O lixo nosso de cada dia

Estou fazendo uma pesquisa sobre lixo e meio ambiente para uma matéria – aguarde. Ver as fotos que, com certeza, ajudaram a estimular a pauta me deram ânsia. O que eu já vi de fotos e vídeos de cirurgias não está escrito. Mas é repugnante observar o que o nosso lixo causa para os outros animais. Mortos ou mutilados por comerem papel, vidro, alumínio, plástico, sujeira. Só de pensar tenho arrepios.
Essa breve pesquisa retomou, imediatamente, uma experiência inesquecível. Lembra-se do desfile da marca Cavalera na margem do rio Tietê – leia aqui? Eu fui. Estava trabalhando no SPFW Journal. Quando soube do desfile, falei para uma das mais admiráveis editoras – não vou colocar a mais porque outras também dividem um pedaço do meu coração, rs! – que eu queria cobrir. Surgiu uma idéia genial na redação, pelo que me lembre, dela. “Pergunte para os convidados que perfume eles usaram no desfile”. Além de fazer uma matéria sobre a ONG Navega São Paulo – veja aqui – e a Cavalera, me diverti com o sério assunto. Alivia rir da desgraça.
O desfile aconteceu numa manhã de domingo abafado de verão, chuvoso e bege. Fui de carro por motivos pessoais – eles disponibilizavam ônibus do SPFW. Douglas Siqueira, diretor da ONG, afirmou que guardaria uma vaga para mim. E explicou o caminho para chegar direitinho. Afirmou diversas vezes. “A entrada é feita pela marginal, você tem que fazer o retorno, cuidado para não se perder”. Modéstia a parte, tenho a maior noção de direção. Cheguei sem um metro errado.
A entrada era bizarra mesmo. Tive que reduzir na pista da esquerda, debaixo de um pé d’água, para virar à margem do rio! Não existe asfalto, o lugar é forrado com uma espécie de cascalho. Ao passar entre os muros de concreto, embaixo de uma ponte, já damos de cara com um barco – acho que… – de pescador. Encalhado ao lado de outro, mais robusto. Se acelerar, o destino é a água marrom.
Procurei pelo Douglas. Simpáticos da ONG, caminharam comigo até o barco – a arquibancada para o desfile que aconteceu na inclinada margem. Reclamei da chuva, ou melhor, da garoa. “Agradeça! Você não imagina o fedô que é isso daqui ao sol”, me disseram. Já trabalhei em uma editora ao lado do rio Pinheiros. É verdade. No verão, eu e meus amigos ficávamos enjoados. Era um cheiro doce, viscoso, fedido e amarrado tudo ao mesmo tempo agora. Eca.
Entrei no barco. Trabalhei com meus colegas. A marca distribuía água com símbolo radioativo, capa de chuva amarela e havia uma “mocinha” dando sorvete de gelo – feito de água, com “gosto” de água – chamado “Elemento Desaparecendo, Elemento Desaparecido”. Uma instalação interativa do artista plástico carioca Cildo Meirelles.
Enquanto me maravilhava com o lugar, em ver a cidade do rio, pisar na sua margem, pasmar nos prédios refletidos na água, observar o movimento dos carros por outro ângulo e com a sensacional possibilidade de navegar pelo Tietê – o passeio foi cancelado devido à probabilidade de encalhar – muitas pessoas estavam de saco cheio. No esquema: “Vamos logo ao desfile porque esse lugar é uó”. E era, claro. Mas preferi observar tudo o que meus olhos podiam captar. Para gravar esse momento. Deu certo. Poderia descrever com detalhes toda a paisagem. Quão pequenos somos – viadutos, carros, prédios, pessoas -, literalmente, ao lado do rio e de sua força – precisa ver a correnteza!
Mesmo assim, é impossível afirmar que somos nada. Graças a nós, o rio – possui vida sim, imponente – é silencioso. Aliás, tenho certeza que se fosse possível canalizá-lo, já teriam feito isso. Sumir com ele do mapa. Como outros viraram grandes avenidas. Quem acelera no carro não faz idéia da beleza daquele momento. O lugar é indescritível.
Ver o desfile na parte fechada do barco, impossível. Já não havia espaço. Ficamos em cima, na chuva. Que medo de derrubar máquina, anotações, celular, bolsa, tudo no rio. O desfile começou com uma sirene, não teve música durante ele – estranho, mas ficamos com a sinfonia da cidade – e acabou com outra. Pronto. Os espectadores foram embora, enquanto eu acabava de conversar com as pessoas da ONG, de dentro do barco.
A chuva? Continuou na forma de garoa. Continuou, escorreu, chorou… Até que, em minutos, todas as saídas do barco estavam alagadas. A água marrom e fedida invadiu todas as deixas. Como faço agora? Cair naquele rio me daria urticárias. Doenças. Repugnância. Mico. Sem contar que, como era verão, não quis colocar bota. Um arrependimento. As pessoas de galocha estavam com a roupa adequada. Eu é que fui caipira. Calçava uma Melissa de boneca. Plástico é impermeável. Mas insuficiente. A gota cai e… respinga! Eu toda cuidadosa para não ser em mim! De saia…
Pedi para sair. Afinal, eu precisava voltar para a redação. Os caras – da ONG, prefeitura, obras – jogaram uma pontezinha de madeira furreca. No estilo a ponte do rio que cai. Era um passo na frente do outro. Ela estava equilibrada em cima de bóias cilíndricas. Era o único jeito. No fundo, eu sabia que não iria escorregar. Me deram a mão e passei rapidinho. Ufa! Em terra firme!
Contaram que 35% da poluição do rio Tietê é proveniente das… ruas! Do que é jogado no chão. Como? Ué, simples, chove, igual aquele dia. O aguaceiro desemboca no rio, parte mais baixa da cidade. Um potinho de iorgute boiava. Encalhado com outros mil potinhos. Ele alimentou uma criança ou um adulto. Tanto faz. Que se satisfez. E, desinteressado, jogou a embalagem na rua. Mais uma na multidão. Será que aquele potinho esteve na minha geladeira semana antes? Era bem da marca e do sabor que eu gostava… “Improvável”, tentei diminuir a culpa. Afinal, tudo que pode ser reciclado eu separo para a coleta seletiva.
Fotos: Tirei durante a história. Na época, não tinha este blog para colocar o que considero atualíssimo. A condição do rio mudou? Leia o post sobre o artista que está pintando aqui.

3 comentários em “O lixo nosso de cada dia”

  1. E aí você estuda um pouquinho de história e descobre que foi exatamente a navegabilidade do Tietê que fez de São Paulo a "porta de entrada" para os Bandeirantes... Sem ele, o Estado de São Paulo ainda estaria se espremendo entre São Vicente e a Serra do Mar e, provavelmente, teria perdido para o Rio de Janeiro todo o Vale do Paraíba...
    Mas - quem sou eu para falar??!!... Eu moro em uma vila que fica ao lado do "Rio da Carioca" (que dá o "apelido" a quem nasce na Cidade do Rio de Janeiro) e ele corre, incógnito, debaixo do asfalto da Rua das Laranjeiras, só dando o ar de sua graça quando, numa chuva daquelas, transborda e inunda tudo... E joga em nossa cara todos esses restos de lixo urbano que as pessoas teimam em largar no chão, por mais que haja cestas coletoras de lixo em cada poste...

  2. «Nada é permanente neste mundo cruel. Nem mesmo os nossos problemas.»
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