Homenagem a Darwin

Eu não sou do tipo que presta homenagens a pessoas mortas (não explicitamente, no entanto), mas este mês um dos livros que mudaram o entendimento do mundo está fazendo 150 anos, nove meses depois do autor completar 200 (números redondos: quem não gosta deles?).
Um parênteses rápido: (na minha cabeça, do jeito que eu enxergo as coisas, o livro pode estar fazendo aniversário pois ainda está por aí, mas o escritor não pode “completar ano” pois já está morto. No máximo eu poderia me referir ao fato de Charles ter nascido dois séculos atrás, mas aniversário aniversário não. Fechando a janela para dentro da minha mente e voltando à realidade,)
Antigamente, todas as lacunas eram preenchidas por um deus ou outro até curiosos corajosos começarem a bulir nas coisas e descobrir princípios. Um desses princípios é Evolução. Nós não somos do jeito que somos porque fomos projetados assim, mas porque precisamos ser assim senão “tchau, nós”.
Africanos são pretos para não morrerem aos oito anos de câncer de pele do mesmo jeito que suecas são da cor de vela para não terem seus ossos da pélvis esfarelados quando têm seu primeiro filho, aos quinze anos de idade.
Os traços bons vão se acumulando e se evidenciando, mas os traços bons para aquele ambiente específico.
Ser galego no equador é absorver muita radiação solar do mesmo jeito que ser negão no círculo ártico é não absorver luz suficiente.
É fácil raciocinar que “nossos narizes não são virados para cima porque é de lá que vem a água da chuva” como algum projeto pensado e estudado, mas a verdade é que somos naturalmente inclinados a não morrer afogados durante um temporal pois se já houve alguém com os buracos da venta em busca do firmamento, o destino foi mais cruel.
Tudo bem, péssimo exemplo.
Correr de um javali é bem mais fácil quando o suor da sua testa não escorre para dentro de seus olhos. Num ambiente que o faça suar muito e com muitos bichos querendo um pedaço seu, quanto mais sobrancelha você tiver, maiores suas chances de se trepar naquela árvore obviamente visível logo ali.
Vocês devem ter notado até agora que eu não dei um só exemplo que desprove um designer inteligente. E isso é verdade.
Até agora.
Eu sofro de tendinite mortal. Sinto dores terríveis (que incapacitariam qualquer pessoa menos bruta que eu) que vão da cabeça dos meus dedos até quase os ombros.
Meus tendões, do jeito que estão, só prestam para o lixo.
E por que eu sou assim?
Porque uso minhas mãos. Constantemente.
Sempre digitei bastante, sempre toquei muita bateria, piano e violão.
Tenho tendinite por sobreuso.
“Arrá! Mas suas mãos não foram feitas para coisas outras senão catar piolhos de seus familiares.”
Óquêi. E minhas costas? Teriam sido feitas para aguentar meu peso? Porque eu tenho tido problemas com isso recentemente.
Eu, Igor Santos, bípede, de uns anos para cá, tenho encontrado problemas em ficar de pé.
Admito que iniciei na musculação aos doze anos de idade (mesma época em que comecei a me barbear), mas não sei se fortalecer meus músculos necessariamente causaria um enfraquecimento lombar.
Mas, digamos que eu tenha quebrado um relé em algum lugar naquele dia que levantei 750kg no leg press.
E minha apnéia noturna? Não lembro de ter começado a fumar aos dois anos de idade para ter noites mal dormidas (especialmente para os que dormem na minha vizinhança) desde muito novo e acordar sem ar pelo menos uma vez por semana.
Não seria isso um defeito de design?
Eu sofro também de fotofobia (sou alérgico a luz), e aí? De quem é a culpa disso? Eu gostaria de pensar que não é minha, mas sei lá…
Enxaquecas eu não tenho, mas minha irmã sim.
Ela e boa parte da população do mundo. Seria isso uma peça essencial na maquinaria humana? Dor de cabeça sem causa?
Pensando mais profundamente nesse assunto, não somos totalmente incapazes frente a vírus? Teria sido o universo criado especificamente para que eles existissem?
Porque se a cosmicidade infinita existir para o nosso conforto, alguma coisa saiu bizonhamente errada e nós estamos perdendo.
Mas esqueçamos vírus por enquanto e vamos continuar na nossa discussão antropocêntrica: eu consigo pensar, de supetão, em pelo menos cinco pessoas que conheço, e com as quais tenho certa intimidade, que sofrem de diabetes.
Ambos os meus avós maternos morreram de câncer, bem como um filho deles, meu tio.
Ataques cardíacos são menos comuns no meu círculo de conhecidos, mas ainda estão suficientemente presentes para que eu me preocupe e faça um exame completo todo ano.
Todo esse leproseu descrito acima não é “falha de projeto” ou traços necessários, mas resultados de gambiarras evolutivas.
E a primeira pessoa a entender, descrever e divulgar isso suficientemente bem para ser lembrado um século e meio depois foi Charles Darwin.
(A frase a seguir pode ser meio confusa, mas eu explico melhor depois, pode ler sem medo.)
Evolução não é um caminho rumo à perfeição, mas etapas num processo de adequação ao ambiente, onde características adaptativamente desejáveis são estatisticamente selecionadas em detrimento de qualquer noção de projeto ou manipulação.
OU SEJA
Não estamos ficando cada vez melhores, apenas melhor adaptados ao ambiente.
De nada adianta termos os melhores pulmões debaixo d’água ou os melhores olhos na escuridão total.
E quanto mais seres existirem com a capacidade de ser dar bem em determinado ambiente, mais descendentes nascerão com a habilidade de melhorarem ainda mais, num círculo virtuoso de adaptação.
Deixando para trás as temidas gambiarras.
Eu ainda consigo comer, então para que gastar energia aperfeiçoando a disposição dos meus dentes para que, enfim, eu consiga completar vinte e quatro horas sem morder a parte interna da minha bochecha?
Ou, talvez, quem sabe, ter uma boca autolimpante que evite o apodrecimento inevitável de toda a minha arcada dentária?
Se funciona, deixe quieto.
O projeto sendo meu, as tubulações para material genético e excreções ácidas estariam separadas.
Melhor ainda, eu não despejaria tanto nitrogênio apenas para ter que completar o nível novamente depois.
Mas, infelizmente, somos todos feitos do pó de estrelas agregado (“nas coxas”, como dia o outro) em puxadinhos genéticos.
Meu carro (se eu tivesse um) é bem mais inteligente que eu no que diz respeito a consumo de água.
E qualquer avião voa mais eficientemente que qualquer pássaro.
Mais uma vez fazendo o universo girar ao redor do meu umbigo, eu pergunto: qual animal (com no mínimo metade do seu peso) você conseguiria derrotar num combate sem armas? Mesmo que seja para salvar a sua vida.
Se fôssemos especiais e o universo houvesse sido feito para nós, teriamos olhos de raio laser e poder de invisibilidade.
O maior problema da Evolução é a escala de tempo para que a menor mudança aconteça.
Na verdade o problema é nosso, que não somos bons em entender números grandes.
Daí a necessidade de simplificações.
E qual é a mais preguiçosa das reduções, qual rejunte lógico para os azulejos do pensamento seca mais rápido?
Pois é.
Por isso que são necessários curiosos corajosos para concluir que coisinhas minusculamente invisíveis causam mazelas em espécies que morfam sobre placas tectônicas móveis presas a um planetinha verde-azulado absolutamente insignificante que gira ao redor de uma bola gás incandescente amarela nos confins inexplorados da região mais brega da borda ocidental de apenas uma entre bilhões de galáxias e que há mais na vida que apenas superstição.
Você pode até achar que não, mas pensar dá muito trabalho.
Eu mesmo fico exausto todos os dias.

Discussão - 2 comentários

  1. Enik disse:

    Tá, mas você não tem Transtorno de Personalidade Narcisista e nem se agremia com outras pessoas com Esquizofrenia Paranoide ou Patologia do Pensamento Mágico. Você não parece ter Misologia, Dissociação Cognitiva, Dislexia ou Distúrbio de Déficit de Atenção.
    Se você tivesse, eu me sentiria eticamente culpado por interferir indiretamente na Seleção Natural te alertando que sem tratamento estes distúrbios podem ocasionar em sofrimento e tragédias.
    A menos que você pedisse ajuda minha ou de um profissional, o que talvez nunca acontecesse pois se você tivesse principalmente paranoia e narcisismo, recusaria ajuda e negaria o problema.
    Por sorte não há pessoas oportunistas tentando explorar um problema que você não tem.

  2. Homem do Bussaco disse:

    Não dá pra provar a inexistência de um designer inteligente mostrando que existem erros de desing. Um Airbus é resultado de um design inteligente, mas isso não impediu falhas no tubo pitot usado pra medir velocidade.
    Porém, que eu saiba, tudo em um ser humano ou em qualquer ser vivo dá pra ser explicado pela teoria da evolução. Realmente a dificuldade é pensar em escalas de tempo grandes. É muito difícil imaginar como um conjunto de células que sejam somente sensíveis a luz (que diga "tá claro" ou "tá escuro") se transforme em um olho altamente complexo. Mas é fácil imaginar que existam evoluções infinitesimais e, se forem contínuas e se tiver um tempo muito grande, poderemos ter como resultado coisas complexas como um olho.

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