Domingo frio desses fui ver o monólogo atuado pela Fernanda Montenegro “Viver sem tempos mortos”, patrocinado pela Mapfre Seguros. Além de ótima companhia comigo, observar a atriz interpretar Simone de Beauvoir a poucos metros de distância é um presente para contar aos netos.
Antes da peça começar, Fernanda Montenegro fixou o olhar na platéia por minuto. Tão brilhante, penetrante. Ela parecia ouvir os inquietos pensamentos. Abaixei a cabeça e abri um sorriso envergonhado. Será que alcançou meus sentimentos mais profundos?
Se não aquele momento, até o final do monólogo, com certeza. A peça, com cerca de uma hora, se passa em um cenário suficiente. Sobre o chão de tábua, uma cadeira de madeira. Em cima, uma luminária preta gera luz quadrada.
A atriz, de cabelos presos, usa pouca maquiagem que reforça os olhos – parênteses: que cútis. Veste uma camisa branca, calça e sapatos pretos. Sentada na cadeira, semelhante a que Simone de Beauvoir pediu para ficar ao lado da sepultura de Jean-Paul Sartre, encarna a filósofa francesa.
Uma mulher escuta de outra – grande – mulher uma história de uma – grande – mulher. Eu já conhecia um pouco sobre a vida e obra de Simone – e de Fernanda -, mas o monólogo fez entender muito melhor essas duas representantes do sexo feminino.
Esses dias, como Freud indagou, me perguntaram no Twitter: “O que as mulheres querem?” A francesa pode não ter respondido diretamente à questão, mas por meio da peça encontrei em mim uma filosofia para a resposta.
A “personagem” Simone (1908-1986) era de uma família com boas condições financeiras. Estudou. No século passado (!), lutou pela liberdade de expressão. Principalmente, defendeu a liberdade das mulheres. Ela optou por não ter filhos, manteve relacionamento “aberto” com o colega e amor Jean-Paul Sartre, se dedicou à escrita e às aulas.
Uma mulher bonita – vide foto ao lado tirada pelo americano Art Shay, em 1952 – e inteligente que discorreu sobre a existência. Procurou viver suas vontades e, ao mesmo tempo, entender a natureza humana. Uma resposta definitiva parece – até para ela – impossível. Mas essa reflexão é essencial para nós próprios nos entendermos.
Após a peça, saí ainda com mais dúvidas sobre a vida, as pessoas e o que desejamos. Paradoxalmente, também me senti mais leve. Encontrei uma Simone e um Fernanda dentro de mim. Uma mulher que sabe o que não quer. Hoje, na dúvida de qual ação tomar, a francesa é uma inspiração. “Viver é envelhecer, nada mais”, disse.
Obs.: Para ler um pouco mais sobre Simone de Beauvoir, indico este site que leva seu nome. Este post também foi publicado no blog “Os Humanos” e no “Comparsas do Blog” dos quais, agora, sou colaboradora.
Fiquei curioso pra assistir à peça. Legal a forma como você descreve sua interação com o espetáculo. Ciência não é só resultados de pessoas com jaleco. Ciência é conhecimento, e auto-conhecimento também conta...
Um grande abraço,
Alessandro
Alessandro, Vale muito a pena! Acho que a última apresentação em Sampa é domingo... Pois é, a gente acha que ciência é aquela coisa quadrada, de laboratório... Abraços!
Quando se diz "não se nasce mulher: torna-se" sugere-se que, pelo contrário, se nasce homem. Julgo que essa diferenciação é um erro.
Faz sentido dizer - embora seja uma afirmação que não pode ser entendida literalmente - que "não se nasce humano: torna-se". Com efeito, a grande maioria das coisas que sentimos, pensamos, dizemos ou fazemos não nasceram connosco - foram aprendidas. Para essa aprendizagem contribui enormemente a sociedade e a sua cultura (costumes, regras, língua, etc.) mas também a nossa personalidade e as nossas escolhas pessoais. Nesse sentido, somos algo que se vai fazendo.
O que há de especificamente feminino nesse processo? Creio que nada.
Oi Xix-Xix (com sotaque carioca), lindo o seu texto. Mas você sabia que, biologicamente, todos nascemos mulheres. Depois é que, com um pouco de testosterona das nossas mães, na hora, lugar e doses certas, alguns se tornam homens. Esperamos você no II EWCLiPo! Bj
Faz sentido sua observação. De maneira resumida: nós aprendemos as "regras" para viver como "humanos". Mas a frase “Não se nasce mulher: torna-se” é da Simone de Beauvoir. Sendo feminista como ela era, essa foi uma maneira de fazer alusão a uma sociedade machista e preconceituosa com as mulheres.
Mas, biólogo, e o Y da questão?
Eu sei que a motivação da Simone de Beauvoir era feminista. A questão é se sugerir a existência de diferenças manifestamente irreais entre homens e mulheres é a melhor maneira de defender os direitos da mulher e de se opor ao machismo e à discriminação. Estou convencido que não. Generalizando um pouco: talvez o o próprio feminismo não seja a melhor maneira de promover a igualdade e combater o machismo e a discriminação. Talvez...
.. o Y, creio que é um detalhe que vem depois, como disse o colega... ..o nascer homem ou mulher, pouco importa, se nasce animal... e afinal, o que é ser homem, ou mulher? ...belo texto Isis.. Inquietante!
Carlos, concordo. De repente, essa foi a primeira etapa. Mesmo porque existem diferenças entre homens e mulheres que são biólogicas. Jeito de agir, de se colocar, força física. Igual mesmo, nunca seremos. O importante é não ter preconceito.
"o que é ser homem, ou mulher?", nossa, essa é para refletir também.
Isis,
Li esse seu texto a um tempo já... e achei incrível!
Me provocou uma auto-reflexão e acabei precisando de tempo pra ordenar as idéias.
Fora que fiquei curiosa pra ver a peça com essa grande atriz!
Mulheres: O que nós somos? O que nós queremos?
A resposta pras duas perguntas acredito ser a mesma: AMOR. Somos amor. Queremos amor.
Pra mim
A mulher é força... o Amor fortifica.
A mulher quer liberdade... o Amor é livre.
Mulher é poesia... o Amor inspira.
A mulher quer proteção... o Amor é aconchego.
Força e poesia.
Liberdade e proteção.
Mulher no fundo é uma deliciosa e constante
Contradição.
Beijo amiga e obrigada pelo lindo texto "provocativo"
Dani,
Lindo! Você deveria abrir mais essas poesias...
Um beijo com saudade!
Algumas pessoas não conseguem alcançar que O XX e XY são questões puramente biólogicas e que isso define toda rede social e psicologica de cada ser. Isso não passa de essencialismo. Não estou tirando a carga com que quimicamente isso tras ao corpo, mas será que influencia a mente de cada um? Simone De Beauvoir, influenciou inúmeras feministas que são totalmente contra esse tipo de essencialismo implatando e justificado pela biologia.