Terça-feira, 13:40h, dia 8. Saio da Zona Norte em direção ao Jaguaré. Para quem não conhece São Paulo, saiba que esse trajeto pela Marginal Tietê possui 11,5 km. Estava chovendo. De manhã, acordei com o barulho do aguaceiro. Até aí, ok. Após o agradável feriado de sol, banquinho e violão em um sítio, decido pegar a famosa marginal para ir trabalhar.
Quando cheguei na via e observei o rio que, apesar de imundo, adoro paquerá-lo… Ele estava na altura dos carros! Fiquei chocada e com medo. Compare a foto ao lado com a deste link. Olhava para o céu. Torcia para as nuvens se afastarem. No rádio, os locutores avisavam: a prefeitura está em estado de alerta. Evitem a Tietê.
Não sei quantos metros o rio subiu. Mais de dez? Além disso, ele corria rápido. Não fedia muito, acredito que por causa da chuva. A água deve ter desconcentrado a poluição. Enquanto motoristas de carros brigavam com caminhoneiros, motoqueiros passavam buzinando ao nosso lado, a chuva resolveu cair novamente.
Todos se viraram para o rio. Saí da pista da esquerda para a “esquerdinha” – ao lado da última. Vai que o Tietê continue subindo? De salto alto, me preparava para abandonar o navio, quer dizer, o carro. Quando, mais uma vez e de vez, o trânsito pára. Fiquei QUATRO horas “estacionada” na marginal. QUATRO horas!
Descobri que sou calma. Para passar o tempo, observava os motoristas e os passageiros entre a chuva conversar do lado de fora dos carros. Arrumava os dados do meu celular. Ouvia o desespero nas rádios. Foi assim que, duas horas depois, descobri o porquê do trânsito parado. A Marginal Pinheiros alagou.
A Tietê se encontra a Pinheiros após o Cebolão. Cebolão igual a um monte de viaduto passando para tudo quanto é lado formando uma espécie de cebola gigante. No final do viaduto, só carros grandes atravessavam a enchente. Nem caminhoneiros se arriscavam.
Perguntei para o guarda de trânsito, após um carro popular como o meu empacar no meio da água: “Meu carro passa?” “Basta não parar de acelerar”. Não tive nem coragem de trocar a marcha, como fiz outras vezes.
Esperei na margem do alagamento, com uma picape atrás de mim ansiosa para sua vez, todos os carros saírem da água. Menos o atolado, claro. Pisei fundo na primeira e fui com a marola passando a altura do carro! Aquela água marrom-clara. Consegui! Consegui! Fiquei eufórica até parar no outro trânsito, no da Marginal Pinheiros. E, logo em seguida, chegar para trabalhar.
Agora, respondendo resumidamente à pergunta do título. A umidade do Norte do país forma nuvens. Estas, com as correntes marítimas, são empurradas para o Sudeste e parte do Sul. Chegam aqui e caem em forma de chuva.
São Paulo é uma cidade cortada por muitos, mas muitos rios, riachos, córregos e tudo quanto era água. A Ladeira Porto Geral, ao lado da conhecida 25 de Março, se chama assim porque lá existia um porto.
Daí, as pessoas foram construindo casas em volta dos rios e afins. As ruas foram colocadas em torno deles ou em cima – isso mesmo – deles. Parte foi canalizado. Lagos foram cimentados. Margens foram encurtadas. Pântanos deram lugar a prédios de luxo.
Chove? Sim. E alaga. Agora, querem aumentar a Marginal Tietê. Fazer mais pistas. Impermeabilizar mais o solo. Li que só houve uma discussão pública sobre a reforma. O Ministério Público parou as obras. Não sou contra a “nova” Marginal. Mas, enquanto não respeitarmos a natureza, será ainda mais difícil nosso meio ambiente nos respeitar.
isis, você está em sintonia com o ruy castro, que escreveu sobre "O Brasil impermeável" hoje na Folha. termina assim: "Os tupinambás tiveram sorte: foram dizimados muito antes que o rio Carioca entrasse pelo cano. Já nossa agonia será mais longa. Podemos nos afogar nas mesmas águas que sonegamos ao Brasil quando decidimos asfixiá-lo."
parabéns pela valentia e calma na aventura marginal!
Aliás, basta lembrar que boa parte de São Paulo fica em regiões de várzea dos Tietê e do Pinheiros.
São Paulo de Piratininga, segundo Anchieta (segundo Teodoro Sampaio, segundo Prof. Antenor Nascentes): São Paulo do peixe seco, peixes que ficam presos além da margem dos rios depois que estes retornavam ao seu leito, após transbordadem com as chuvas.
Aí querem não apenas canalizar os rios, como querem aprofundar seu leito, mas descarregam toneladas por segundo de esgoto e lixo que os assoreiam. Quase como enxugar gelo.
Aliás 2: enchentes essas que criaram o terreno arenoso em seu entorno, terreno arenoso e instável onde tentam cavar túneis para o metrô e esperam que não desabem durante as obras. Esquecem até que chove em São Paulo...
[]s,
Roberto Takata
Já tinha ouvido falar sobre São Paulo ter sido contruída sobre muitos rios, e talvez essa tenha sido a causa da famosa cratera no metrô em 2007
Planejamento pra quê, afinal de contas?
A chuva realmente foi muito forte. Meu exame prático pra tirar a CNH teve um imperceptível atraso de 3 horas. E no final da tarde choveu novamente, fazendo com que vários colegas e alguns professores não chegassem na faculdade a noite.
Parabéns pelo excelente post!
Cara Isis,
"respeitarmos a natureza"? Em São Paulo? Onde você viveu sua vida toda? Não sabe que São Paulo não pode parar? Precisamos de mais marginais, mais carros, mais produção! A locomotiva não para para ninguém! Muito menos para abstrações como essa tal de natureza...
E agüenta aí: esse estilo de fazer as coisas deve ser levado para Brasília, pois o Brasil também deve ir para a frente, com os paulistas pilotando! Aqui em São Paulo, "a gente faz. E faz bem feito". E, por isso mesmo, devemos ter um paulista no comando!
Um abraço!
Maria, adoro o Ruy Castro! Bom sinal esse! !! Me senti "macha" na Marginal. rs
Roberto e Leandrus, é o que meu pai também diz - ele é hidrogeólogo. Ele lembra da infância nadando nos alagados da cidade. Tempos de rios limpos e alagados idem. Uma pena não termos mais isso. Mas não tinha associado as chuvas e as ruas à cratera do Metrô. Bárbaro! É uma bola de neve.
Stephen, primeiro achei que estivesse tirando sarro. Agora, cogitei que possa estar falando sério. Vivi minha vida toda, praticamente, em São Paulo. Mas não concordo com esse modo de agir. Não existiria uma solução?