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Quando os barcos olham para o Sul

O cotidiano de quem mora em ilhas – com exceção de algumas como Florianópolis e Manhattan, claro – é bem diferente se comparado ao dia a dia daqueles que vivem em centros urbanos. Os habitantes têm uma relação mais próxima com o meio ambiente que o cerca e tem noção que dependem diretamente da natureza. Por exemplo, é comum as operadoras de turismo cancelarem passeios quando o mar está “mexido” (agitado demais). Infelizmente, nesses casos, alguns pescadores se arriscam devido às suas condições econômicas. De qualquer maneira, os habitantes, de modo geral, percebem quando é melhor fincar o pé em terra firme. E, assim, para garantir a própria preservação naquele ambiente isolado, colocam em prática os conhecimentos empíricos – aqueles adquiridos pelas experiências cotidianas.

No feriado do dia primeiro de maio, durante o café-da-manhã eu observava os barcos ancorados na Vila do Abraão, Ilha Grande, em Angra dos Reis. Fazia frio e o céu estava coberto de nuvens. O fracês dono da pousada percebeu meu olhar de dúvida perdido no horizonte. Chegou à mesa em que estava sentada com meu marido: “Os barcos estão olhando para o Sul”. Era verdade, a frente dos barcos estavam voltadas a esse ponto da rosa dos ventos. “Isso significa que está vindo uma frente fria”, explicou. E, com base no movimento dos barcos, completou a previsão do tempo: “Hoje vai ser frio e chegará mais chuva”. Acertou, mas mesmo assim aquele sol ardido de chuva mostrou as cores completamente transparente das águas e a area dourada.

 

Eu, que sou toda mar, comecei a reparar com outros olhos a dança dos barcos. Quando eles estão presos pela âncora ou amarrados por um só ponto, se movimentam sobre as águas, principalmente, de acordo com a velocidade e a direção do vento. Por isso que em uma baía é raro uns se chocarem com os outros mesmo ancorados lado a lado. Para algumas pessoas, essa história pode parecer boba. Afinal, já temos diversas instituições pesquisando sobre meteorologia e divulgando na internet as previsões do tempo. Não desmereço o trabalho deles, ao contrário, admiro. Mas não deveríamos perder a conexão com o meio ambiente que nos cerca. Seja em Manhattan, seja em Ilha Grande.

Tenha um dia colorido

 

O poético cenário acima foi fotografado no dia 1º de maio, na Vila Abraão, em Ilha Grande (Angra dos Reis). Os dois arco-íris apareceram para nos despedir horas antes de deixarmos a ilha da fantasia e voltarmos à nossa realidade no continente. Como paisagens encantadoras nunca são demais, compartilho essa beleza da natureza com um desejo de bom dia para você.

Saiba a origem da cor preta da areia da praia

No feriado do Dia do Trabalho, fui romantizar em um pedaço de terra que me encantou mais do que esperava: Ilha Grande, em Angra dos Reis. O arquipélago já fazia parte do meu imaginário. Por um dia estive lá há sete anos, durante o cruzeiro em um navio de 17 andares. Do penúltimo andar da embarcação, o céu se mostava azul-Rio-de-Janeiro, o mar azul-mediterrâneo, havia uma discreta brisa enquanto o barco navegava por entre “tufinhos” de ilhas verdes reluzindo a luz do Sol, cada uma com um tamanho – mais altas ou baixas que a altura do navio. De pertinho, a água transparente tinha tons de azul-piscina e verde-esmeralda. A descrição do paraíso. “Ainda volto para conhecer esse lugar com mais calma”, mentalizei. E deixei o universo conspirar.

Até que esse dia chegou. De pertinho, as Ilhas de Angra são tão incríveis quanto sua visão panorâmica, com destaque para a Ilha Grande – a maior do arquipélago. Lá, eu vi cardume de curiosas lulas, um peixe que parecia cavar com as nadadeiras da frente e abria nadadeiras azuis-arroxeadas do lado do corpo como um pássaro, diversos corais, estrelas-do-mar, um tenso helicóptero naufragado, maravilhosas baías, ruínas arqueológicas, densa Mata Atlântica, areia dourada com a textura e cor como a de Fernando de Noronha e uma “Praia Preta” com uma instigante areia… preta, preta, pretinha (clique nas fotos para ampliar)!

De modo geral, o sedimento levado ao mar pelos rios próximos, os restos de corais, os pedaços de conchas, os fragmentos vulcânicos, entre outros, formam as areias das praias. No caso da Praia Preta de Ilha Grande, a areia é principalmente formada por quartzo (habitual na composição da maioria das areias), feldspato e biotita (minerais constituídos por silício e alumínio raros nas praias porque se alteram rapidamente com a presença da água) e por um grupo de minerais pesados. Estes minerais pesados, chamados assim por ter a densidade maior que a dos minerais comuns, são escuros dando a coloração preta para a areia da praia. Entre eles, estão: magnetita (que é magnético), ilmenita (com titânio na composição e brilho metálico), monazita (fluorescente na luz ultravioleta devido a presença de elementos radioativos), zircão (vítreo com zircônio) e rutilo (uma das principais fontes de titânio da natureza).

O mais incrível é que as ondas do mar separam os minerais pesados do quartzo, do feldspato e da biotita. O movimento das ondas agrupa os minerais de acordo com sua densidade (mais leve ou mais pesada). As ondas acumulam os minerais pesados próximos à vegetação, mais longe do oceano, e arrastam os mais leves para perto do mar. O desenho das faixas coloridas formadas na areia lembra aqueles quadrinhos de vidro com areia dentro, hit dos anos 1980, que mudavam as paisagens conforme eram movimentados por nós. Lembra-se?

Obs.: As explicações sobre a areia preta da praia retirei de um cartaz oficial de informação sobre o local.

Uma mancha vermelha no mar

Nesse fim de semana, os lindos céu e mar azuis pincelado por golfinhos em São Sebastião foi coberto por densas nuvens cinzas. O vento que trouxe essas nuvens agitou o oceano e carregou mais surpresas para perto da areia: uma mancha vermelha na água. Minutos antes, uma tartaruga morta foi encontrada ainda sangrando na praia. “Não é possível que toda essa mancha seja o sangue da tartaruga”, pensei. “São algas”, concluiu o grupo com o qual conversava.

 

Claro que, curiosa, entrei na água até acima do joelho para ver de perto (sem mergulhar). Nem sei se faz mal para a saúde, mas não resisti. Incontáveis algas avermelhadas de vários tamanhos boiavam lado a lado forrando o mar perto da praia com sua cor vermelho-coral alarmante (clique nas imagens para ampliar). Até deixei de sentir frio causado pelo vendaval que varria a parte da pele molhada exposta para fora da água. Fiquei ali admirando “a união faz a força” daqueles pequenos seres por alguns minutos. Saí fedida – geralmente, alga exala um cheiro forte.Algum biólogo saberia dizer se esse é o fenômeno conhecido por maré vermelha (proliferação excessiva de algumas espécies de algas tóxicas que pode ser causada, entre outros, pela poluição do mar)?

Boa colorida semana!

Picos dos Andes aparecem em frente ao avião

Sempre quando estou nos ares, literalmente e não em pensamento como gosto de me deixar levar, procuro saber o local que o avião sobrevoa. Primeiro, porque a curiosidade faz parte do meu âmago. E, além das paisagens aéreas incríveis, essa é a chance de visualizar a geografia do nosso belo planeta. Um conhecimento a mais sobre o mundo em que vivemos. Antes de embarcar para o Chile, em dezembro, eu estava ansiosa: queria ver de pertinho a Cordilheira dos Andes! Um acontecimento por si só.

Sem exceção, todo mundo que sobrevoa os Andes fica admirado com sua altura e extensão. Nunca esqueci o que uma amiga comissária de bordo, acostumada com as paisagens aéreas, me disse: “Depois de sobrevoar os Andes, percebemos que um avião pequeno teria muita dificuldade para fazer essa travessia. Seria difícil ele conseguir”. Essas palavras ficaram por cerca de cinco anos no meu imaginário. E, enquanto esse tempo passava, todos os meus amigos – conhecendo minha paixão pela geografia do mundo – voltavam maravilhados desses mágicos minutos sobre a maior cadeia de montanhas do mundo em comprimento. Eu perguntava o porquê. “Parece que o avião vai encostar nelas”, diziam eles.

Observando as fotos, como as que ilustram este post (clique nelas para ampliar), parece mesmo que os Andes estão próximos da aeronave. Mas há uma distância muito grande entre quase encostar nas montanhas e estar perto delas. Apenas voando consegui entender o que todos me diziam. E olhe que não foi fácil, eu apresentava o início dos sintomas de uma infecção intestinal. Tremia com febre. Estava em um tempo paralelo dentro daquele avião lotado com dez fileiras de assentos. Sabe quando você toma vários remédios, alguns contra enjoo, e não se sente nem acordada e nem dormindo? Era nesse limbo que me encontrava. Mesmo assim, tenho certeza que as pontas das montanhas aparecendo na telinha em frente à minha poltrona não eram alucinações.

O avião levava uma câmera na parte de baixo dele. Eu poderia sintonizar o canal dessa câmera na tela em frente ao meu assento. Ao menos seis vezes, naquela câmera que mostrava o horizonte em frente à aeronave, eu vi os picos das montanhas mais altas dos Andes. Toda vez que um pico aparecia, o avião fazia uma leve curva para a direita ou esquerda. Tirei forças da minha curiosidade para ficar em pé no corredor – na ida ao Chile, estava no assento central, na volta, vim na janela (!) – para olhar a infinita cadeia de montanha.

Antes de sobrevoarmos os Andes, por um momento consegui segurar os sintomas da infecção para olhar pela janela. Lá fora, só nuvens. Um avião voa em torno de 11 mil metros de altura. Imagine, de repente, um paredão subir praticamente em sua frente. Em Cajón del Maipo, uma região dos Andes distante cerca de uma hora de Santiago (indo de carro), a altura das montanhas passam os 5 mil metros. A capital chilena está aos pés dos Andes. Portanto, os pilotos começam o procedimento de pouso sobre a Cordilheira. Sim, realmente, sobrevoamos pertinho dos picos e essa sensação é indescritível. Todos olham pelas janelas. Todos comentam. Todos soltam um “uau” ao mesmo tempo.

 

Na volta, recomposta da infecção intestinal e no assento ao lado da janela, pude me deliciar com aquelas imagens dignas de um documentário em alta definição. Lá de cima, consegui distinguir o Aconcágua creio ser o pico à esquerda da foto superior, montanha mais alta das Américas com 6.962 metros de altitude, entre toda a cadeia. E suspirar muitas vezes. Parece besta, simples, ordinário, se encantar com os 20 minutos sobrevoados. Mas, para mim, a Cordilheira dos Andes é indescritível. O voo já paga a viagem.

Conheça o design do Norte do Brasil

A doce designer gráfica Ana Paula Campos – que poderia facilmente ser sósia da Amélie Poulain -, minha colega na revista Pesquisa Fapesp, passará o mês de abril na Floresta Amazônica catalogando a arte local junto com uma amiga. Depois dessa incrível viagem, trará na bagagem um pouco do conhecimento sobre o design do Norte do Brasil para compartilhar conosco. Conheça o projeto, intitulado Objetos da Floresta, nas palavras da própria Ana Paula e acompanhe on-line a peregrinação das duas moças:

A ideia do projeto Objetos da Floresta começou com o encantamento despertado na designer Andrea Bandoni quando visitou pela primeira vez Belém, no Pará. Objetos, cores, texturas, costumes locais e todo um universo conectado à natureza de maneira intensa, sustentável e tão diferente de nossa realidade na grande metrópole.

Somos amigas de longa data e parceiras em projetos de design. A notícia de um edital de intercâmbio em artes visuais lançado pela Funarte apareceu justamente no momento em que conversávamos sobre esta experiência. Assim veio a ideia de inscrever um projeto propondo uma viagem experimental à Amazônia, com o objetivo de ver a floresta com os olhos do designer, procurando encontrar novas referências para a área que mesclem a cultura – produto humano, racionalizado – com a natureza, o selvagem, em sua forma mais exuberante. Andrea me convidou para embarcar (literalmente) com ela nessa viagem, o que eu prontamente aceitei.

 

Além de ver de perto o cotidiano das pessoas da Amazônia, faremos visitas a diversos locais, como centros de produção e associações comunitárias, instituições ligadas ao estudo e preservação da floresta, museus e universidades, e ofereceremos dois workshops gratuitos de três dias cada, em Manaus (www.museudaamazonia.org.br) e em Belém (sescboulevard.blogspot.com.br). A ideia é refletir e experimentar juntamente com designers e arquitetos locais sobre assuntos como design conceitual, sustentabilidade e identidade. Voltando da viagem, publicaremos um livro eletrônico que ficará disponível para download também gratuito, com reflexões sobre a experiência e alguns dos objetos encontrados.

 

Espero que tenham gostado da nossa ideia e que visitem o objetosdafloresta.com. Lá temos mais informações sobre a parte conceitual do projeto e dos workshops, um roteiro dos locais que pretendemos visitar e, a partir de abril, um diário que acompanhará nossa viagem, mostrando nossas descobertas à medida que forem acontecendo, com um olhar particular sobre a Amazônia.
Sorte e boa viagem!

Fachada verde fornece conforto térmico e sonoro

Veja só o que encontrei em uma volta descompromissada pela cidade de Santiago, no Chile, em dezembro: um hotel revestido por uma fachada viva! Eu estava tão exausta, cheia de bolhas nos pés e dores nas pernas devido às intensas caminhadas pelo país hermano, que resolvi pagar aquele ônibus vermelho turístico de dois andares – sim, fiz um passeio tiozão que prometi não contar para ninguém. Ele tem um esquema conveniente para quem está se arrastando de cansaço. O ônibus percorre os principais pontos e bairros turísticos da capital. Você pode descer ou subir em vários desses locais durante um dia todo pagando o passeio diário.

O novo setor financeiro da cidade – uma espécie de avenida Brigadeiro Faria Lima paulistana -, intitulado “El Golf” devido a um enorme campo de golfe próximo ao local, faz parte do trajeto do ônibus. Entre aqueles prédios robóticos espelhados e resquícios antigos da cidade, eis que encontro esse contemporâneo hotel com sua fachada revestida por plantas vivas, intitulado “The Garden Tower” (“A Torre Jardim”, em inglês). Os guias do ônibus não continham informações sobre essa arquitetura. Nem o site oficial do hotel aborda a fachada. Encontrei alguns detalhes sobre a tecnologia empregada no site Greenroofs.

Sobre a fachada do hotel, são 2.200 m2 de jardins verticais instalados nas faces oeste e sul distribuídos por 16 andares. Foram usadas três espécies de plantas para forrar a fachada: Ophiopogon, Ajuga e Ceratostigma com musgo. Como em cada época do ano essas plantas se apresentam de uma maneira – mais verdes no verão, algumas floridas na primavera e mais sequinhas no outono e inverno – a fachada quadriculada muda de cor de acordo com a estação. Efeito poético – suspiro. Mas a escolha pelo revestimento verde não foi feita apenas por sua beleza.

A parede verde reduz entre 40% e 60% os gastos de energia com ar-condicionado. As plantas (em geral) proporcionam melhor conforto térmico para o ambiente interno revestido por elas, devido ao sombreamento que fazem e à evapotranspiração (transpiração das plantas e do solo). Elas também ajudam a impedir que o barulho nas ruas entrem dentro do prédio e diminuem a poluição sonora da cidade. Se um hotel com toda sua complexidade apostou na fachada verde, o que te impede de ter ao menos um singelo jardim em casa ou no apartamento?

Boa semana!
Obs.: Repare na expressão do ciclista ao ver o discreto vermelho ônibus de turismo onde eu estava.

Nem toda montanha dos Andes é de “pedra”

Quem observa a Cordilheira dos Andes da janela do avião (clique nas imagens para ampliar), além de sentir euforia misturada com frio na barriga por voar entre os picos, tem a sensação de que todas suas montanhas são parecidas. Geralmente, olhando de lá de cima, o topo das montanhas está coberto de neve e suas rochas refletem uma homogênea cor escura. Já no Chile, da cidade de Santiago, é possível observar os magníficos paredões quando a poeira e poluição baixam. Porém, ainda parece que suas montanhas são todas iguais. Ledo engano.

Em Cajón del Maipo, uma região localizada no coração dos Andes a uma hora da capital chilena, o guia me alertou: “Repare que os ‘cerros’ [colina, em espanhol] têm cores diferentes”. Era cedo, cerca de 8h da manhã. Os raios solares não alcançavam nem um terço das altas montanhas – algumas passavam de 5 mil metros de altura. Conforme a gente caminhava horas naquele lugar considerado o centro energético mundial por Dalai Lama (li a informação num mapa turístico local), o sol subia no horizonte iluminando as íngremes encostas. Aí, meus olhos brilharam.

 

Entendi o que o simpático chileno quis mostrar. Cada montanha – próxima, grudada ou nascendo na outra – tem uma cor diferente. Sério, as tonalidades são muito e perceptivelmente diversas. Algumas montanhas são verdes, outras avermelhadas, outras amarelas (acredite!), outras pretas, outras marrons claras, marrons escuras ou esbranquiçadas. Isso significa que, apesar dos Andes emergirem do fundo do mar, a proveniência das suas rochas é variada.

 

O guia, pertencente a uma família de mineradores – a principal atividade econômica da região -, sabe “do que a montanha é feita” só de olhar para um pedrisco. Tropecei numa rocha com discretas listras verdes. “Nessa pedra tem cobre”, disse o guia. Entramos em termas com água esbranquiçada. “Nessa montanha deve haver gesso”, conta. Percebi que, principalmente, o vulcão San José e o Cerro El Mirador del Morado com glaciar (um gelo que permanece muitos mil anos sem descongelar, imagem à esquerda) têm cor preta. Ou seja, sua composição tem basalto – uma rocha vulcânica de cor escura.

 

O chileno não sabia dizer qual a composição do Cerro Amarillo (montanha de cor amarela, claro, foto acima), localizado em frente ao Parque Nacional El Morado – ainda vou falar sobre esse lugar divino neste blog. Mas contou que ele era bem maior. A cada verão a montanha se desfaz, sendo levada abaixo pelas águas do degelo. Assim, sua observação somada ao seu antigo trabalho como minerador e sabedoria popular indica qual a melhor montanha para praticar alpinismo, caminhar, encontrar traços de civilizações já extintas e por aí mundo afora. Não é incrível? Proteger a natureza é viver. Boa semana colorida!

Aprenda com o passado da Ilha de Páscoa

A dica de hoje é o Museo de Arqueología e Historia Francisco Fonck, na litorânea cidade com ar-condicionado natural Viña del Mar, no Chile. Ele primeiro atrai a atenção por expor um grande moai (aquelas estátuas da Ilha de Páscoa) com mais de dois metros em seu jardim – este, aliás, era o meu interesse inicial, pois queria novamente a euforia sentida ao ver um moai no British Museum. Pesquisando sobre o museu, vi que ele tinha, além de uma área destinada à história natural, mais peças da polinésia chilena. Já me deu coceira. Tenho loucura por essas ilhas do Oceano Pacífico. Aliás, já que estou toda cultureba, se você também gosta da cultura polinésia veja o filme ” Tabu, a Story of the South Seas” (1931), dos cineastas Robert Flaherty e Friedrich Wilhelm Murnau – a obra é a vanguarda muda e em preto e branco dos documentários atuais.

Viajando de volta ao Chile, o museu expõe muitos textos sobre a Ilha da Páscoa. Além da já sabida (geralmente sem detalhes) história de que os próprios moradores da ilha, o povo Rapa Nui, a desmatou inteira, lá descobri que sua cultura é bem diferente das outras civilizações polinésias ou indígenas contemporâneas (antes do século XVII). Entre as informações que chamaram a atenção: ninguém até hoje sabe sua origem exata, cada moai tem um nome (quem lembrar dos dados do que está exposto no Museu Fonck e no British Museum deixe nos comentários deste post), eles eram mais guerreiros que o povo do Hawaii e do Tahiti (brigaram à beça entre os próprios povos e para que os europeus fossem embora da ilha) e praticavam a horticultura. Esta está diretamente relacionada ao desflorestamento do local.

Os rapanui pescavam, mas a horticultura era a base da sua subsistência – alguns indígenas brasileiros são coletores (vivem de colher frutos e afins da natureza, sem plantar). Eles cortavam e queimavam árvores para abrir lugar aos cultivos principalmente de: batatas, taro (“batata dos trópicos”) e inhame. Para produzir o fogo, friccionavam um pedaço de madeira dura sobre o tronco de uma planta chamada hau hau. Nas festas, cozinhavam a comida em grandes fornos cobertos por folhas e húmus. Os tocos de árvores também eram usados em fornos de residências, nas cremações, nos cerimoniais. Porém, o uso indiscriminado da madeira ao longo do tempo causou a falta de matéria-prima, dificultando a construção de embarcações, o que impedia migrações.

Enquanto isso, a população crescia na ilha. Consequentemente, cada vez mais, o espaço livre diminuía e os conflitos entre grupos rivais aumentavam. Havia aristocracia, sacerdotes, guerreiros, gente “comum”. Segundo o museu, a batalha do Poike entre dois grupos foi o momento culminante da crise na ilha no fim do século XVII. Depois dessa guerra, os habitantes tiveram que se virar com os recursos naturais e pessoais que sobraram. As plantações foram protegidas com jardins de pedras para conservar a umidade. Os cadáveres deixaram de ser cremados: seus ossos eram guardados limpos dentro de câmaras debaixo de altares. As cerimônias asseguradas eram para proteger a fertilidade e para saber administrar com destreza os recursos para a subsistência.

Além de várias histórias, como essas informações, o museu também conta com algumas peças do período precolombiano (inclusive uma múmia). Como o principal museu de arte precolombiana do mundo estava fechado para reformas de expansão, o Museo Chileno de Arte Precolombino, me contentei com o pouco que se mostrou muito. E fui feliz aprendendo com uma cultura que ainda vou conhecer mais de perto ao visitar sua terra natal. Sonhar é preciso. Boa viagem!

O Pablo e o mar

Aqui estão duas, hoje e amanhã, breves dicas para quem aproveita o carnaval para programar viagem ainda sem destino ou ao hermano Chile. A primeira delas é o museu Isla Negra, localizado na cidade litorânea El Quisco – apesar do nome, ele não está instalado em uma ilha. Fiquei emocionada ao visitá-lo por ser uma das casas do poeta Pablo Neruda e por sentir pertinho a proximidade do escritor com o mar. Relação que já conhecia por meio de seus livros, mas pessoalmente se revelando uma surpresa marejada.

Pablo Neruda amava o mar e sentia por ele um grande respeito. Brandava ser um marinheiro em terra firme. No quintal de sua casa encravada em uma praia pedregosa, com o constante estrondoso barulho das ondas se chocando contra elas, colocou um velho barco comprado em certa ocasião. Nunca levou-o de volta às águas, dizia que não precisava. Gostava de beber com os amigos sentado em seus bancos e, ao levantar, já saía mareado da embarcação.

Dentro de todos os cômodos da “casa-barco” repleta de personalidade, reutilizava diversos objetos principalmente remetentes, claro, ao mar como as esculturas inseridas na frente das embarcações – não lembro o nome dado a elas em português, em espanhol se chamam “mascarón de proa”. Vou me segurar nos detalhes sobre a decoração para evitar estragar as surpresas. Apenas ressaltar que, para Neruda, as residências deveriam ser lúdicas. E destacar sua consciência ambiental já naquela época, antes da década de 1970.

Certa vez, ao observar um dia agitado do mar, o poeta viu um objeto boiando próximo às pedras. Pediu a Matilde, sua última esposa, ajuda para retirar o que se relevou um pedaço maciço de madeira. “O mar me deu de presente o tampo de uma mesa”, disse. Depois de muito esforço, o casal levou para dentro de casa a peça a ser instalada em seu escritório caseiro.

Essas são poucas – e descritas neste post de maneira muito simples para um poeta tão grandioso – de muitas impressões e histórias guardadas em minha memória após visitar o abrigo de Neruda e ler as suas obras. Sua vida é um exemplo de respeito ao meio ambiente, amor às artes e compaixão ao próximo. Se tiver oportunidade de visitar sua residência que hoje é o museu Isla Negra, agarre-a firmemente.

Enquanto isso, do meu “apartamento-barco”, esta simples mortal que agora, mais ainda, se sente parte de uma versão feminina do poeta – alguém que me entende -, resiste a mostrar para outros os poemas que escreveu relacionados ao tema e deixa um registro do legado de Neruda para você se marear com ou sem o balanço das ondas:

El mar

 

Necesito del mar porque me enseña:
no sé si aprendo música o conciencia:
no sé si es ola sola o ser profundo
o sólo ronca voz o deslumbrante
suposición de peces y navios.
El hecho es que hasta cuando estoy dormido
de algún modo magnético circulo
en la universidad del oleaje.
No son sólo las conchas trituradas
como si algún planeta tembloroso
participara paulatina muerte,
no, del fragmento reconstruyo el día,
de una racha de sal la estalactita
y de una cucharada el dios inmenso.

 

Lo que antes me enseñó lo guardo! Es aire,
incesante viento, agua y arena.

 

Parece poco para el hombre joven
que aquí llegó a vivir con sus incendios,
y sin embargo el pulso que subía
y bajaba a su abismo,
el frío del azul que crepitaba,
el desmoronamiento de la estrella,
el tierno desplegarse de la ola
despilfarrando nieve con la espuma,
el poder quieto, allí, determinado
como un trono de piedra en lo profundo,
substituyó el recinto en que crecían
tristeza terca, amontonando olvido,
y cambió bruscamente mi existencia:
di mi adhesión al puro movimiento.