O que eu posso fazer para melhorar o mundo? Com esta pergunta prepotente, comecei a escrever este blog que vos fala. Hoje, cinco anos depois, continuo tocada pela mesma questão. Graças à dúvida – e ao Xis-xis – consegui fazer da minha profissão o meu modo de tentar melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem, ao menos, perto de mim. Seja tentando “desvendar” a ciência para leitores ou estimulando o restauro da Mata Atlântica. No campo pessoal, oferecendo um “bom dia” ao motorista do ônibus ou, humildemente, explicando para os amigos próximos que as cores avermelhada ou azulada das estrelas têm a ver com o comprimento de onda emitido por elas.
Apesar de acreditar na possibilidade de todas as pessoas da Terra poderem ter qualidade de vida (comida, saudáveis condições de moradia, educação, acesso à medicina, tempo para curtir os amigos e a família), sinto que esse dia ainda está longe. E essa distância parece aumentar enquanto espero ansiosamente pelo documentário Blackfish, ainda não sei quando será seu lançamento no Brasil ou em DVD. Ele usa como fio-condutor a história da orca Tilikum para abordar os “shows” com animais marinhos em cativeiro. Nem quando era criança e também sentia a vontade de tirar foto abraçada com um golfinho, me interessei por esse tipo de “show”. O motivo é simples: qual é a graça de ver um imponente animal selvagem “obedecendo” as ordens de um humano apenas para entretê-lo?
Gratificante, mesmo, é topar com um animal desses vivendo com toda a sua natureza. Como quando vi os golfinhos caçarem tainhas surfando nas ondas da Praia de Pipa, no Rio Grande do Norte. Ou quando observei as baleia-francas saltarem sobre as águas, enquanto eu passava muito frio sobre uma rocha na cidade de Hermanus, na África do Sul (segundo pesquisadores, as baleias saltam, entre outros motivos, para se livrarem das cracas que habitam as manchas esbranquiçadas da pele). Ou quando vi seus filhotes balançarem as nadadeiras e o rabo livres, leves (eles nascem com cerca de quatro toneladas!) e soltos na reserva De Hoop, também no indescritível país africano. Ou quando ouvi a conversa dos golfinhos enquanto mergulhava com snorkel, em Fernando de Noronha (ouça no vídeo). Ou quando nadei com arraias e tartarugas aqui pertinho de São Paulo, em São Sebastião.
Como vivemos no capitalismo, regido pelo dinheiro, ando a favor de usar o turismo de observação (evitando ao máximo a intervenção humana) para preservar as espécies. Ao menos, essa medida pode ajudar na educação ambiental e no respeito ao diferente, ao outro ser. Em Noronha, podemos nadar com os golfinhos desde que eles venham até nós. Na África do Sul, a população das baleias-francas está em crescimento. Lá os barcos com turistas estão proibidos de se aproximar, se não me engano, mais do que 50 metros perto delas. O motor deve ser desligado e há limite de minutos para ficar perto de uma. E não é que elas veem até a gente, nos encaram olhando nos nossos olhos e ficam próximas observando? <3
Fazemos parte do meio ambiente e do mesmo planeta em que vivem os animais marinhos. A natureza deve ser curtida, sentida, respirada, vivida. Mas, jamais, degrada. Na África do Sul, os barcos com turistas mergulhando dentro de gaiolas para observar os tubarões-brancos me incomodaram. Vi o procedimento de outra embarcação: os guias jogam uma mistura de sangue de peixe na água e uma foca de mentira. Os curiosos tubarões-brancos, com mais de cinco metros de comprimento, chegam perto dos barcos e observam (inclusive nós, fora da água). Agindo como gatinhos que batem as garrinhas na bolinha de lã, eventualmente, os tubarões tentam abocanhar a foca de mentira. Assim, são guiados até baterem na gaiola cheia de turistas. A “brincadeira” com os instintos desses animais pode impactar o seu cotidiano, não?
De acordo com alguns psicólogos (não achei as referências que tinha visto), um dos motivos pelos humanos criarem animais selvagens que, em alguns casos, nos “vejam” como alimento é pelo poder. O humano se sente poderoso, pensa que é igual em força ou beleza ao animal ou até superior ao bicho, já que este se “submete” ao humano. Agora, focando nos mamíferos marinhos. O documentário The Cove mostra que os golfinhos, por exemplo, são capturados do seu ambiente natural para serem exibidos em “shows” mundo afora – veja o premiado filme, que inclusive ganhou o Oscar, e tenha um ataque alérgico de nervosismo. Este texto em inglês (se não conseguir ler use o Google Tradutor), indicado para mim pela jornalista Juliana Arini, aponta que muitos animais são maltratados e sofrem por se separarem do grupo.
Como nós, os cetáceos de modo geral vivem em sociedade. Agora, vamos imaginar. Você morava com sua família e amigos. Um dia, enquanto estava com eles na rua, vieram estranhos armados e o levaram embora a força. Você, deprimido, foi colocado em um local onde deveria obedecer às ordens da equipe do sequestrador. Em troca, ganhava comida. Se exibisse suas habilidades para todos os estranhos que o iam ver, poderia continuar “vivendo sossegado”. Eventualmente, um turista chegava perto, dizia que te amava, que faria de tudo para te proteger. Esse amor não parece doentio? Mais um sentimento egoísta de sua parte do que amor?
Eu já cometi erros enquanto turista. Mas, a cada dia, reflito sobre as consequências das minhas pequenas ações. Os animais devem, sim, serem estudados para conhecermos mais sobre eles. Devem ser contemplados para aprendermos a respeitá-los. Podem ser expostos em zoológicos e aquários, tudo adequadamente e o mais saudável possível para eles, para ser ensinada a educação ambiental – e até serem preservados e pesquisados. No fundo, cabe a nós pensarmos o entretenimento que queremos ter. Queremos ter entretenimento ou respeitar os outros seres que dividem o mesmo meio ambiente que nós para, juntos, vivermos em um mundo mais saudável? Nós compartilhamos o mesmo planeta, a nossa qualidade de vida depende da vida dos outros seres. E vice-versa.
A analogia que vc fez, infelizmente foi (e em alguns lugares e situações ainda é) também para humanos, inclusive aqui no Brasil...Lembra e muito à escravidão, tanto a passada (tráfico negreiro) quanto a atual (tráfico humano, exploração sexual, crianças-soldado, coiotes, escravidão por dívida ,etc)...
Se ainda fazemos com humanos, acho difícil que deixemos de fazer com animais em um futuro próximo...
André, a ideia foi essa mesma. Se é um absurdo fazer isso com animais, mais indescritível aplicar a humanos.
Bessa, já pensei muito nisso. Por isso que zoológicos em geral, incluindo aquários, e algumas interações com animais silvestres considero válidas - como em centros de reabilitação com animais que não voltarão à habitat natural. Mas me incomoda muito exposições em "shows" (nas quais incluo os circos). 😉 Me conte seu ponto de vista! Fiquei curiosa.
Isis, sempre adoro suas postagens. Só a título de provocação: Será que um dano como o que você narra, de tirar um animal de seu ambiente para usar em shows de submissão, não contribui para a preocupação ambiental. Em outras palavras, será que o sacrifício desse animal não poderia significar a preservação de outros tantos? Depois eu conto o que acho...
A first and well liked.
Desculpe a enorme demora em responder, Isis. Vou fazer a crítica mais vazia do mundo porque nem conheço bem o caso e não vi o documentário, então ignore tudo o que eu disser. Uma coisa que presenciei todas as vezes que trabalhei em zoológico é que a empatia é uma arma poderosíssima. Um flanelinha pede R$ 5,00 e a gente fica bravo, um amigo te pede R$ 5,00 para completar a conta da bar e tudo bem. Um animal estranho de uma região distante te pede para guardar o carro e andar mais de bicicleta e nem pensar, mas se é aquele panda marinho (tinham que ter dado o nome de panda marinho em vez de baleia assassina, marketing puro) que fazia gracinhas no show eu posso até considerar a hipótese. Ok, um animal foi muito sacrificado para aquilo acontecer, foi capturado e saiu da natureza. Mas sou meio estatístico quando penso no benefício líquido para a média das populações de orca. É o mesmo que acontece nos zoológicos.
No mais, sei de algumas iniciativas paralelas do Sea World em desenvolver bem estar dos animais cativos e financiar programas de conservação das espécies que eles expõem no parque (http://www.swbg-conservationfund.org/grantInfo.htm). Eu mesmo desenvolvi um projeto com furões no zoo de Cuiabá que envolvia adestramento (e apresentações para os visitantes) com forma de estimular a cabeça desses animais com enriquecimento ambiental cognitivo. E olha que furões são muito menos inteligentes que orcas.
É isso. Abraços. Bessa
Oi Bessa!
Que isso! Olhe, eu abro parênteses para zoológicos porque tem essa questão de gerar empatia nos visitantes e, consequentemente, esse sentimento pode ajudar na preservação dos mesmos. Sem contar as pesquisas atualmente realizadas em cativeiro. O que me incomoda, mesmo, são as apresentações adestradas - e outros tipos de imposição da força humana sobre os animais. 😉 Uma exposição do animal em um aquário, hoje em dia, já deveria ser o bastante. 😉 Abraço e obrigada pela discussão!