No feriado de Corpus Christi, peguei um barquinho – cujo quase todo o casco permanece dentro da água e mal tem espaço para uma pessoa sentada sem bater a cabeça na lona azul que o recobria – e fui embora feliz da vida para um lugar onde não chega sinal de celular. Aliás, e nem energia elétrica. Após suportar o vento com chuvisco soprado do Sul por cerca de 45 minutos, desembarco no Saco do Mamanguá, em Paraty. Não sei se o lugar é um vilarejo, afinal, havia mansões e casinhas de pescadores separadas por trilhas por todo o local – depois escrevo um post sobre a incrível geologia de lá para entender melhor esse salpicado de construções.
Visualmente, o Saco do Mamanguá parece um lugar intocado. Sua vasta e densa mata, os altos morros que acabam no mar, a água azul-clara e verde-esmeralda, as pequenas faixas de areia dourada-clara me levaram longe. Lembraram paisagens asiáticas de países como o Vietnã. Um lugar naturalmente imponente. Talvez, por isso mesmo, difícil de ser domado pelo homem. A única vendinha ficava distante cerca de 20 minutos por trilha – ou, dependendo da direção e velocidade do vento, 5 minutos remando – da casa onde me hospedei com amigos. Bom, resolvemos encarar o barro para explorar a mata, vislumbrar as paisagens e comprar mais velas e frutos do mar direto do pescador.
Escolhemos alguns quilos de peixes. Enquanto a moça limpava, por quase 20 minutos aprendi mais sobre meteorologia e sobre a natureza com um senhor de 79 anos. Esperto, há cerca de 50 anos tem sua mesma casa privilegiada de frente para o mar e pretende continuar por ali mesmo, longe da bagunça dos grandes centros urbanos que ele conhece bem. Atentamente, eu olhava nos olhos profundos e vividos do senhor, hoje, ex-pescador e dono da vendinha. Ele dizia que o sol apareceria quando voltar a ventar novamente do Sudoeste e, passado um tempo, começar a entrar vendo do Leste – foi o que aconteceu no domingo. Ele tinha razão.
Deixamos o céu, focamos no mar. Nós, moradores de São Paulo, ficamos com vontade de comer camarão e lula. Porém, a quantidade muito pequena disponível para a venda não daria para alimentar todas as bocas da casa que alugamos. O senhor contou que, nos últimos 20 anos, ele viu despencar o número de peixes e de frutos do mar pescados. Antes, com a água no joelho, pegava peixes de 16 quilos. Agora, não há nada de consistente no raso. Nós pudemos observar tartarugas, siris e peixes “bebês”. Perguntei o quanto a vida marinha diminuiu na região. “Hoje em dia, pesco 10% do que pegava há 50 anos”, disse. “10%”, repeti, inconformada, na esperança de ter ouvido errado. “Isso.”
Ele disse que a pior queda aconteceu nos últimos 20 anos. Listou ao menos cinco espécies de peixes que nunca mais viu no local. Para o ex-pescador, a pesca indiscriminada dos cardumes – sem deixar um peixe no mar para contar história – foi uma das causas do problema. Ele também falou sobre o defeso do camarão, quando sua coleta é proibida no Sul e Sudeste entre os meses de março e maio devido à época de reprodução do animal. Contou que no fim do ano o camarão também se reproduz e teceu uma vasta argumentação técnica alegando que deveriam haver dois defesos. Infelizmente, não tenho informações científicas para confirmar ou refutar a queda na pesca e o breve causo do defeso – se você tiver, deixe nos comentários. Espero que tudo isso não passe de história de pescador.
A pesca predatória é um dos grandes problemas que ainda existem. Infelizmente, os serem humanos não entendem que, se passarem de certo limite, serão prejudicados, além de trazerem muito prejuízo ao meio ambiente. Saber cuidar da natureza e ter em mente o conceito da sustentabilidade é crucial para termos uma boa qualidade de vida no futuro - que está bem próximo, aliás.
Pois consta que aqui em Santa Catarina é feita a pesca do camarão no período do defeso na maior cara dura. O fato é que simplesmente não existe fiscalização. Creio que em outras partes do país também não exista um rigoroso controle sobre o que é pescado e/ou comercializado....