A cidade de São Paulo está mais interiorana?

No interior do Paraná, lá em Telêmaco Borba, fazia “miséria” com uma bicicleta durante as minhas férias na adolescência. Em minutos, passava de casa em casa almoçando com um e tomando café da tarde com outro parente. Saía cedo e voltava no fim do dia. Adorava essa simplicidade. De volta a São Paulo, sentia falta da liberdade de ir e vir sobre duas rodas, mas nunca lamentei. Isso porque eu jamais imaginava, em uma cidade tão grande e onde carro é prioridade, que seria possível reproduzir os passeios interioranos. Até que ontem me senti transportada para aquele tempo – mesma época em que não precisava ser convidada com semanas de antecedência para ir à casa de um amigo ou passar o tempo com ele despretensiosamente sem ter que negociar antes o que iremos fazer.

No último domingo, chamei alguns amigos para andar de bicicleta – parece convite de criança… E, sem querer, reproduzimos a liberdade que sentia quando estava em Tebê – apelido carinhoso da cidade natal. Minha amiga @pollymir saiu do centro via Minhocão, me encontrou na Zona Oeste, de lá fomos para a ciclorota (ruas indicadas como rota para ciclistas pela Companhia de Engenharia de Tráfego) que nos levou até a ciclofaixa (parte de via fechada para ciclistas aos domingos) e seguindo seu trajeto chegamos à Zona Sul. Decidimos, sem compromisso e sem ter combinado anteriormente, passar na casa de um conhecido, descansar no Parque Ibirapuera e de lá resolvi seguir com meu respectivo para a casa de parentes. Para voltar para nosso apê, pegamos o metrô com a bicicleta, depois pedalamos por uma ciclovia e por ruas. Foram 12 maravilhosas horas passeando livremente sobre duas rodas pela cidade de pedra – e 25 quilômetros pedalados.
Era como se tivesse voltado para a adolescência, quando passava o dia nas ruas do bairro pedalando em busca de lugarezinhos desconhecidos para desbravar e jogando conversa fora com amigos e familiares. Ou quando passeava horas no interior do Paraná de bairro em bairro explorando cada canteiro central, rua recém asfaltada ou vielas de paralelepípedos. Tudo com a sensação do vento gelado batendo no rosto. E do sol bronzeando os ombros e as costas. Pedalar por cima do rio Pinheiros, por avenidas movimentadíssimas em horários comerciais e por bairros sossegados repletos de casas da Terra da Garoa não tem preço. Incrível. Como um sonho.
Apenas vale ressaltar que o mundo das bicicletas é poético, mas reproduz o “mundo real”. Na ciclofaixa abarrotada de ciclistas passeando ao meio dia do domingo ensolarado tem gente – com magrelas que custam o preço de um carro popular usado – cortando o “trânsito”. Colando na traseira alheia para este sair da frente. Brigando com quem ainda não tem segurança para pedalar. Existem outros atrapalhando quem quer ultrapassar. Desligados. Crianças com pais em um ritmo mais lento. Conclusão: não dá para treinar para competições durante a tarde na ciclofaixa. Quem tem essa intenção, melhor procurar uma rodovia. Agora, palmas para a organização da ciclofaixa. A sinalização é objetiva e há monitores tirando dúvidas e organizando o trânsito de bicicletas.

 

Outro importante detalhe sobre bicicleta versus São Paulo diz respeito a andar de Metrô com a bicicleta. A ideia é para lá de genial, mas a sua realização precisava ser pensada. Supõe-se que quem pedala tem força para carregar a sua bike escada acima e abaixo. Ok. E quem está com o filho? E quem não consegue levantá-la? Uma ideia simples seria fazer uma canaleta ao lado dos degraus para empurrarmos a magrela. Afinal, o Metrô proíbe usar os elevadores ou as escadas rolantes das estações para chegarmos até a plataforma. Ou melhor, proibia. A partir do próximo sábado, poderemos subir com a bike pelas escadas rolantes. Viva a metamorfose ambulante!
Obs.: Mais uma boa notícia para quem gosta de pedalar e da sensação de morar no interior. O bairro Santo Amaro deve ser todo interligado por espaços destinados às bicicletas.

4 comentários em “A cidade de São Paulo está mais interiorana?”

  1. Ísis,
    sobre este seu post, tenho a dizer que desde o começo deste ano intensifiquei meus esforços para substituir a bicicleta ao menos o trajeto casa-trabalho-casa, que no meu caso consome cerca de 11km para vir e outros 11km para voltar. E o que tenho percebido é que, se por um lado continuamos sem espaços dedicados à bicicleta nos dias úteis, por outro lado tenho percebido uma maior atenção por parte dos motoristas com os ciclistas. Acho que isso é um efeito direto justamente de uma presença maior de ciclistas nas ruas de SP que, também ao meu ver, parece aos poucos estar voltando a valorizar certos hábitos menos urbanos, se é que podemos dizer assim.
    Óbvio que isso é fruto do ativismo incessante de alguns ciclistas mais engajados, mas não deixa de ser uma ponta de esperança por uma cidade mais humana, não acha?

    1. Antonio,

      Tenho a mesma impressão que você. Concordo com tudo o que escreveu. Sobre o seu deslocamento, ainda deve lembrar que ganhará um reforço na sua saúde com o exercício físico e dará mais qualidade de vida aos outros por emitir menos poluentes.

      Aliás, agora me ocorreu uma outra ideia, desta vez poética. Será que os motoristas estão passando a respeitar mais os ciclistas também porque, durante a infância deles, tiveram bons momentos sobre a magrela? E ver outros pedalando os lembra consciente ou inconsciente esses momentos?

      Abraços!

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