Do palco internacional ao Congresso nacional: o desafio da política ambiental brasileira.

A imagem possui o título : Do palco internacional ao Congresso nacional: o desafio da política ambiental brasileira. Abaixo do título duas fotos. A primeira é a sede da Orgnização das Nações Unidas com bandeiras enfileiradas. A segunda o Congresso Nacional em Brasília com o céu azul acima.

Nos dias 23 e 24 de Setembro de 2025, o mundo presenciou dois grandes eventos da esfera de discussão política internacional. O primeiro foi a abertura da 80° Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e o segundo a abertura do  Evento Especial sobre Clima para Chefes de Estado e de Governo que foi presidida pelo Secretário-Geral da ONU, António Guterres e copresidida pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.

Em ambos eventos o presidente Lula trouxe falas fortes e assertivas a favor da luta pelo meio ambiente, sendo aclamado pelas pessoas presentes.

Em ambos casos, o presidente Lula encarnou o líder climático do Sul Global que foi aclamado e eleito em 2022, e que trouxe o Brasil de volta ao palco internacional de discussões sobre as mudanças climáticas na COP 27 em Sharm El Sheikh. Quem ouviu seu discurso na última semana, certamente se arrepiou e se impressionou com o posicionamento do líder brasileiro. 

No entanto, apesar do discurso enérgico, em 2025 o Brasil enfrenta um congresso com uma bancada rural forte e contrária aos movimentos pró ambientais. Congresso esse que aprovou uma lei de licenciamento ambiental considerada um dos maiores retrocessos ambientais dos últimos 40 anos da política brasileira (a PL 2159, do Licenciamento Ambiental).

Ainda que o presidente Lula tenha vetado os pontos mais espinhosos da lei, o Congresso ainda busca contornar os vetos e avançar com a flexibilização do licenciamento…

Os discursos de Lula

80ª Assembleia Geral da ONU

A 80ª Assembleia Geral da ONU foi aberta com um discurso emblemático do presidente brasileiro. Nele, Lula:

  • relembrou a criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial, chamando atenção para os objetivos originais da organização;
  • trouxe à tona a questão das desigualdades sociais que afetam principalmente os países em desenvolvimento;
  • destacou a crescente crise climática e a necessidade de ações imediatas;
  • denunciou a guerra em Gaza e a inação da própria ONU diante do massacre.

Segundo as palavras de Lula, “a autoridade da Organização está em xeque”. O presidente apontou que vivemos uma desordem global em que decisões unilaterais ameaçam a liberdade, a soberania e a dignidade de diferentes nações. Assim, a ONU falha em sua missão de manter a paz mundial, o equilíbrio entre os povos e o diálogo democrático.

Lula questionou as prioridades da organização e ressaltou a necessidade de sair da arena das negociações para entrar no campo das implementações. Um momento particularmente marcante de seu discurso de quase 20 minutos foi o apelo à Assembleia para olhar para o genocídio em Gaza. O presidente afirmou:

“Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo.”

Esse trecho do discurso é decisivo, pois coloca em pé de igualdade os problemas ambientais e as guerras em curso. Ambas expressam os mesmos mecanismos de poder: decisões autoritárias orientadas pelos interesses de quem detém maior poder econômico.

Se a ONU, maior órgão multilateral do planeta, não consegue enfrentar os avanços autoritários, o que resta às populações mais pobres? Se seus próprios acordos não são respeitados, qual a autoridade real de encontros internacionais que deveriam enfrentar crises humanitárias e a escalada da crise climática?

O questionamento ecoa decisões passadas, como a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris durante a presidência de Donald Trump, exemplo de como compromissos multilaterais podem ser abandonados sem grandes consequências políticas. 

Para Lula, o enfrentamento ao genocídio em Gaza não é apenas uma questão humanitária, mas a sobrevivência de um povo inteiro diante da indiferença internacional. Assim, a luta contra a guerra não se separa da luta contra a crise climática:

ambas dizem respeito à defesa da vida em escala planetária.

O presidente sintetizou essa interdependência em uma frase forte:

“Bombas e armas nucleares não vão nos proteger da crise climática. O ano de 2024 foi o mais quente já registrado.”

De fato, a produção bélica é também destruição ambiental. O gasto energético, a emissão de gases de efeito estufa e a pegada de carbono associada às indústrias de defesa afetam todo o planeta. E, enquanto algumas nações se protegem com armas, outras populações, como a Palestina, vivenciam diariamente o fim do mundo. Desse modo, fica fácil entender a relação entre os ativistas ambientais e a defesa do povo palestino, tal como Greta Thunberg que hoje participa da Sumud Flotilla e que foi uma das tantas personalidades sequestradas pelo governo de Israel.

Por fim, já prestes a terminar seu discurso, Lula ressalta a importância da COP 30 dentro desse cenário internacional. Segundo ele :

“A COP30, em Belém, será a COP da verdade. Será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta”.

Evento Especial sobre Clima para Chefes de Estado e de Governo

Em outro momento, na mesma semana em que rolavam as atividades da 80ª Assembleia Geral da ONU, aconteceu o Evento Especial sobre Clima para Chefes de Estado e de Governo. A ideia era simples (pelo menos no papel): incentivar os países a chegarem na COP 30, em Belém, com novas NDCs debaixo do braço. 

O que são as NDCs?

As NDCs são o compromisso dos países com a diminuição das emissões de gases efeito estufa. Elas definem as metas climáticas nacionais de cada país e precisam ser apresentadas e atualizadas a cada cinco anos, com o objetivo de aumentar a ambição e garantir o cumprimento das metas globais de temperatura do Acordo de Paris, assinado em 2015.

Lula abriu o evento e foi direto ao ponto: afinal, quem está sendo ouvido quando se fala em crise climática? Ele defendeu que indígenas, quilombolas, cientistas, artistas, lideranças religiosas e locais tenham espaço real nas negociações (porque são justamente eles que vivem na pele os impactos do colapso ambiental).

Chamando Belém de “a COP da verdade”, Lula avisou que será hora de separar discurso de prática: mostrar se os países levam a ciência a sério e se têm coragem de cumprir o que assinaram lá atrás no Acordo de Paris. Caso contrário, não é só o clima que estará em risco, mas também a credibilidade das COPs, do multilateralismo da ONU e, de quebra, da própria democracia.

E não ficou só na cobrança para os outros, não. Lula também puxou o Brasil para a roda:

“O Brasil foi o segundo país a apresentar sua nova NDC. Estamos comprometidos a reduzir as emissões de todos os gases do efeito estufa entre 59% e 67%, abrangendo todos os setores da economia.”

Bonito o discurso, né? Mas basta pensar no desafio que é transformar essas metas ambiciosas em realidade dentro de um Congresso que, entre outras coisas, quer desmontar um dos maiores instrumentos de proteção ambiental do país: o licenciamento ambiental. Isso sem falar que, enquanto o governo fala em transição energética, ainda flerta com a ideia de abrir novos poços de petróleo na foz do Amazonas, como se fosse possível apagar incêndio jogando gasolina.

Mais uma vez, o presidente brasileiro se colocou em papel de destaque, exortando os países do mundo a se comprometerem com o enfrentamento das mudanças climáticas e chamando a atenção para a COP 30, que ocorrerá em novembro, em Belém. De fato, Lula brilhou nos eventos internacionais deste ano, juntando na mesma fala a crise climática e as guerras ao redor do mundo. Foi bonito de ver, deu até aquele orgulho de dizer “sou brasileira, sim!”. Mas, convenhamos, não dá para ficar só no arrepio patriótico… porque enquanto lá fora Lula encarna o líder climático do Sul Global, não podemos fechar os olhos para outro palco político: o nacional.

Quando o discurso não bate com a prática

Em pleno ano de COP na Amazônia, no qual o Brasil busca se projetar como liderança ambiental, o Congresso Nacional aprovou o PL 2159. A proposta foi sancionada pelo presidente Lula em agosto de 2025, com 63 vetos, em uma tentativa de manter o processo de licenciamento ambiental viável.

Entre os dispositivos vetados estão medidas que buscavam flexibilizar o licenciamento, como a possibilidade de licenciamento simplificado para atividades de médio porte, modalidade que previa a autodeclaração pelo próprio empreendedor. Também foram barrados o artigo que restringia a consulta a comunidades tradicionais em seus territórios e o dispositivo que isentava produtores rurais com Cadastro Ambiental Rural (CAR) da necessidade de passar pelo licenciamento.

Mas, como política ambiental no Brasil nunca é simples, logo depois veio a Medida Provisória 1308/25, que criou a Licença Ambiental Especial (LAE). Essa licença prevê análise prioritária e prazo máximo de 12 meses para atividades consideradas “estratégicas”. E adivinha o que entra nessa categoria? A exploração de petróleo na foz do Amazonas.

Enquanto isso, o Congresso tenta dar seu jeitinho para driblar os vetos: já são mais de 800 emendas apresentadas para tentar reverter pontos barrados e empurrar novamente uma flexibilização geral do licenciamento.

Esse vaivém mostra como a política ambiental brasileira virou um verdadeiro campo de batalha, onde cada avanço carrega junto uma tentativa de retrocesso. Como lembra Cláudio Angelo em O Silêncio da Motosserra, a reforma do Código Florestal (2009–2012) foi o estopim para a consolidação de uma bancada ruralista forte e para a transformação da pauta ambiental em guerra cultural. Hoje, ser “a favor” ou “contra” o meio ambiente virou uma declaração de identidade política.

O papel da ciência e da sociedade civil

No meio desse jogo, a ciência continua sendo chamada para trazer dados, análises e alertas. Mas não dá para esquecer: relatório não vira política pública sozinho. É preciso pressão social, denúncia e vigilância constante para que as promessas não fiquem só no papel ou, pior, sejam desmontadas em silêncio no Congresso. Se tem algo que aprendemos com a história recente é que a política ambiental no Brasil avança de um lado e recua de outro. Cada vitória vem acompanhada de uma tentativa de desmonte, e cada discurso bonito lá fora precisa ser confrontado com as contradições de dentro.

Por isso, o que nos resta é manter o olhar atento. Olhar atento às emendas parlamentares que tentam ressuscitar a boiada. Olhar atento às negociações da COP 30 e às promessas feitas pelo governo. Olhar atento para não confundir discurso de liderança global com prática de flexibilização doméstica. Porque, no fim, o verdadeiro teste não é se Lula emociona plateias internacionais, mas se o Brasil consegue, de fato, alinhar suas políticas internas ao futuro climático que diz defender. 

Para saber mais

ANGELO, C; AZEVEDO, T (2024) O Silêncio da motosserra: quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia, 1 ed, São Paulo: Companhia das Letras.

BRASIL, PLANALTO (2025) Discurso do presidente Lula durante a abertura do Evento Especial sobre Clima para Chefes de Estado e de Governo.

BRASIL, PLANALTO (2025) Discurso do Presidente Lula na abertura do Debate Geral da 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas.

BRASIL, SENADO FEDERAL (2025) MP coloca em vigência a licença ambiental especial para “obras estratégicas”.

BRASIL, SENADO FEDERAL (2025) Publicada Lei do Licenciamento Ambiental, com 63 vetos.

OC.eco (2025) Na newsletter: Congresso dribla vetos ao PL da Devastação com alterações em texto de MP e mais.

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