Se liberarem o casamento gay, daqui a pouco tem gente querendo casar com cachorro

, diz o sujeito que acha normal e completamente lícito se aproveitar dos instintos gregários de um cachorro para mantê-lo no quintal arriscando a vida como cão de guarda. Ou diz a madama que nunca deu uma só hora de expediente na vida e tem um Lasha Apso que recebe mais atenção que suas próprias filhas, incluindo bolo com velas e festa no dia do seu aniversário.

Esse mesmo casal hipotético (mentira, ambos existem) não enxerga qualquer abominação no ato de levar seu animal para ser cruzado com outro, completamente desconhecido, de onde sairão filhotes que virarão rapidamente mercadoria (mais sobre isso adiante).

Creio que essas mesmas pessoas que dizem que a gayzada não pode se casar são as mesmas que estão se revoltando contra os direitos das empregadas domésticas (às quais se referem apenas por “domésticas”, para não deixarem cair no esquecimento os “bons tempos de antigamente” em que escravos se dividiam entre os de lida e os domésticos). Ou seja, essas pessoas ainda acreditam na noção bíblica (uns quatro ou cinco mil anos defasada, modernizada apenas pela influência europeia bimilenar por conveniência cromática) de que as pessoas podem ser divididas em níveis, ou subclasses; brancos ricos > brancos pobres > animais domésticos > animais de produção > pretos e pobres em geral > animais selvagens > abominações perante deus.

Essas mesmas pessoas respeitam a dignidade de animais da carne vermelha (em homenagem à lenda do Hércules hebraico) enquanto, ops!, esquecem de respeitar o dia de descanso da empregada já que “esse bacalhau não vai se dessalgar sozinho e você faz bem melhor que eu e não precisa ficar até tarde, pode sair assim que servir o almoço e tirar a mesa, não precisa vir amanhã mais cedo, pode lavar os pratos antes de sair”. O potencial de enganar a si mesmo com desculpas esfarrapadas é quase tão ilimitado quanto a hipocrisia humana. “Afinal, ela só trabalha aqui por que gosta, se não gostar pede demissão, tem uma fila de gente querendo trabalhar de doméstica e ainda estou provendo para a minha família” – que só se reúne nos almoços de domingo porque ninguém se aguenta com uma frequência maior que essa. E se o restaurante aceitar cachorros, ele vai junto.

Eu até me perguntava “o que diabo essas pessoas têm para se importarem tanto se um cara quiser realmente casar com seu cachorro” até lembrar que já ouvi de uma sujeita que os animais são inocentes (“menos gatos; gatos são dissimulados” e altamente antropomorfizados) e precisam ser protegidos. Para uma pessoa assim, o bem estar dos animais (que não são Os Animais, mas especificamente o seu cachorro) está tão acima dos direitos de um colega de humanidade que ela cria uma ponte lógica que vai de [casamento gay] até [casamento zoofílico], passando apenas por uma etapa, aquela onde os animais criam consciência momentânea apenas para serem contra seu próprio casamento com um humano, possivelmente gay.

Lembram do casal lá no começo do texto que levou seu cachorro para cruzar para que eles e os donos da cadela pudessem vender os filhotes? Se os animais são tão inocentes e precisam tanto de proteção e não entendem o que está acontecendo e não podem casar com gays, por que então, ó demônios que assombram o caráter dos cristãos, eles podem ser forçados a fazer sexo com um outro animal que nunca viram na vida e podem ser vendidos a qualquer um com dinheiro suficiente logo após tomarem a primeira vacina (e terem orelhas e rabos decepados, outro comportamento completamente adequado na cabeça mal formada desses retardados evolutivos com seus cérebros e capacidade cognitiva de lagartos)? Hein? Alguém tem uma resposta?

Ou a resposta é “animais só devem ser defendidos em situações que envolvem indivíduos dos degraus mais baixos da escala de importância – onde aqueles dos quais tenho medo são os mais rebaixados”?

Eu tenho das certezas a mais absoluta que aquele mesmo casal tradicional, em algum momento (talvez numa época de vacas magras, quando a madama achou que deveria pular do barco antes deste afundar ou quando o sujeito conheceu uma dona na Internet e viu crisedemeiaidademente um futuro melhor e mais sexualmente ativo com ela) já chegou ao limite do matrimônio e, enquanto considerava se valeria mais a pena vender o carro agora ou dividir o valor depois, jamais algum achou ruim a existência do divórcio. Que, junto com morte, é a principal ameaça à sagrada instituição do casamento que tanto querem proteger – desde que seja o dos outros.

Porque só um muito profundo desejo freudiano de controlar os outros explicaria esse tipo de atitude, já que existe tanta gente que se sente agredida quando me vê na rua andando descalço, como se o fato de eu ter uma postura altiva ao mesmo tempo em que tenho pés de agricultor fosse uma ofensa pessoal àquele indivíduo que, obviamente, é o centro de todo o universo e pode, não, DEVE!, ter poder de controlar a tudo e a todos.

Desde que seu poder não possa ser aplicado nele mesmo e nunca interfira nos seu desejo de castrar, mutilar e estuprar por procuração animais, nem no seu direito sagrado de não pagar hora extra para a empregada porque ela precisa trabalhar no dia que é sagrado e de descanso para você e para mais ninguém que se intrometa na sua comodidade.

A única “feliz páscoa” aceitável por aqui.

Discussão - 4 comentários

  1. Vitor disse:

    Perfeito, meu amigo.

  2. Eu defendo a liberdade individual, mas precisamos de limites: caminhar descalço na rua é demais. Daqui a pouco tem gente andando por aí pelada, como se fosse uma coisa natural,

  3. […] Lá. Aqui não. Aqui as marrons precisam ganhar dinheiro limpando “casa de família“. […]

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