Fidelidade evolutiva – amistoso ou Copa do Mundo?

Vários argumentos são cuspidos (por mim, inclusive) defendendo que o homem (com inicial minúscula) não é, evolutivamente, um bicho monogâmico, pois pode fecundar várias mulheres por semana (potencialmente e/ou em filmes), garantido maior espalhamento e chances de sobrevivência de sua herança genética.

Totalmente óbvio, não é mesmo, Dona Ruth?

Nem tanto.

Ser fiel à mãe de seus filhos faz sim sentido evolutivamente.

Mas para entendermos isso precisamos nos transportar para uma época menos Homo interneticus e mais Homo barbourofeliophobe.

Vocês já viram uma criança de dois anos? Já interagiram com alguma?
criança sendo agradável.jpg

Já notaram o quão fácil é derrubar uma? Especialmente quando se vem correndo à toda velocidade em sua direção?

E quanto tempo ela demora para se levantar? Isso quando chega a ficar de pé novamente! Na maioria das vezes apenas fica no chão chorando a plenos pulmões. =>

Não que eu já tenha feito algo assim com certa frequência por puro prazer sádico e ódio mortal a pessoas menores que eu e sem capacidade de reação adequada.

Não, de jeito algum. Só estava perguntando.

Pois bem, já notamos aqui como crianças são seres inúteis no que diz respeito a autossuficiência, pois elas precisam de proteção o tempo todo, não conseguindo se defender por si só.

(Sequer sabem correr decentemente, esses pequenos sacos de catarro e cocô…)

Logo, não há muita vantagem real em desperdiçar tanta energia produzindo sêmen para espalhar pelo mundo indiscriminadamente (a imagem mental é gratuita. Disponham) gerando criaturinhas tão frágeis e indefesas.

Um cardume de peixes e as centenas de filhotes de tartaruga que nascem duma vez protegem os indivíduos ali contidos, aumentando suas chances individuais de sobrevivência, permitindo que a espécie continue para se reproduzir outro dia.

Mas cada bebê humano nasce (geralmente) sozinho e sem capacidade de aglomeração intrínseca, então, do ponto de vista da espécie, ter muitos filhos separados é tão vantajoso quanto ter um filho apenas.

É muito mais jogo ter só um filho e cuidar dele até que ele possa, pelo menos, correr e subir nas coisas com certa desenvoltura (sempre lembrando, neste ponto da narrativa nós estamos numa época remota onde ainda éramos parte da cadeia alimentar pelos dois lados).

Se preparem pois agora eu vou quebrar o paradigma de vocês!
Prontos? Certeza?

Agora, vamos pensar do ponto de vista feminino!

(Doeu?)

Qual vantagem uma mulher teria em se deixar emprenhar por qualquer Zé (ou qualquer Ug, na nossa analogia temporal pré-histórica) quando ele bem entendesse?

Além de passar duzentos e sessenta e tantos dias dividindo sua energia com um tipo de parasita intra-abdominal, ainda precisaria, sozinha, buscar fontes de reposição energética. E isso só até o menino nascer.

Depois disso ainda precisaria dispor, por quase um ano, de pelo menos um braço para carregar o infante (que é incapaz de se segurar sozinho) enquanto se esconde de predadores e continua sua infindável busca por comida.

Sozinha.

Pessoas assim não ficariam muito tempo gastando espaço e recursos no mundo pois não passariam facilmente pelo crivo implacável da Seleção Natural.

Por outro lado, se conseguissem, creio que hoje teríamos uma raça de mulheres-caranguejo, com um braço bem maior que o outro e uma tendência a correr e escalar troncos de árvores.

Então, que tipos de mulheres e homens passariam melhor pelo vestibular da natureza?

Aqueles que gostam de ficar juntos por muito tempo (desde que consigam procriar em um tempo limite de mais ou menos dois anos, senão as vantagens desaparecem rapidamente e ambas as partes buscam novos parceiros em prol da continuidade de espécie).

Ou pelo menos até seus filhotes deixarem de ser completamente imprestáveis. Marca essa que é atingida em aproximadamente quatro ou cinco anos de vida (biologicamente, pois sociedade-modernamente o ponto de corte sobe para uns trinta, trinta e cinco anos).

Segundo a antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, após estudar dados de divórcios em várias sociedades ao redor do mundo (totalizando cinquenta e oito!), ela levantou uma hipótese de que existe um ciclo de quatro anos entre o “apaixonar-se” e o “desapaixonar-se”, pois o papel do casal como unidade reprodutiva já foi cumprido e, pelo bem da diversidade genética, devemos no “reapaixonar” por outrem:

“Se vemos isso em tantas culturas, talvez haja uma explicação darwiniana.

Talvez tenhamos nos adaptado ao que chamo de ‘monogamia serial’; uma série de relacionamentos de manutenção do par, pois indivíduos que têm filhos com mais de um parceiro tendem a criar maior variedade genética em suas crianças. Talvez, então, o fato do amor romântico ser tão inconstante e passível de acabar em relacionamentos seja um mecanismo evolutivo para promover variedade em indivíduos.”

P O R É M

A Natureza pode até não ser perfeita, mas também não é burra.

“Ficar juntos” não é um eufemismo do tipo “dormir juntos”.

A promiscuidade masculina, por existir e ser tão prevalente (sendo até constantemente exaltada em obras artístico-musicais do tipo forró e pagode), mostra que resistiu de certa forma ao processo seletivo. Mas como?

Mulheres só ovulam vez por outra (ouvi dizer que uma vez por lua, sendo férteis por apenas algumas dúzias de horas), então elas podem optar pelo macho mais carinhoso e mais dono-de-casa pela vida toda e, apenas uma vez, preferir um sujeito com bastante melanina protetora de ácido fólico e ossos fortes e compridos mas que não gosta de lavar fralda nem de acordar mais de uma vez seguida sob o mesmo domo cavernoso.

Outra hipótese sugere que o ciclo menstrual altera a percepção feminina de “par ideal”, como uma espécie de LSD hormono-romântica.

Em condições normais (a definição de “normal” sendo bem aceita como “qualquer sistema arbitrário praticado por uma maioria”), é bem mais vantajoso escolher um bom pai, do tipo caseiro, que compartilhe dos mesmos gostos.

Em condições décimo-quarto-dia, a Síndrome de Olívia Palito toma conta e vence o parceiro que tiver os bíceps maiores e maior diferença genética (facilmente medida através de uma rápida troca de ptialina).

Logo, seria possível manter uma população ativa de machos-alfa circulando promiscuamente entre as mulheres (durante o período de “lua cheia hormonal” que as aflige), eventualmente tendo a sorte de “converter uma cesta” (não sou bom com analogias esportivas, mas acho que a imagem abaixo é uma ajuda visual suficiente).
bola no aro.jpg

Algo sobre bolas e aros…

Com o lucro adicional de ter um filho do qual não precisará cuidar.

E um vezinha de nada basta. Só uma, na hora certa.

Ug nem precisa ficar sabendo, desde que ele cuide da cria (que tem até boas chances de ser mesmo dele).

C O N T U D O

Isso tudo antes de inventarem pílulas anticoncepcionais. Porque depois, aparentemente, todas as regras deixaram de valer.

Segundo o estudo do link acima, a preferência por parceiros, tanto de homens quanto de mulheres, varia de acordo com o ciclo menstrual (como eu já notei láááá em cima neste artigo que está se tornando desnecessariamente mais e mais longo, como se fosse um trabalho de escola com número mínimo de páginas) e o uso de pílulas anticoncepcionais pode, potencialmente, desmantelar esse mecanismo de escolha.

As mulheres perdem o discernimento e começam a querer namoro sério com os trogloditas e ter filhos com candidatos menos geneticamente diversos delas.

Uma conclusão do estudo (feita por Alexandra Alvergne and Virpi Lummaa, da Universidade de Sheffield) que eu achei particularmente interessante é de que as mulheres que usam os contraceptivos orais perdem parte de seus “atrativos ovulatórios” fazendo com que seus parceiros ideais de longa duração percam o interesse nelas (ou, melhor ainda, ganhe interesse maior em outra), gerando, mais uma vez, a danada da promiscuidade masculina.

T O D A V I A

Ainda outro estudo (o mais recente de todos, eu acho), mais uma vez contrariando meus preconceitos e preconcepções, parece sugerir que ainda estamos evoluindo, pois a humanidade está ficando mais e mais adaptada ao convívio social, e os homens que nascem naturalmente mais inteligentes parecem estar ficando mais fiéis.

Quem diria…

Seria então essa tendência à fidelidade uma resposta evolutiva para balancear o uso indiscriminado de anticoncepcionais?

Não, não acho que teria dado tempo. A pílula só existe há cinquenta anos.

!!!

Poderia ser o contrário? Será que as mulheres, ao notarem que estávamos ficando mais fiéis, inventaram um dispositivo para coibir nosso avanço no campo do equilíbrio reclamostático [1] e nos manter no estado corrente de constante perplexidade e alvoroço mental?

Talvez! É difícil dizer.

Não sei precisar exatamente quando o fenômeno surgiu, mas não acho que exista homens tão inteligentes no mundo há tanto tempo assim.
homem inteligente.jpg

My laws, yes!

[1] Equilíbrio Reclamostático – Situação hipotética altamente idealizada onde o volume de queixas tende ao estado de menor energia, representado teoricamente por um número natural sempre maior que zero.

Discussão - 7 comentários

  1. Genial, genial.... se puxou, hein?

  2. João Carlos disse:

    O trecho após "contudo" explica porque tem tanto corno por aí: o "pai-par-os-filhos" tem que ter certos atributos, já o "pai-biológico", outros... e é raro alguém ter todos.

  3. Eita...demorou mas foi inspirado esse hein?
    As mulheres-caranguejo e o equilíbrio reclamostático foram hilários!

  4. Bessa disse:

    Vi uma vez uma hipótese de que a monogamia (pelo menos a social) tem pressão do macho para evoluir. Olha só, em uma espécie poligínica 100% das fêmeas copulam com 30% (digamos) dos machos, os melhores da espécie. Uma outra teoria bem explorada nos peixes sugere que o primeiro parental a desertar a prole leva a vantagem de poder procurar outro par se apenas um dos pais conseguir salvar o filhote. Quem sabe se oferecer pra ajudar não foi a proposta dos 70% que ficaram na mão pra ver se saiam do marasmo sexual e isso desencadeou a monogamia?

  5. E pó pará com essa história de último post do 42.
    []s,
    Roberto Takata

  6. andre disse:

    Parabens pelo blog, muito bom mesmo. Cheguei pelo google e li varios posts.

  7. Rosemary Furlani disse:

    Ñ é que pensando bem, esse assunto nos faz visualizar algo q ñ conseguimos ver no dia-a-dia.
    Porém; esse papo de contraceptivo oral fazer perder o interesse sexual pela sua companheira, é só uma forma de disser que os tais companheiros são mesmo é uns galinhas. E se o homens que nascerar mais inteligentes são mais fieis, quer dizer que os que traem são o que mesmo?
    Mas valeu mesmo assim gostei!!!

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