Resenha – Formação do Brasil Contemporâneo

“Salvo em alguns setores do país, ainda conservam nossas relações sociais, em particular as de classe, um acentuado cunho colonial. (…) Quem percorre o Brasil de hoje fica muitas vezes surpreendido com aspectos que se imagina existirem nos nossos dias unicamente em livros de história.”

Surpreendentemente (ou não), as palavras acima foram publicadas pela primeira vez 72 anos atrás. Caio Prado Jr. descreveu, em 1942, um Brasil que parece recém saído da situação de colônia escravista, onde o trabalho livre ainda é desorganizado, a economia interna ainda é quase inexistente e a sociedade ainda não aprendeu a lidar com a falta de escravos sociais. Isso tudo, tristemente, continua desconfortavelmente atual hoje em dia, quase duzentos anos depois do nosso “grito de independência”.

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Formação do Brasil Contemporâneo foi o livro que mais contribuiu para o autoconhecimento do nosso país, até então dividido em ilhas de informações com intercomunicação inadequada. Ele investiga esmiuçadamente a realidade do país desde que éramos colônia portuguesa até a entitulada formação do Brasil como nação.

A forma como ele expõe os problemas atuais (sim, a maioria continua bem fresca, mostrando como evoluímos muito pouco nos últimos dois séculos) e suas causas no passado nos ajuda a compreender o contexto para o resto do livro e nos dá os fundamentos do que ele pensa ser a melhor forma de resolver nosso ranço colonial, que serviu para nos distanciar do resto do mundo, e que nos desviou para o lado errado da evolução social.

Caio Prado Jr. deixa bem claro que fomos colonizados somente para facilitar os interesses mercantilistas, transformando o país num imenso galpão fornecedor de riquezas para os outros e que isso nos afeta até hoje (1942 para ele, 2014 para nós). Por estarmos na zona tropical, nossa sociedade foi inventada, diferente da tradicional sociedade colonial temperada, parecida o suficiente com a colonizadora a ponto de ser quase uma extensão desta. Aqui fomos diferentes desde o primeiro dia. A ocupação do interior, por exemplo, foi apenas uma necessidade num mundo sedento por monoculturas, tanto agrícolas quanto pecuárias.

Ele fala também sobre as raças no Brasil, reclamando da falta de análise sistemática que “[f]ornece por isso ainda muito poucos elementos para a explicação de fatos históricos gerais, e temos por isso de nos contentar aqui no estudo da composição étnica do Brasil, em tomar as três raças como elementos irredutíveis, considerar cada qual unicamente na sua totalidade“. Especialmente na homogeneização dos escravos, provenientes de várias culturas distintas que foram forçados a conviver sob o peso dos grilhões pelos brancos, geralmente católicos.

Outra parte interessante é quando ele discorre sobre a criação disforme da nossa sociedade, antes baseada no mercantilismo e escravidão, que precisa agora crescer, de alguma forma, num mundo onde existe liberdade social e econômica. Esse monstro que se forma dessa situação cria a nossa sociedade com imensas fendas entre os abastados, que podem ter tudo do bom e do melhor que a Europa pode oferecer, e os desafortunados, impedidos de possuir.

Isso lembra alguma coisa?

Da colonização e povoamento, passando por economia e comércio e findando em (literalmente, sendo a última parte do livro) vida social e política, uma excelente leitura; didática e intrigante. Certamente, este é um dos livros que sempre quis ler mas me faltava oportunidade.

O volume acaba com uma entrevista sobre a importância histórica de Formação do Brasil Contemporâneo com o historiador Fernando Novais, seguida por um posfácio de Bernardo Ricupero.

O livro é muito bom para nos fazer enxergar como nossa sociedade mudou muito pouco nestas últimas oito ou doze décadas e que algumas soluções que poderiam ter sido postas em prática antes ainda têm seu lugar hoje em dia.

Recomendo para aqueles que gostam de aprender de onde vieram e, tudo coninuando da mesma forma, para onde irão. Talvez marxista demais para a maioria dos gostos, mas objetivo em suas descrições.

A bibliografia me deixou um pouco nervoso. É muita coisa interessante e muito pouco tempo para ler (ou até achar) tudo.

E, como bem lembrou minha esposa, Caio Prado Jr., Darcy Ribeiro (O Povo Brasileiro – também na Companhia das Letras) e Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) são os três autores indispensáveis para aqueles que querem entender melhor do Brasil. Por favor, se você gostar de um, leia-os todos.

Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr., relançado pela Companhia das Letras e disponível em livro eletrônico ou arbóreo.

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Resenha atrasadíssima. Mas a culpa não é minha, afinal não posso ser responsabilizado pelas coisas que a procrastinação me força a fazer. Ou não fazer, como seja.

Aguardem mais resenhas de volumes da Companhia das Letras nos próximos meses. Fizemos uma parceria.

Discussão - 2 comentários

  1. […] seis anos antes de Formação do Brasil Contemporâneo, este livro é uma das bases para a compreensão do nosso país. De onde veio? O que come? Como […]

  2. Aguinaldo disse:

    Os 3 pilares da sociologia brasileira: A "trilogia" de Gilberto Freyre "Casa Grande e Senzala" "Sobrados e Mucambos" e "Ordem e Progresso", "Raízes do Brasil" de Sérgio Buarque de Holanda e "Formação do Brasil Contemporâneo" de Caio Prado Jr.

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