Quantas cores cabem no seu cérebro?
O registro hidráulico do meu banheiro está vazando água numa frequência estalactítica. De fato, “vazando” talvez não seja o termo adequado, visto que o escape de água é tão lento que as poucas gotas que se projetam para a parede evaporam antes de escorrer mais que um ou dois centímetros.
Cada gosta carrega consigo uma quantidade ínfima de algum metal oxidado (que suponho seja proveniente da rosca de metal do próprio registro, provavelmente cobre) e, por causa da lentidão do processo, água suficiente evapora no mesmo lugar a ponto de deixar um rastro metálico azulado que vem crescendo ao longo do último ano e meio e já deve ter uns dez ou doze centímetros.
Ontem, numa explosão de iniciativa, eu resolvi passar um quadrado de papel higiênico transversalmente ao rastro para identificar se a situação pode ser remediada apenas com material absorvente ou se vou precisar passar uma lixa na porcelana (não, isso não é um eufemismo). E qual não foi a minha surpresa, constatando a fresca umidade do material desconhecido, ao notar que o papel ficou sujo com uma substância verde, e não azul como eu supunha que ficaria. Vendo que o papel estava verde, olhei novamente para o rastro anteriormente azulado e, desde então, não consigo ver outra cor que não verde.
Como na ilusão da bailarina, a permanência e imutabilidade física do objeto mudaram sob meu vigilante olhar. O rastro acusador de descuido mudou de azul para verde.
Algum tempo atrás, Kentaro demonstrou como nosso cérebro é inútil quanto à objetividade cromática. Mais praticamente, várias línguas ao redor do mundo tratam verde e azul pelo mesmo nome.
Consideravelmente mais confuso, no entanto, é o tratamento que Homero dá à cor do céu no livro 17 da Ilíada (tradução minha, já que as que encontrei são ainda mais confusas e ainda mais difíceis de traduzir para um português mais modernamente acessível):
Os troianos, por sua vez, também falavam uns aos outros: “Amigos, mesmo que não sobre um só de nós ao lado deste corpo, não nos deixemos temer a luta.”
Tais palavras os animaram e eles lutaram e lutaram, um ressoar de ferro subindo, pelo ar vazio, ao céu de bronze.
Homero provavelmente sofria de algum problema visual (ou mental, algo como Síndrome da Extrapolação Poética Exagerada), já que se refere ao mar como tendo cor de “vinho escuro”. Ovelhas também têm essa cor para o autor. Mel, por sua vez, era um verde igual ao dos rostos furiosos dos combatentes.
Ou não. Ele descreve eventos que ocorreram alguns séculos antes do seu tempo, lá pelo ano 1260 AEC que é também, mais ou menos, quando o tanachco livro de Jó foi escrito (PDF – página 37). Livro em cujo capítulo 37, versículo 18, o céu é comparado a um “espelho de bronze”.
Será que por volta do século -12 o céu era realmente abronzaiado? Ou apenas a palavra “azul” (e, portanto, a sua percepção) ainda não existia?
E no x-burguer abaixo, qual tom de verde você diria que a alface apresenta?
Porque, na verdade, a imagem acima não contém cor alguma que não tons de vermelho e de cinza (incluindo o fundo “preto”).
Como a prova do que eu estou dizendo não existe mais no ar, dirija-se ao Wayback Machine mais próximo e confira.
(Alternativamente, neste link você vê um zoom do quadrado evidenciado.)
Finalizando, um dos meus desenhos favoritos, já em domínio públio e na íntegra, Beety Boop em “Pobre Cinderela”:
Notou as cores? Notou quantas existem?
Desenhos de Betty Boop sempre foram produzidos em preto e branco, exceto o exemplo acima, onde o preto foi substituido pelo vermelho e o branco pelo verde (ou seria azul?). Tecnicamente, o desenho acima contem o mesmo número de cores que seus antecessores P&B. Seria algo como “256 tons de marrom verde-avermelhado”.
E então, o rastro oxidado no meu banheiro é azul? O desenho de Betty Boop é verde? O céu é bronzeado? A alface é verde?
Segundo o meu resultado deste teste (mostrado abaixo), minha discriminação de cores é até boa (melhor quanto mais perto do zero, pior quanto mais perto de mil) mas nem isso me ajuda a distinguir um verde-azulado de um azul-esverdeado.
Discussão - 9 comentários
é, eu desconfiei que havia alguma diferença entre nós mesmo... No início já estranhei você descrever esse rastro como azul ao invés de verde... E achei a alface vermelha mesmo (sim , eu já caí em pegadinhas de cor, mas essa eu achei fraquinha...)
e confirmei no final quando fiz o mesmo teste que você e marquei 7 :-/
e a propósito... Parece que esse teste pode resultar em valores negativos.
Não tenho como conferir que a foto não aumenta o viés verde porque, como disse, acho impossível ver o azul novamente. Quanto ao teste, minha mulher levantou a possibilidade do brilho/contraste do monitor interferir na pontuação também. Não sei, sempre me achei cromaticamente deficiente. Enxergo melhor no escuro, quando tudo é preto e branco.
Fui com 0 no teste (nunca achei tão legal tirar zero, haha) e, pelo menos na foto, o rastro é definitivamente verde, desde a primeira vista.
O meu deu 22 (quanto menor, melhor)...
Quanto deu o da Rainha dos Tons e Subtons (Meire)?
Ela não fez ainda.
Pedro, o meu deu 15 mas no monitor do minibook. Vou tentar de novo mais descansada e com meus óculos (tenho miopia, ehehehehe!). Bj
Acabei de refazer e deu 4 (quase não prestei atenção no primeiro). Mas a principal zona problemática também foi entre verde e azul, como a tua...
Eu fiz de novo e deu 34. Acho que o contraste do monitor interfere bastante.
Nota 7, boa, e tirando uma dúvida que sempre tive, não distingo verde azulado de azul esverdeado mas não sou daltônica, rs. Grata
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