Moedas falsas de 1 Real e 50 centavos? Ou só um país vira-lata?
Na imagem abaixo, ache a moeda falsa!
Uma mensagem de alerta acerca de moedas falsas de 1 real e cinquenta centavos vem circulando desde 2002 num tipo de spam não necessariamente por email. Achar posts, imagens, tuítes, vídeos e compartilhamento de Facebook que afirmem isso não é difícil. O difícil é confirmar a veracidade das informações antes de sair por aí espalhando o que pode ser mentira.
(Né, Internet? Estou olhando para você.)
Às vezes até alguém com espírito mais empreendedor tira uma ruma de moeda fedida do bolso para uma demonstração ao vivo. Ninguém tem nada a ganhar com isso, assim como ninguém tem nada a ganhar inventando que carro quente produz benzeno. [1]
As alegações são, via de regra, as seguintes: as moedas falsas são mais leves, não brilham como as verdadeiras, não são atraídas por ímãs, os detalhes são grosseiros, a falsa é “mais oval”, o tamanho dos detalhes “são um pouco maior, pouca coisa, mas são!” e etc. Cada um tem sua teoria.
O que não significa que não estejam todos certos, visto que não existiria só um falsário fazendo moedas sempre no mesmo padrão. O problema aqui é, como muitos outros problemas na vida, ignorância dos fatos.
Mas, antes disso, outro teste rápido. Qual dessas duas joaninhas é uma aranha?
Se você procurar diferenças você vai achá-las. Não necessariamente porque elas existam, mas porque você está se concentrando tanto em anomalias que vai acabar achando alguma. Ou achando que achou. Isso se dá porque você está comparando apenas duas moedas e considerando que uma é necessariamente verdadeira e a outra é necessariamente falsa. Logo, qualquer risco, qualquer deformação, qualquer desgaste será interpretado como prova de diferença entre as duas, uma sendo legítima e deixando a outra como cópia barata.
“Ei, bonitinho, você me chamou de ingnorante e vai ficar por isso mesmo?”
Hum. Tá, não é todo mundo que visita a página do Banco Central quando está com tempo livre, então vou deixar aqui um link com as características relevantes.
As moedas são diferentes e legítimas. Mas isso você não notou até alguém ter dito que uma é falsa. Então, você até passa a achar a moeda mais leve apesar de uma diferença de oitenta e quatro centésimo de um grama. Mas, sei lá, vai que você realmente é capaz de detectar uma diferença de 12% no peso entre duas moedas e é uma daquelas pessoas extraordinárias que é (como a maioria da população) acima da média. [2]
É como comparar as duas joaninhas da imagem acima (pois é, ambas são joaninhas). Se você supõe previamente que uma delas é falsa, você vai concluir que uma delas não é uma joaninha. Não porque ela realmente seja uma aranha (a da foto abaixo, ao contrário da primeira, é sim uma aranha disfarçada) ou outra espécie de inseto, mas porque você chegou a essa conclusão antes de obter dados suficiente para qualquer conclusão, positiva ou negativa.
Isso é comum em apologistas de pseudociências como auto-hemoterapia, homeopatia, florais de Bach, shiatsu, ortomolecular e demais charlatanices. Eles já começam partindo do pressuposto de que X faz mal, onde X é geralmente algo que funciona, tipo medicina ou farmacologia, mas eles não entendem como (criando um medo irracional que os faz querer atacar e xingar de “vendido” qualquer um que afirme o contrário). Os que são um pouquinho mais dispostos da cabeça (e não pegam toda informação acerca de sua religião prática exclusivamente através de um blog escrito todo em maiúsculas e negrito) até se dão ao trabalho de ler um artigo ou outro, mas já tendo certeza de que, digamos, exercício e dieta balanceada não funcionam, pois o que funciona é só sua religião prática e só pode ter uma coisa no mundo que funciona e tem que ser a sua religião prática. No artigo tem algo como “mas certas pessoas têm problema no joelho” ou “exceto naqueles com alergia a amendoim ou nozes” e, se congratulando, dizem para si mesmos “ARRÁ! EU SABIA! TODA A MEDICINA OCIDENTAL ESTÁ ERRADA!”.
No caso da joaninha ela precisa ter cor vermelho-suvinil, ter bolotas pretas por toda parte e uma cabeça de Rorschach. No caso da pseudociência ela precisa não ter nenhum efeito colateral, nenhum efeito direto detectável por qualquer instrumento que não minha própria fé e precisa ser algo que não me assuste. No caso das moedas, elas precisam “ser da cor certa, ter o formato certo e as propriedades certas”. E quem decide o que é certo é a moeda que eu “sei” que é verdadeira. Como a outra não se enquadra nas categorias arbitrárias pré-dados, ela tem que ser falsa.
E quais os dados que faltam? No caso das pseudociências, todos. No caso das moedas, isso aqui:
A partir de junho de 2002, o Banco Central coloca em circulação moedas de 50 centavos e de 1 real com pequenas modificações em suas características físicas.
Um aumento significativo no preço dos materiais utilizados na fabricação das moedas levou o Banco Central a estudar alternativas para garantir a continuidade na sua produção. A solução encontrada foi a substituição dos metais utilizados: o cuproníquel e a alpaca foram trocados, respectivamente, pelo aço inoxidável e pelo aço revestido de bronze.
Na prática, as modificações na moeda de R$0,50 – de disco prateado – e na de R$1,00 – de núcleo prateado e anel dourado – são pouco significativas. Além de apresentarem pequenas alterações de tonalidade e brilho, as novas moedas ficaram ligeiramente mais leves. Já os desenhos de ambas não sofreram nenhuma modificação.
E, saca só!, nem cuproníquel e nem alpaca (liga de cobre, níquel e zinco) são ferromagnéticos e, como tal, não são atraídos por ímãs. São também ligas mais maleáveis que aço, ficando mais propensas a riscos e pequenas deformações. E, talvez o fator que mais influencia a dicotomia falso-verdadeiro, são ligas consideravelmente mais foscas. Depois disso, qualquer estrela mais gordinha ou qualquer olheira na República ou pé-de-galinha no Barão de Rio Branco é prova de falsidade.
Só que não.
O Brasil é um país vagabundo e vira-lata, que acha que é primeiro mundo e cunha moedas de cuproníquel/alpaca mas não tem sequer condições de recolher moedas que já circulam a vinte anos no modelo errado e deixa de usar cuproníquel/alpaca depois de apenas três anos porque eles são caros demais e o custo não é compensado pelo valor irrisório da face. [3]
Mas o Brasil é um país rico! E auto-hemoterapia cura câncer! E shiatsu tem comprovação científica! E homeopatia não é só água e açúcar! E o PT é diferente do PSDB!
Ah, e nossas moedas de “cobre” e “bronze” são apenas aço-inox pintado. Cobre (matéria-prima do bronze, do cuproníquel e da alpaca) é caro. Que o digam aqueles que ganham a vida minerando cobre nos postes públicos enquanto passam displicentemente a oportunidade de recolher capôs de carros.
O risco de espalhar esse tipo de boato (sem sequer pensar em procurar por confirmação robusta) pode parecer baixo, ou até nulo, já que você provavelmente tem mais de uma moeda no bolso – talvez até algumas notas. Mas e se alguém sem muitos meios vai comprar R$1,50 de pão e o padeiro nega, alegando que o cliente está tentando repassar dinheiro falso? O mínimo que pode acontecer é o sujeito passar fome enquanto, literalmente, joga dinheiro fora e, no pior caso, pode ir preso injustamente porque você (sim, você, espalhador de boatos) saiu por aí dizendo inconsequentemente que moeda fosca é falsa, o que, no fim das contas, só serviu para jogar um pobre coitado e faminto na cadeia.
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[1] Fora notoriedade, claro. E a sensação de “sou um verdadeiro Sherlock desvendando esse caso!” que acomete boa parte da população que nunca leu uma só linha de Sir Doyle e não sabe o trabalho que o detetive tem antes de sair por aí acusando alguém de roubar um peru. Poirot – este sim desvenda mistérios sem se levantar da cadeira.
[2] Não, você não é. Especialmente considerando que o modelo mais recente é que é o mais leve.
[3] E quem vai perder tempo falsificando moedas de Real? Sério. Quem?
Discussão - 12 comentários
Por outro lado o Banco Central poderia facilmente ter evitado isso alterando o desenho da moeda quando fabricada de material diferente, assim as diferenças seriam tão óbvias que não haveria suspeita de que elas se devem a um processo de falsificação falho.
(A propósito, essa ideia de fazer algo propositadamente diferente para enfatizar que não é igual parece ser comum — eu lembro de ter lido que a Pepsi teria condições de fazer seu refrigerante mais parecido com a Coca, mas ela não o faz justamente para evitar ser processada — será que esse processo tem um nome específico?)
Ou ainda, fazer como vários países fazem e mudar a imagem do verso vez por outra. Fizeram duas vezes com as de 1 Real e uma vez com as de 10 e 25 centavos, mas desistiram de continuar.
Cara, uma vez na vida eu peguei uma moeda falsa de 1 real, ainda quando era aquelas moedas antigas (com só um metal). Não percebi a diferença até alguém me avisar e aí eu percebi vários erros grosseiros, por exemplo, as duas faces estavam em ângulo diferente. Numa moeda normal a "cara" e a "coroa" são opostas em ângulo de 180 graus, a que eu peguei era em uma posição completamente aleatória. Fora o peso, que não era diferente em uns 10%, era muito mais, na verdade, a moeda parecia que era feita de alumínio.
Abraço
Nesse caso já passaria para o patamar do óbvio. Num tempo sem cuproníquel/alpaca, qualquer moeda não magnética seria automaticamente falsa (fora que a diferença no peso já seria facilmente detectável mesmo).
O problema é quando tentam dizer, ignorantemente, que moedas legítimas são falsas.
Fico pensando se não seria mais lucrativo pro BC deixar as moedas falsas em circulação, obviamente não deixando de criminalizar sua produção.
É como se alguém tivesse fazendo dinheiro por você(BC), de graça! Basta adicionar o falso na economia pra ela crescer, não tendo valor para quem o produz/distribui, este sendo preso e tendo que pagar multa relativa a produção/arrecadação. O Brasil ganha em dobro!
Sei lá...
A economia não cresce com mais dinheiro em circulação, ela diminui. Quanto mais dinheiro físico em circulação, menos valor a moeda tem.
Pense em metais preciosos, que só o são por serem raros.
Eu já fui policial, atesto que apenas especialistas podem estabelecer a veracidade da moeda ou não. Porém a falsificação existe e é feita em larga escala, são feitas moedas de 50 centavos que insistem em circular no modelo antigo, estas sim são facilmente falsificáveis, aliás, isso é feito em qualquer país do mundo, é uma falsificação barata e lucrativa, porém em baixa escala por causa dos problemas de distribuição, é preciso distribuí-las no comércio, e um grande volume de moedas chama muito a atenção...
http://www.parana-online.com.br/editoria/pais/news/613657/?noticia=DESCOBERTA+FABRICA+DE+MOEDAS+FALSAS+EM+CAMPINAS
E é daí que eu tiro a vagabundice do país. Por que não recolher as moedas antigas como fizeram com as de 1 Real? A resposta é somente "custo". Um país vira-lata que não tem dinheiro para recolher moedas facilmente falsificáveis mas se acha de raça e começa a produzir outras usando metais caros.
Só corrigindo, "Porém a falsificação existe mas é feita em BAIXA escala",
Igor,
Essa questão de levantar boatos e eles tomarem ar de realidade é mesmo uma coisa complicada. É aquela velha apofenia dos nossos cérebros ficarem condicionados a algo, e quando vemos pequenos sinais que correspondam aquilo em nossos "banco de dados", acabamos por nos equivocar! (Aliás, ótima matéria!)
Entendi o recado do blog, mas parece que nem todos entenderam.
Lendas urbanas. Ou senso comum. Eu me preocupo com isso, e não saio espalhando boatos sem antes confirmar as fontes. Conselho: não acredite no que as pessoas dizem por aí, nas filas de banco, nos supermercados, nos bares. Questione. Pense....Valeu IGOR.
Obrigado pelo comentário, Pedro.
O problema maior de algumas pessoas é que elas têm tão pouca coisa na vida que, depois que caem numa mentira desse tipo e passam a acreditar nela, consideram um ataque pessoal qualquer crítica ou tentativa de desbancar a mentira, mesmo que esta venha apenas da opinião de algum desconhecido e a verdade venha acompanhada de provas documentais e lógica.
Mas a vida é assim mesmo, alguns sempre vão cair em alguma coisa. O que podemos fazer é continuar questionando tudo.