Porque spams de chumbo em batons nunca morrerão
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O texto a seguir não é meu, mas uma tradução autorizada de “Why Lead in Lipstick Stories Will Never Go Away“, de Perry Romanowsk do blog Chemists Corner que incluo aqui como complemento para o meu desmistificador texto Batons com chumbo, de 2008.
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Essa conversa sobre o estudo em batons feita pelo Daily Mail que mostrou que 55% dos batons contêm traços de chumbo me leva a concluir que esse problema jamais irá embora.
O problema?
Não, não é o chumbo em batons. Isso não é um problema. Não existe nenhum estudo com credibilidade que demonstre que o nível de chumbo em batons seja algo além de seguro.
O problema é a crença de que não existem níveis seguros para chumbo ou mercúrio ou “toxinas” que podem ser tolerados em cosméticos.
Infelizmente, isso é um problema com o qual químicos de cosméticos precisarão lidar pelo resto dos dias. Algumas pessoas nunca entenderão a noção, colocada por Paracelso:[1]
“Todas as substâncias são venenosas; não existe uma só que não seja veneno. A dose correta é o que diferencia os venenos” Paracelso (1493-1541)
Por que?
Eu tenho pensado muito sobre isso por ser um assunto tão frustrante para os cientistas. Aqui estão cinco razões pelas quais eu acho que este problema nunca vai desaparecer.
1. Estórias de medo são mais convincentes que estórias de segurança.
Isto é uma coisa óbvia em jornalismo. As pessoas estão mais interessadas em notícias que as assustam do que naquelas que são tranquilizadoras. Sensacionalismo vende. Assim, estórias de cosméticos tóxicos sempre superarão outras declarando a segurança dos mesmos. E já que os cosméticos são, de longe, mais seguros do que a maioria dos outros produtos de consumo, os meios de comunicação terão que reinventar estórias sobre chumbo no batom. Simplesmente não há muito mais que isso.
2. As pessoas são analfabetas científicas.
Essas estórias de medo são convincentes porque as pessoas, em geral, são analfabetas científicas [não sabem necessariamente como a Ciência funciona nem se interessam por fatos científicos]. Elas também preferem respostas simples a respostas complexas; “chumbo = ruim” é uma coisa muito mais fácil para o público compreender do que “certos níveis de chumbo são ruins porém outros níveis são perfeitamente seguros”. A mercantilização do medo é eficaz porque quem propaga essas notícias o faz para um público que não é entende o bastante de ciências para julgar a validade da estória.
Você sabia que para determinar o nível de chumbo num batom você tem que usar ácido fluorídrico para separar o chumbo? O ácido estomacal não é forte o suficiente para separar os componentes de um batom que tenha sido ingerido, dessa forma, o chumbo nunca nem vai entrar em seu sistema!
3. As pessoas são incapazes de avaliar adequadamente o risco.
Outro imenso problema é que as pessoas não são boas em avaliar riscos. Eles se preocupam com chumbo em batom ou BPA em garrafas de plástico que têm níveis de risco na casa do 1 em milhões, mas nem pensam duas vezes em entrar num carro que tem um 1 em 100 chances de matá-los. Aqui está uma lista das coisas que matam as pessoas. Cosméticos não são uma delas.
4. A mensagem beneficia alguns vendedores.
Uma das razões pelas quais essas estórias vão continuar circulando é que alguns comerciantes usam o medo para se destacar de seus concorrentes.[2 – veja anúncio da Mary Kay mais abaixo] Quando você lê alegações como “sem parabeno” ou “livre de sulfato” em um recipiente, há a afirmação implícita de que essas coisas são perigosas ou ruins [ou, no caso deste açúcar, de que seus concorrentes estão usando enxofre na composição]. Estas não são mentiras diretas, mas implicitamente propagam mitos que ajudam empresas a se beneficiarem deles.
5. Efeito Dunning-Kruger.
Finalmente, há o “efeito Dunning-Kruger“. Esta é a noção de que alguém não qualificado em um assunto tem mais confiança na sua opinião sobre aquele assunto do que alguém que realmente sabe alguma coisa sobre aquilo. Então, você tem livros escritos por agentes de relações públicas e modelos de passarela expondo a toxicidade e perigos de cosméticos. Por que é que as pessoas que passaram suas carreiras a pesquisar e testar produtos cosméticos não estão escrevendo livros assustadores sobre cosméticos? Por que será que justamente as pessoas que provavelmente mais conhecem a verdade sobre se os cosméticos são perigosos não estão escrevendo esses livros?
Dunning Kruger explica.
Formuladores cosméticos
Então, o que isso significa para cosméticos e químicos de cosméticos?
Em alguns aspectos estórias assim são positivas para os químicos de cosméticos. Sempre que um ingrediente cai sob a mira de uma ONG (organização não-governamental) fiscalizadora, os fabricantes de cosméticos se movimentam e colocam seus cientistas para trabalhar, desenvolvendo versões de fórmulas que não contêm o ingrediente visado. Este trabalho de formulação defensiva pode manter as pessoas com um trabalho remunerado durante anos.
No entanto, isso significa que você não vai conseguir criar qualquer inovação real ou desenvolver produtos com novos benefícios. Você simplesmente gasta seus dias reformulando produtos que funcionam perfeitamente bem usando ingredientes alternativos, geralmente de baixa qualidade. (Se não fossem de qualidade baixa, estariam sendo usados desde o começo).
Mas, infelizmente, o mundo é assim. Até que melhore-se a educação científica em nosso país e em todo o mundo, as pessoas ainda vão achar “Chumbo no Batom” convincente.
— Notas do tradutor —
[1] Essa passagem (e o link associado) diz respeito ao fato de que, na dose correta, qualquer substância se torna perigosa. Os mais perigosos são aqueles cujas doses prejudiciais são menores (ácido sulfúrico, soda cáustica, cianureto, metanol), mas até água e ar podem se tornar venenos quando em doses grandes o suficiente.
[2] Isto abaixo é um cartaz que supostamente a empresa Mary Kay está dispersando pelo Facebook (citando parágrafos inteiros do meu texto sem os devidos créditos corretos), se aproveitando da situação para virar o jogo a seu favor (clique para ver a imagem do tamanho correto):
Agradecimentos especiais a Pedro, por ter chamado minha atenção para o original.
Discussão - 4 comentários
[...] Leia também: Porque spams de chumbo em batons nunca morrerão. [...]
[...] EM 13/12/12 – Leiam também este texto e entendam porque spams assim nunca vão parar de [...]
Na verdade, não foi a empresa Mary Kay quem criou este banner explicando a polêmica do chumbo nos batons da marca, mas sim uma diretora/consultora pertencente à empresa (vide o site dela escrito na imagem, tá na tampa do batom, e na bala do batom também).
O intuito dela foi apenas desmentir a confusão, já que as vendas ficaram prejudicadas e muita gente estava querendo processar (???) a empresa por causa do 'chumbo', coisa de gente ignorante que não é capaz de fazer uma pesquisa sequer.
Sobre os créditos... acho que ela deu sim os créditos ao seu blog. Tá ali na imagem, à direita, ó! Não viu?
O problema maior foi esse: consumidoras desesperadas, querendo devolver batons, processar as empresas citadas no spam mentiroso, e todo o alarde besta que foi criado (e que ainda repercute até hoje).
Seu blog é muito bom, parabéns! Mas as vezes você também se engana. Easy, fido.
Bom trabalho, e continue fazendo-o. Você é um ótimo profissional, escreve muito bem, e seu trabalho com o blog é sempre muito útil e feliz.
Att., 🙂
Camila, agradeço a visita e os elogios.
Quanto às suas observações, note que eu escrevi "sem os devidos créditos corretos". Eu vi que ela citou o Scienceblogs, mas isto é o portal que abriga o 42., este blog. O endereço correto para os créditos seria scienceblogs.com.br/uoleo.
E quando uma representante não explicita uma atitude como pessoal (me desculpe, mas o endereço no batom nem está suficientemente legível nem ela demonstra não estar falando pela marca em qualquer ponto da mensagem), ela está agindo corporativamente aos olhos dos consumidores, pois é justamente aquilo; uma representante. E, em casos assim, a metonímia é inevitável.
Eu não ganho dinheiro com o blog, sou pago apenas com elogios e reconhecimento, daí minha superproteção ao conteúdo.
Mais uma vez, agradeço pelo seu comentário.