Alguns números sobre a reforma da previdência

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Há alguns dias eu divulguei o texto O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência que apresentava algumas avaliações sobre os possíveis impactos da nova reforma da previdência. Uma das conclusões desse artigo que mais me chamaram a atenção está representada na figura abaixo, no qual o autor mostra que, se a idade mínima de aposentadoria fosse a proposta pelo governo (65 anos), brasileiros teriam aproximadamente 6 meses de vida saudável após a aposentadoria, enquanto os demais países usados como comparação teriam em média 6 anos.

 

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Porém algumas pessoas levantaram em resposta a esse texto, inclusive na sessão de comentários do artigo, que esta conclusão estava equivocada por se basear na expectativa de vida média com saúde chamada HALE (uma modificação da expectativa média ao nascer). O argumento é que, para saber quanto tempo de vida uma pessoa vai ter aposentada, o que importa é a expectativa de vida média na idade da aposentadoria, e não a no nascimento, que está influenciada por diversos fatores, como por exemplo moralidade infantil e morte na juventude em decorrência de violência.

E sim, de fato o Brasil é um dos países com mortalidade infantil mais elevada, o que parece impactar negativamente a expectativa média ao nascimento. No gráfico abaixo eu mostro a relação entre a expectativa de vida ao nascimento contra a expectativa de vida aos 65 anos (também chamada de expectativa de sobrevida) e é fácil ver que Brasil, Rússia e México tem uma expectativa de sobrevida muito superior a o que é esperado pela sua expectativa de vida ao nascimento.

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Relação entre expectativa de vida (ao nascimento) e expectativa de sobrevida (aos 65 anos). Reta representa uma regressão por quadrados mínimos ignorando os países mais divergentes (Rússia, México e Brasil).

 

Então me parece que, se “o que importa” é de fato a idade ao se aposentar, então deveríamos observar e comparar o Brasil em relação a outros países que tem aposentadoria minima de 65 anos e qual é a taxa de sobrevida média desses países e tirar daí nossas conclusões. Nos gráficos abaixo eu compilei a taxa de sobrevida aos 65 anos dos países da OCDE (os mesmo usados para justificar a proposta do governo) que fixaram a idade mínima de aposentadoria aos 65 anos .

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Expectativa de sobrevida de homens em países da OCDE que apresentam idade mínima de aposentadoria aos 65 anos.
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Expectativa de sobrevida de mulheres em países da OCDE que apresentam idade mínima de aposentadoria aos 65 anos.

Observando esses gráficos podemos observar duas coisas principais. 1- Dentro dos países escolhidos como critério de comparação, o Brasil se encontra entre os com taxa de sobrevida mais baixa. 2- A taxa de sobrevida é de 16.6 anos para homens e 19.7 para mulheres. Ou seja, enquanto é verdade que, uma vez que você se aposente, você vai ter mais de uma década e meia de sobrevida, o Brasil ainda está dentre um dos piores países com regras similares para a aposentadoria.

Se observarmos o caso dos homens (que apresenta muitos mais pontos de comparação, visto que a maioria dos países admite idades distintas para homens e mulheres), vemos que o Brasil se agrupa com países como México e Chile, o que me parece esperado visto que são ambos países latino-americanos com mais similaridades geopolíticas conosco do que os demais países listados. Vale também notar que essas diferenças são pequenas e que, para ambos os sexos, a expectativa de sobrevida brasileira difere da média em 1.25 anos para homens e 1.35 anos para mulheres.

Então, ao menos desse ponto de vista, não parece que a reforma da previdência é particularmente danosa, principalmente de quem já ganha o benefício mínimo. Porém me parece que um dos maiores receios das pessoas está na ideia de que você vai morrer sem se aposentar, e os dados expostos acima não resolvem essa questão. Afinal, se você já se aposentou, você está fora da demografia para qual esse medo é uma realidade. Me parece que uma avaliação mais precisa dessa questão deva ser feita não confrontando expectativas de vida, mas quantas pessoas de fato morrem antes de atingir 65 anos e que antes poderiam se aposentar. Se usarmos a idade média de aposentadoria no brasil como parâmetro (59 anos), vamos que entre a faixa etaria de 55-59 anos e a de 65-69 anos temos uma perda de aproximadamente 2 milhões de homens e 2 milhões de mulheres, o que totaliza 2% da população. Porém, isso é um cenário extremamente pouco conservador, visto que a maioria dos brasileiros já se aposentam por idade e não por tempo de contribuição. Se considerarmos apenas os aposentados por tempo de contribuição (que se aposentam em média com 55 anos), esse valor seria reduzido para menos de 1% da população. Esse valor é alto? Dificil dizer. Obviamente é má notícia para as pessoas diretamente afetadas, mas está longe de ser catastrófico.

Enfim, o que tudo significa? Que a reforma proposta pelo governo é a melhor possível? Provavelmente não. Mas também não significa que todo argumento em favor ou contra ela é automaticamente bom.

 

“Rolezinho” e os Zumbis de Romero

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Zumbis no shopping.

Zumbis sempre me intrigaram. Ao mesmo tempo que aparentam ser humanos, nada em seu comportamento evidencia isso: são maquinas de matar e comer incessantes, com preferencia especial pela carne humana. São monstros, pura e simplesmente, sem nenhum tipo de sentimento, exceto fome.

Dentro da escala de “coisas que podemos matar sem nenhum tipo de paradoxo moral”, zumbis provavelmente encabeçam a lista. Os jogos de videogame e filmes notaram isso rapidamente. Zumbis nutrem nossa necessidade por violência justificada: você pode explodir a cabeça de um zumbi sem remorsos, mas um vilão, mesmo o pior de todos, pode receber um pouco de compaixão. Afinal, como diria o Batman: “Escória, mas até escória tem família“.

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Batman não mata, nunca.

Mas o que isso tem a ver com os “rolezinhos”? Bom, hoje cedo fui ler o editorial na Folha da Elaine Cantanhede, no qual ela aponta diversos paralelos entre os “rolezinhos” e os protestos do ano passado contra as tarifas de ônibus. Ela aponta, entre outras coisas, que antes falávamos de um movimento de classe média politizada (de certa forma) e que, após ser reprimido, explodiu nacionalmente. Segundo Cantanhede, os “rolezinhos” são um movimento análogo, motivados pela alienação dos jovens de classe baixa do mundo consumista e ostentador, exemplificado na figura dos shoppings centers. O ponto central, eu acho, é que a não-compreensão das vontades dos indivíduos em ambos os casos levou a uma atitude do governo que só piorou as coisas, e isso falou diretamente para mim. Apesar de estar envolvido nos protestos contra o aumento das tarifas, e “entender” o movimento, eu não entendo o “rolezinho”. Eu estou de fora. E isso me lembrou de Romero.

George A. Romero é um dos meus maiores ídolos. Foi ele que concebeu essa idéia de zumbi que temos hoje em dia: sem mente, faminto, meio morto e em decomposição, que se arrasta lentamente atrás de suas vitimas. Esse conceito foi lançado inicialmente em seu filme “A Noite dos Mortos-Vivos”, um filme que chocou uma geração ao subverter a narrativa padrão de filmes de terror: “monstros aparecem, matam todo mundo, menos o herói, que mata os monstros e foge com a mocinha”. Não… nada termina bem. Sabe aquele tema comum em histórias de Zumbis, no qual os zumbis são ruins, mas são os humanos que te ferram no fim? Então, Romero começou isso, nesse filme.

Romero ainda explorou outros aspectos da idéia dos zumbis: sendo essas máquinas inumanas de matar, é impossível entender suas vontades (se é que eles tem alguma). Você só precisa se defender, matando de preferência, sempre lembrando que eles não são “gente como a gente”. Em “A Noite dos Mortos-Vivos”, os sobreviventes se escondem em uma casa de subúrbio americano (aqueles bairros onde a classe média vai para fugir da “violência da cidade”), mas na sequência, “A Madrugada dos Mortos-Vivos”, eles se escondem em um Shopping Center. E foi nesse filme que finalmente entendi a mensagem: enquanto a minoria privilegiada se esbanjava dentro do Shopping, a multidão faminta apenas olhavam pelas grandes vitrines. Mas Romero adverte: o equilíbrio é instável. Uma hora a pressão é grande, as portas quebram e os mortos invadem.

E eles invadiram.