Historiadora explica os “apenas” 20 centavos

Ansiosa e agitada com as manifestações, eu sentia ânsia por escrever algo sobre este momento lindamente histórico em que vivemos. Mas, nada… Nenhuma vírgula, verbo, adjetivo ou substantivo descreveria um pouco do significado da manifestação “Não são apenas pelos 20 centavos”, “Revolta do Vinagre” ou chame como quiser. Ela é muito maior do que qualquer palavra. O que fazer, então?

Liguei – agora! – para uma amiga historiadora e fiz o pedido: “Dá um depoimento sobre as atuais manifestações para meu blog?” Afinal, ela estudou, e muito, tem uma bagagem incrível para analisar o que acontece. A historiadora aceitou, mas preferiu não se identificar. Segue, abaixo, um resumo da nossa alegre conversa de mais de uma hora. Ah, antes de ler, quero ressaltar o que ela repetiu: “Desde a primeira passeata, eu não li o que a imprensa publicou, nem os colunistas que acompanho. Desta vez, quis construir o momento com outro olhar”.

O Brasil não está mudando, ele já mudou:

 

“O sentimento não estava parado: essa história de que o brasileiro é pacífico não existe. Esta manifestação mostra um amadurecimento político e assusta porque está bem consistente. Assusta, inclusive, os governantes. Além disso, este movimento nasce na ausência de uma esquerda articulada.

O brasileiro estava ansioso por ser representado pela esquerda porque se sentia cansado de receber imposições. Porém, após eleita, ela não fez mudanças significativas. Como consequência, o povo ficou politicamente órfão em uma ‘revolução inacabada’, onde há um espaço político vazio.

As pessoas começaram a se manifestar pela questão do aumento das tarifas do transporte público. Só que a tarifa é um rótulo. Há muito mais do que isso. Observando a manifestação, vemos diversas bandeiras de movimentos e cartazes com pedidos de várias áreas. Aí, alguns começaram a se dar conta: ‘Opa! A coisa está se pulverizando’. O que é mais importante desta manifestação é a articulação. Não existe falsa ideologia ou ausência de ideologia no movimento.

Durante este movimento, quando o governo deu abertura ao diálogo com os manifestantes, se mostrando disposto a conversar com os organizadores, confirmou o poder desses grupos. Quando você topa dialogar é porque acredita no que o outro está falando. Se você não acredita, não chama para conversar. Será que essa é a nossa Primavera Árabe? O que vai ser?

A manifestação irá ocupar o espaço da esquerda (e o da direita também!). Estou eufórica acreditando que, talvez, esteja acontecendo uma releitura da esquerda na América Latina. Eu tenho a impressão – pode ser que não seja isso – que, novamente, o Brasil está na frente falando aos quatro cantos da América Latina.

‘Não tem partido político nenhum por trás do movimento’, disse um dos rapazes que ajudaram a organizar a manifestação. Claro que, agora, haverão os oportunistas. Por isso, é preciso tomar cuidado para evitar uma futura desilusão. Pode ser que partidos políticos, vendo a força do movimento, afirmem: ‘Fui eu quem elaborei’. Além disso, também é perigoso quando o governo chama os manifestantes para definirem o trajeto da passeata. Isso porque ele tenta usar a geografia como manipulação de poder.

Na época da Ditadura, em 1964, os ditadores acabaram com as praças. Pode reparar, São Paulo praticamente não tem praça. Colocaram bancos nelas e muros de concreto para dificultar a reunião dos manifestantes nesses locais antes amplos e muitos simbólicos historicamente. No Vale do Anhangabaú, por exemplo, aconteceu em 1984 o último comício antes da votação da emenda Dante de Oliveira, a favor das Diretas Já – e eu estava lá! Os viadutos, por sua vez, são uma herança nazista usados para desagregar. Muitos não têm nem calçada para pedestres. Nós herdamos essa geografia.

Hoje, as pessoas, entre muitos motivos, vão à avenida Paulista porque ela é ampla. Ela permite a reunião de muita gente. Assim, o governo quer usar a geografia como instrumento de poder quando o governo tenta ditar o caminho que os manifestantes devem percorrer. Não deve combinar nada e, sim, deixar o pessoal passar.

As manifestações, em vários estados do Brasil, vão assustar. Aparentemente, existiam várias temáticas que incomodavam o brasileiro e que pareciam estar perdidas. Parecia que a sociedade não queria participar por uma qualidade de vida melhor. Mas não era isso. Virá um novo movimento que terá destaque maior com relação à ideologia do Século XXI. E o Brasil é o protagonista.”

8 comentários em “Historiadora explica os “apenas” 20 centavos”

  1. Excelente análise da incógnita amiga historiadora. Pena que se escondeu no anonimato. Não é hora de esconder a face do cidadão.
    O que espero é que a pasmaceira geral enfim acabe. A Polícia Federal identificou funcionários do Gabinete da Presidência da República liderando passeatas em Brasília. Grupos de arruaceiros surgem de repente, destruindo veículos e prédios públicos para provocar a reação da polícia e acabar com a manifestação pacífica da população, esta já farta de tantos desmandos e compadrios prejudiciais ao país.
    Gostaria que sua amiga e você também, se manifestem. sobre estes bastidores da manifestação e a quem interessa. Podem usar meu Blog, se quiserem.

    Abraços patrióticos.

    1. Oi José,

      Tudo bem? Ela tem os motivos pessoais dela para não dizer que é, eu quis respeitar essa vontade dela. Nada mais justo.

      E vamos pensar sobre esses "bastidores".

      Abraços!

  2. Olá .Isis. Que legal poder compartilhar com as pessoas do seu blog. Então, o José levantou a questão dos bastidores.Fico analisando as falas da nossa Presidenta.Acho que os governantes sofrem de um problema muito sério."esquecimento".Elogiou o movimento em rede nacional.Estranho.Não se trata de elogiar e sim pensar sobre as questões políticas na nação.Ou não estão entendendo o recado ou os fantasmas do passado estão rondando as mentes daqueles que diziam mudar o país.
    Vamos lá.Disseram na década de 70."De agora em diante,a ordem é atirar até nos suspeitos.E o que sobrar trazer preso." 70 ou 2013?Vamos então lembrá-los que a turma não está brincando de "passear no bosque" e sim pé na rua.Sempre tive medo de porões e bastidores.Daí o anonimato.
    Gostaria de ver uma nova capa do livro Luis Mir :de Revolução Impossível para "Revolução Possível. Eagora Isis nos dê mais espaço para conversarmos.bjs para todos daqui.Cida.

  3. Nesse momento cada relato agrega um pouco à história de cada um, como se fosse uma colcha de retalhos.
    Pela primeira vez vi um motivo de SP não ter praças e nem espaços públicos de interação - coisa q eu já havia notado antes e não tinha entendi o porquê.
    Mas desta vez a falta de praças não enfraqueceu o movimento. A ocupação está em todos os cantos da cidade. E que continue assim!

  4. Hoje a pri­meira grande con­quista do mo­vi­mento está sendo co­me­mo­rada: os qua­tro prin­ci­pais go­ver­nan­tes do Rio e de São Paulo anun­ci­a­ram que vão re­du­zir as pas­sa­gens e como meio de evi­tar o pre­juízo às em­pre­sas cri­a­rão sub­sí­dios para com­pen­sar o não au­mento (ou seja, para cada vi­a­gem feita por um ci­da­dão o go­verno pa­gará às em­pre­sas, com o di­nheiro de im­pos­tos, os tais 0,20 da dis­cór­dia).

    Assim fi­cou todo mundo fe­liz: os em­pre­sá­rios de trans­porte que man­ti­ve­ram sua mar­gem de lu­cro in­to­cada, os go­ver­nan­tes que en­con­tra­ram uma so­lu­ção po­pu­lar e que pode ga­ran­tir al­guns vo­ti­nhos no fu­turo, a grande massa dos ma­ni­fes­tan­tes ino­cen­tes úteis que são in­ca­pa­zes de per­ce­ber que afinal trocou-se seis por meia dú­zia, os ma­ni­fes­tan­tes lí­de­res que têm agora a faca e o queijo na mão para se tornarem os próximos Lindbergs Farias, e o movimento estudantil que agora tem mais uma glória para contar além da derrubada (só que não) do Collor e da invenção de uma das leis mais estúpidas do país: aquela que exige que casas de espetáculos e cinemas COBREM O DOBRO de quem não apresentar carteirinha de estudante.

    Estão todos de parabéns, legal ,)

    1. Daniel,

      Com relação aos 20 centavos, seria necessário vermos a planilha do transporte público para termos uma ideia do investimento do dinheiro. Qual porcentagem é destinada a qual tipo de pagamento? Aí, sim, poderemos tirar mais conclusões. Não acha?

  5. Indico a leitura: http://www.economist.com/blogs/americasview/2013/06/protests-brazil?spc=scode&spv=xm&ah=9d7f7ab945510a56fa6d37c30b6f1709

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