Carnatal em Natal

Minha vida cada vez se torna mais interessante.
Depois de adquirir sinestesia e sofrer de ataques de sonambulismo, alucinações táteis, memórias inventadas, de aprender que meu cérebro só precisa cheirar café para se sentir alerta e de me embriagar com a ebriedade alheia, hoje o meu cérebro fez “mais uma das suas”, como dizem os populares.
Daqui a pouco começa na minha cidade uma micareta, ou carnaval-fora-de-época, batizado de carnatal, um trocadilho vindo duma faísca brilhante rara de raciocínio marqueteiro (não vou colocar links, deve ser uma coisa fácil de achar por aí).
O evento ocorre exatamente no meio da cidade, na mediatriz, no epicentro, ponto zero, hub, miolo, meiinho, merm’numêi da passagem.
Hoje eu tive que passar por lá.
Mesmo dentro do carro lacrado, passando a uma certa velocidade, bastou o estímulo visual daquelas paredes de compensado amarelo recobrindo esqueletos de metal que dão sustentação aos camarotes e das tendas quadradas, desconfortáveis e calorentas para que eu sentisse O Cheiro.
Quem já participou de algo assim (e não é anósmico) conhece O Cheiro.
Ele está presente em qualquer festejo de rua que dure mais de uma hora e que aglomere mais de vinte pessoas por vinte metros quadrados.
Um aroma de algodão cru tingido com pigmentos artificiais volatilizados misturados com água e sais minerais provenientes da excreção dérmica, amargos resíduos líquidos e gasosos de grãos fermentados misturados com ptialina e ácido clorídrico com uma forte influência de nitrato morno recém expelido.
Me refiro à catinga de suor, cerveja e mijo que toma as ruas durante e após a festa.
O abadá, uma pseudopeça de roupa não-tratada e ridiculamente colorida que agrupa os foliões por poder aquisitivo e os permite andar, pular, se drogar e incorrer em promiscuidade dentro de um polígono irregular margeado por cordas suspensas por homens iguais, exala um bodum inigualável quando em contato com suor.
Em todos os meus anos de vida jamais me deparei com algo tão repugnante e insuportável quanto arroto de cerveja.
O líquido em si, ainda embalado, já não é tão nasalmente agradável, sendo esse o motivo que nos faz bebê-lo tão gelado (o frio diminui a exalação), mas quando semidissolvido em cuspe e suco gástrico se torna numa poção impossivelmente sebosa e revoltantemente podre.
Vou tentar não entrar muito em detalhes quanto ao cheiro de uréia curtida em calçamento quente pois ainda estou digerindo o meu almoço e quero aproveitar ao máximo o resto da energia ali contida.
Pois bem, bastou ver o local e resgatar uma memória (que infelizmente possuo) para sentir O Cheiro.
E é exatamente por isso que estou indo passar o fim-de-semana numa praia a cento e poucos quilômetros daqui.
Isso e a música. Não suporto axé-music (e como participei da primeira edição do evento, ainda sei decorado as imutáveis canções que embalam a festa).
Até segunda!
P.S. amanhã tem mais um enigma molecular na agulha, não percam!

Discussão - 5 comentários

  1. FENOMENAL!
    A descrição é ótima e me senti muito nerd por entender todos os termos usados, hehehehe.

  2. ajvictor disse:

    Cara, estava fazendo uma pesquisa sobre a meritrocracia, e do nada perdi o foco e entrei nesse blog, mas achei muito divertido a forma como tu vê o evento do carnatal... eh pura realidade. vlw!

  3. Felipe disse:

    Gente, mas que revolta! aehuhaeuhe
    Mas devo concordar que esses carnavais cheios de abadás e gente bebada se pegando não é uma coisa mto agradável de se ver.

  4. Wario disse:

    É O MELHOR CHEIRO DO MUNDO!

  5. Wario disse:

    Na verdade, cheiro de folia é o terceiro melhor cheiro do mundo. Perde para cheiro de carro novo e cheiro de equipamento eletrônico recém tirado da caixa ligado na tomada.

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