Inconformados!


Lembro-me de estar almoçando na casa de um professor carioca, quando morava na monótona Rio Grande, de perguntar pra ele, olhando a Lagoa dos Patos pela janelona do apê, como ele aguentava aquela cidade: ‘A gente acostuma’. Naquele momento descobri que eu era um inconformado! E que assim gostaria de permanecer. Não queria me acostumar à algo que fosse realmente ruim.

Foi na mesma época que eu aprendia fisiologia animal com o grande professor, Euclydes Santos (que hoje é advogado). A boca da Lagoa dos Patos é um estuário, aquela região salobra onde o rio encontra o mar, e que tem como principal característica mudar de uma hora pra outra. São ambientes instáveis, ainda que não sejam extremos (o polo norte é extremo, o Atacama é extremo!)

Para viver nesses ambientes, os organismos, tanto animais como plantas, tem de ter uma grande capacidade de adaptação as rápidas mudanças ambientais, já que, pelo menos duas vezes por dia, muda a maré e com ela todas as condições daquele ambiente. Essas adaptações eram a especialidade do Euclydes e o que eu aprendi com ele, uso até hoje. Até mesmo alguns dos textos, que já eram clássicos naqueles idos de 1995.

As duas principais estratégias de adaptação fisiológica são a regulação e a conformação.

Os reguladores são aqueles organismos que se esforçam (gastam energia) para manter o seu ambiente interno (o que incluí sangue, ou hemolinfa, citoplams, líquidos intersticiais…) com as mesmas características independentemente da variação do meio. Nós somos reguladores de muitos, muitos parâmetros fisiológicos. Nossa temperatura ideal sempre se mantém entre 35,5oC e 36,5oC independentemente de estar 15oC ou 40oC do lado de fora. O pH do nosso sangue ainda é mais restrito, não podendo se desviar nem mesmo dois décimos do seu valor de 7,2.

Os conformadores são aqueles animais que preferem não gastar energia para controlar o seu meio interno independentemente das váriações externas. Quando o meio ambiente muda, eles mudam junto. Alguns caranguejos que vivem na zona estuarina, ou mangue, deixam que a concentração de sáis na sua hemolinfa (o equivalente deles pro sangue) acompanhe a salinidade da água. Suas enzimas estão adaptadas a essa variação, que certamente não premite que elas trabalhem o tempo todo no seu ótimo, mas representa uma economia energática enorme!

Fisologicamente, os reguladores são uns inconformados. Preferem gastar energia para manter o seu organismo como gostam, ao invés de aceitar o que o meio ambiente lhes impõe. Para isso, é preciso que ele (organismo) restrinja suas ‘trocas’ com ele (ambiente). Assim as mudanças afetam menos. Claro que não dá pra ‘encerrar’ todas as trocas, senão, o ser (a gente) morre.
Já os ‘conformistas’, se o ambiente muda, eles mudam junto com ele. “Vão com a maré”, “Dançam conforme a música”! Só pra vocês verem o quanto isso é normal. Mas o conformismo também só funciona dentro de limites fisiológicos. Que podem variar de organismo para organismo. Ao de lá desses limites… o ser morre!

São duas estratégias diferentes e é difícil dizer qual é melhor. Como todas as estratégias, não podem ser avaliadas como certa ou errada, e sim como relação custo/benefício em longo prazo.

Mas uma coisa é certa, pras duas têm limite!

Discussão - 3 comentários

  1. Cris disse:

    Pra mim, o perigo do regulador é gastar muita, mas muita energia, na eterna luta para resguardar, para manter impávidos, inalterados, intocados, determinados parâmetros que, às vezes, podem causar a morte do sistema emocional, mesmo sobrevivendo o fisiológico. Nessa hora, acho bom o desapêgo dos conformadores, que respondem ao sistema tal como ele é. E se conformam com isso. Porque há coisas com as quais não vale a pena gastar energia regulando, mudando, transformando. Nem sempre coisas ruins. Há coisas que são o que são, e que fazem o mundo melhor por existirem. O nosso, inclusive. Nessa hora, é mais sábio parar de tentar manter morna a temperatura do corpo e se deixar arder pelo incendiário que nos toca fogo, por dentro e por fora, e que nos desafia a ultrapassar os limites das nossas próprias transformações.

  2. Mauro Rebelo disse:

    Até a gente queimar e virar cinzas?

  3. Cris disse:

    Não, Maurinho, claro que não foi nada disso que eu disse... Temperatura alta pra uma transformção radical que a gente queira viver, que a gente ache que não vai conseguir (porque pensa que vai virar cinza), mas que, depois de sustentar o fogo, e reafirmá-lo, a gente se dá conta de que mudou. Para melhor. Igual milho de pipoca na panela. Precisa ficar lá, achando que vai morrer no fogo, se entregando a uma situação, para, de repente, descobrir que virou pipoca! Muito mais gostosa que o milho... É bem verdade, que ao milho não restava saída da panela. A nós, com freqüência, resta. A pergunta é: vale a pena sair da panela? E a que horas?

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