A primeira vez que cruzei com o sr. Olavo de Carvalho foi na era pré-google da internet, antes de entrar na faculdade, quando frequentava sites de mídia alternativa e de movimentos sociais. Na época, comentários no site do Centro de Mídia Independente deram a entender que contribuidores de outro site, o Mídia Sem Mascara, um site de noticias e teorias conspiratórias de direita comandado pelo Sr. Olavo, estavam tentando plantar um comentário no CMI ameaçando o sr. Olavo de morte. A motivação seria ferir a credibilidade do CMI, por algum motivo político que me foge.
Essa foi a primeira vez que vi esse tipo de embate na internet, com facções bem definidas, que se odiavam e usavam de todas as táticas para minar seus oponentes. Obviamente nessa época eu não sabia da existência de criacionistas. Bons tempos…
De qualquer forma, de lá para cá o sr. Olavo parece ter capitalizado em cima da sua influencia intelectual, gerando uma espécie de culto a personalidade que o tem em alta estima. Talvez o ápice da sua popularidade foi ter atraído a atenção de artistas conservadores como Danílo Gentili e Lobão, que parecem o usar como fonte para suas…. err… “teorias” sociológicas. O sr. Olavo se vangloria de grandes feitos, como ter refutado cientistas como Einstein, Darwin e Newton. O Sr. Carvalho também defende que o Sol gira em torno da Terra, que a Pepsi usa fetos para adoçar suas bebidas, que existem evidencias científicas para experiência extra-corpóreas e que existe uma conspiração global comunista. Ouro puro.
Em um vídeo postado recentemente no youtube, Olavo ataca de novo a física moderna, comentando especificamente sobre o Bóson de Higgs.
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No vídeo, um de seus alunos faz uma colocação de que a busca pela Partícula de Deus (o Bóson de Higgs) seria um “delírio cientificista”. O que ele quer dizer exatamente com isso, só deus sabe, o que não parece impedir o sr. Carvalho de opinar a respeito. Segundo ele:
Veja…. Se você tentar encontrar a razão da existência da matéria numa partícula da matéria… é coisa de QI 12.
O que me parece que o sr. Olavo está querendo apontar é que existe uma contradição em tentar explicar toda a existência através de uma partícula da matéria, visto que a partícula seria também material, o que implicaria que toda a matéria não teve sua origem explicada.
Apesar de parecer que o sr. Olavo tem um ponto aqui, existem duas questões que precisam ser elucidadas: 1) o Bóson de Higgs não está procurando explicar a existência da matéria e 2) mesmo se estivesse, a detecção do Bóson seria apenas a corroboração de uma teoria, e essa sim é que apresenta poder explicativo.
O primeiro ponto é o mais simples. O Bóson de Higgs procura explicar o porque as partículas elementares apresentam massa diferente de zero. O Bóson é parte do Modelo Padrão de física de partículas, que descreve a composição da matéria e como seus diferentes constituintes interagem.
Talvez a confusão do sr. Olavo e seu aluno venha do fato de que o Bóson foi chamado de “a Partícula de Deus” em um livro de autoria do físico Dr. Leon M. Lederman. Talvez por suas predisposições religiosas (o sr. Olavo é um cristão convicto) somadas a uma certa quantidade de ignorância sobre o assunto, ambos parecem assumir que se algo tem o nome de “Deus”, então ele deve explicar tudo. O problema desse raciocínio é óbvio, mas para piorar ainda mais, o nome de “Partícula de Deus” foi uma decisão editorial. Segundo o Dr. Lederman:
Porque a Partícula de Deus? Bom, duas razões. Primeiro, o editor não nos deixou chamar de “A Partícula Maldita”, apesar desse ser um título mais adequado dada a sua natureza traiçoeira e o trabalho que ela tem causado. A segunda é que ele [o nome] tem uma conexão com outro livro, um muito mais antigo…
E aqui Lederman está se referindo ao Genesis Bíblico. Então, apesar da confusão ser compreensível, é válido notar que o que importa para a validade de uma empreitada científica é a validade das suas premissas teóricas, e não o maldito nome que associaram a ela.
Agora ao segundo ponto. Vamos assumir que existe uma hipótese que explica a existência de toda a realidade e de todas as propriedades de todas as coisas que nela residem. Agora ainda assumir que essa hipótese prediz que, se ela é verdade e se todos os processos que ela descreve aconteceram, então poderíamos ver um sinal disso na natureza, como na presença de uma partícula elementar qualquer. Podemos colocar isso em um formato silogístico simples:
- P1- A hipótese X contem modelos e processos.
- P2- Um desses modelos prevê a existência de uma partícula na natureza
Agora, vamos assumir ainda que
- P3- Tal partícula existe na natureza
Isso significa que a hipótese X está correta? Bem, não. Essa questão remete ao problema da indução em ciência, na qual não existe um numero finito de observações que possa corroborar qualquer generalização.
Porém, observar a presença de tal partícula definitivamente significa que não podemos dizer que ela é falsa. Isso, em ciência, é o suficiente para constituir uma “hipótese de trabalho”, uma hipótese provisória que será subsequentemente testada e, se todas as tentativas de demonstra-la como sendo falsa falharem (ou se todos as observações forem consistentes com a hipótese), então essa ideia pode se consolidar na ciência com um alto grau de certeza.
O ponto central disso tudo é que, se observamos a partícula, o que contem poder explicativo é a hipótese, e não o fato. Fatos não explicam nada, e apesar de o Olavo colocar esse ponto (de certa forma), ele parece confundir deliberadamente o que é fato e o que é hipótese para fazer uma afirmação verdadeira (“fatos não apresentam poder explicativo”), porém irrelevante fora da representação fantasiosa de o que cientistas realmente fazem. É um festival de bobagem.
Ou, quem sabe, o Olavo acabou de refutar a priori o modelo padrão da física de partículas. Mais uma refutação colossal para a lista dele, eu suponho…