"E eu não quero dar pasto a crítica do futuro"

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A frase de Machado de Assis, lida em um dos autofalantes na exposição sobre o autor no museu da Língua Portuguesa (SP), reflete o cuidado que o escritor tinha antes de publicar um escrito.
Me lembrei da frase depois de conversar essa semana com duas pessoas. Ambas assistiram minha palestra sobre escrita criativa no II EWCLiPo: um é um pesquisador renomado e o outro um aluno que sempre enfrentou dificuldades com os rigorosos critérios da academia. Ambos acham que seus textos sempre precisam de mais alguma coisa antes de publicá-los. E nunca publicam.
“Escrever é sobretudo reescrever” falou o Antônio Lobo Antunes na FLIP e eu repeti na palestra. Conclamei todos a criarem seus blogs e começarem, com textos pequenos, falando de momentos ou acontecimentos específicos (como a dica de Fredo “escreva sobre o 1o tijolo, da esquerda para direita, do alto para baixo, do prédio da prefeitura em frente a lanchonete” com a qual conseguiu quebrar o bloqueio de uma aluna em ‘O Zen e a arte da manutenção de motocicletas‘), mas que por favor, começassem a escrever.
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A primeira coisa para andar avante em um texto é excluir o medo de errar como critério de qualidade. O medo da critica do futuro nunca impediu Machado de publicar nada. Os cientistas, por exemplo, sempre erraram. Um dos maiores deles, Einstein, acreditava em variáveis escondidas na mecânica quantica e refutava a sua natureza probabilística (o livro Penso, longo me engano está cheio de gafes científicas). Nem o ‘medo da critica do futuro’ deve impedir cientistas ou alunos de escreverem. O que eles sim devem é, como Machado fazia, era apurar o trabalho e o cuidado com a revisão de seus textos. O blog é a ferramenta perfeita para isso.
Quem já leu meus textos viu que a língua portuguesa não é o meu forte: semântica, gramática e ortografia. Meu pai e meus queridos amigos Edu e Bitty são incansáveis revisores dos meus textos, a quem eu sempre agradeço as correções que me fazem. E não são poucas.
Mas eu vou parar de escrever por isso? Não. Vou melhorando meu português aos poucos (porque as demandas são muitas) e prometo que vou contratar um revisor para os textos ficarem perfeitos enquanto isso não acontece.
A questão é que, quem deixa de escrever por medo de errar ou por timidez, está perdendo a grande arma do mundo moderno. A espontaneidade.
A privacidade, como nós a conhecíamos, acabou. Mas para alguns estudiosos isso não é necessariamente um problema (claro que não estou falando dos namorados que filmam suas garotas e colocam depois na internet. Esses continuam merecendo um encontro como capitão Nascimento). Enquanto a TV passou décadas tentando criar esteriótipos para as pessoas seguirem, na web 2.0 cada um fala o que quer e se mostra do seu próprio jeito, com todas as suas particularidades e idiossincrasias. Encontramos de tudo sobre qualquer assunto na internet, isso significa que encontraremos também sobre nós mesmos (ou você nunca digitou o seu nome no google?). Então, porque não ser você mesmo o primeiro a se mostrar?
Quem escreve se mostra. Quem se mostra, arrisca estar errado. Mas também só quem se mostra, mostra o que sabe.

Discussão - 7 comentários

  1. Caro Mauro,
    Você já leu o post "O preço e o prêmio de ser metido a besta" (http://scienceblogs.com.br/cretinas/2009/10/o_preco_de_ser_metido_a_besta.php), do "Idéias Cretinas"? Todo escritor é um metido a besta, que acha que tem algo interessante a dizer: para ser escritor uma condição necessária é "se achar" ou, em outras palavras, não ter medo de publicar besteiras... Evolutivamente, parece que faz sentido.
    Um abraço!

  2. Alessandra disse:

    É isso aí, Mauro! E para aproveitar que hj estou inspirada por Borges, vai mais uma frase chocante "Ler, além do mais é uma atividade posterior à de escrever; é mais resignada, mais atenciosa, mais intelectual".
    E para descobrir o tanto de exposição, é só buscar o seu nome aqui http://whoozy.es/ Mais assustador que o google.rs.

  3. Joey Salgado disse:

    Concordo. O medo de errar sempre garantiu que o potencial criativo de muitas pessoas não fosse revelado. Mas se expor também remete a ser responsável e lidar com as possíveis consequências do que for redigido e publicado. Inclusive, considero que essa seria uma limitação ainda maior do que o puro e simples medos das críticas, ou, que pelo menos teria uma parcela igual de culpa em casos onde ocorra a "supressão criativa".
    Ótimo texto, como sempre.
    Inté!

  4. maria disse:

    oba, pelo menos tive um gostinho - morri de pena de ter perdido tua palestra no ewclipo.
    boas dicas.
    acrescento: um texto sempre pode ser mudado, sempre. e em geral melhorado. aposto como qualquer escritor que releia seu próprio texto depois de um tempo quererá fazer alterações. mesmo os machados de assis da vida. muitas obras-primas da literatura passaram por retoques entre uma edição e outra.
    pra escrever, é preciso se conformar que perfeição não existe.

  5. Mauro Rebelo disse:

    Amigos, perfeitos os comentários. Alessandra, diria ainda que escrever muda a nossa relação com a leitura. Claro que quem lê mais tem mais elementos para escrever melhor. Mais quem escreve mais tem mais elementos para ler melhor também. E aprender com o escritor não só a sua mensagem, mas sobre a forma de escrever. Joey, eu toquei de leve na questão da responsabilidade no texto, mas concordo com você: deve ser tanto ou mais! E fico pensando Maria, como deve ser difícil para as pessoas (algumas pelo menos) descobrirem que não há a perfeição. E justamente no momento da escrita... Será que isso pode desanimar ainda mais um jovem autor? Tomara que eles conseguiam ver a beleza do imperfeito!

  6. Excelente post Mauro, tá de parabéns =)
    Concordo com tudo o que você falou. Aprender a escrever é escrever MUITO, e publicar o que se escreve é sempre um caminho para maior maturidade em relação à absorção e aprovetamento das muitas críticas que, certamente, virão.
    Um abraço!

  7. maria disse:

    mauro, aceitar o imperfeito e ver sua beleza não é fácil, mas é essencial não só para escrever. por exemplo, as pessoas se casam achando que é fácil. se não aceitarem que nunca será como no sonho ideal, o casamento não dura. e por aí vai.

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