos verdes? As noites na TV Cultura eram muiot boas com Beakman, Tintin e Anos incríveis!

  3. Igor Santos disse:

    Até vendem, mas só nos fundos da loja, depois de dizer a senha secreta (barabum!)..
    Mas infelizmente eu não posso usá-los, pois meu cabelo tá muito parecido com esse aí da foto...

  4. Mana disse:

    Fazia tempo que não vinha por aqui. Achei esse tema muito interessante e me fez lembrar (e ter saudades) do tempo em que você era um capetinha descobrindo as maravilhas e as curiosidades da vida, do mundo, da física, química... lembro de uma caixa de mágica minha que vc amou e eu te deixei ficar com ela. Depois nossos pais te deram de presente uma coisa tipo "caixa do cientista" ou algo assim, e você "enlouqueceu". Não largava aquelas coisas coloridas e interessantes por nada no mundo! Como se iluminava seu rosto de "cientista" descobrindo ainda mais coisas! Lembro dos sustos e o nojo qu eu sentia quando abria uma gaveta sua cheia de "experiências"! eheheheh... Adorava ler as revistas "superinteressantes" que você sempre comprava. E lembro até hoje (agora com saudades) de uma caveira (não sei como se chama) florescente de um dinonsauro que se "acendia" toda vez que eu entrava no seu quarto a noite!
    Saudade de ter você por perto, aprontando, mas sendo meu companheiro.
    Um Beijo.

  5. Mana disse:

    Como faz pra sair um desenho ai no legar desse quadrado verde quando eu escrevo?

  6. Igor Santos disse:

    Só pessoas cadastradas no WordPress podem escolher o ícone, como esse meu do raio.

  7. Fafá disse:

    Olha só.
    O irmão de um amigo meu, passeando pela Australia, numa Feira ou Exposição de sei-lá-o-q, bate os olhos numa figura e nao acredita no que vê. Sim, senhoras e senhores, o próprio ator do Beakman! Não se contendo, apesar do medo da reação da estrela, estigmatizada pela fama, o tal amigo cria coragem e vai falar com o sujeito.
    "desculpa se eu estiver sendo chato, mas vc não fez o Beakman?". Os olhos do ator se iluminam. "Poxa, faz muito tempo q eu fiz esse programa. E passou no Brasil?! Fico muito feliz! Valeu"
    Fim de carreira num estande de exposição de alguma empresa, mas é isso ae. O que vale é a obra prima pregressa.
    Mas a pergunta que não quer calar é: por onde andaria o Lester?

  8. ISis disse:

    Também queria ser cientista! Somos dois!

  9. ISis disse:

    Ah, mas virei contadora de histórias... que ainda adora esses programas

  10. Lucelia disse:

    POw! viajei na sua forma de escrever e,o mais interessante, como vc viveu algumas coisas em comuns referentes à curiosidade e a "salvacao das nossas almas" por meio do Beakman...

  11. Laila disse:

    Queria a teoria da experiencia de tensão superficial do barquinho de papael, tem como me mandar? Eu axo muito interessante, 😉

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