Devolvendo a visão aos cegos, Mendel-style!

ResearchBlogging.orgA evolução dos peixes-cegos me fascinou desde o primeiro ano de faculdade. A história é a seguinte: sabe-se que populações de peixes de caverna ao redor de todo o mundo apresentam fenótipos (características morfológicas) similares que incluem redução ou ausência de aparato visual (A.K.A. eles são cegos) e perda da pigmentação da pele. Tais alterações não são uma simples consequência da ausência de luz nesses ambientes, como no caso do “bronzeado de escritório”. Esses animais são incapazes de produzir olhos e coloração “selvagem” (a cor vista em populações de superfície) mesmo na presença de luz, e tais ausências são transmitidas através das gerações. Ou seja, elas são genéticas.

Tal fenômeno – o de diversas populações de organismos apresentarem um fenótipo similar, geneticamente codificado, de forma independente uns dos outros – é chamado de “convergência”, e normalmente está associado ao processo de seleção natural. A idéia é simples: os organismos apresentam as mesmas características porque os ambientes no qual eles estão privilegiam tais características, e a seleção natural se encarrega em fixar tais alterações, produzindo o que chamamos de “convergência adaptativa”.

Porém, o xis da questão aqui é: como é que tais populações apresentam exatamente as mesmas mutações, nos mesmos genes, de forma a gerar tal convergência? Parece um absurdo propor que algo assim tenha surgido por processos aleatórios e, ao meus olhos de recém ingressado no curso de biologia, parecia uma grande dificuldade para a noção de uma evolução não-guiada materialista. Nesse ponto, então, discordo com a colocação do Giuliano (ver post anterior) de que a ideia de um designer inteligente operando “uma sequência correspondente de mutações que resultaria na redução do aparato visual” é ridícula. Na verdade, ela é bastante plausível, se imaginarmos que tais populações são, de fato, independentes. No mínimo, isso diminuiria em muito a plausibilidade de uma evolução puramente materialista como nós a entendemos. Porém as coisas não são exatamente tão simples assim, como pode ser visto no exemplo dos Tetras.

Astyanax mexicanus, ou o Tetra-cego, é um peixe muito interessante. Ele é natural do nordeste do México, e está distribuído em uma variedade de cavernas na região, assim como também apresentam populações na superfície. As populações de cavernas são extremamente modificadas, apresentando diferentes graus de redução de olhos (até completa ausência), enquanto as populações da superfície lembram peixes comuns.

Tetras da superfície (A) e de diferentes populações de cavernas (B-F).

O mais interessante dessa história toda é o fato de que todos esses peixes são da mesma espécie, o que significa que eles podem ser cruzados uns com os outros, possibilitando a realização de experimentos clássicos de genética. E de fato, muitos pesquisadores realizaram diversos experimentos, cruzando populações de caverna com populações da superfície, para ver o fenótipo, especificamente o tamanho dos olhos, das primeiras linhagens de cruzamento (chamadas de F1). Via de regra, quando uma população cega era cruzada com uma população de superfície, a linhagem F1 apresentava um tamanho de olho intermediário entre elas.

A primeira linhagem de cruzamento (F1) entre populações de caverna cegas e da
superfície geram indivíduos com olhos de tamanho intermediário

Até aqui nada de realmente excitante. Porém a diversão começa quando se começou a cruzar indivíduos cegos de cavernas diferentes entre si, especificamente de uma população cavernícula em especial, da caverna Molino, que eram peixes de caverna que apresentavam um olho apenas ligeiramente reduzidos. Diferente do que acontecia com o cruzamento com as populações da superfície, as F1 entre as populações de caverna e as de Molino não apresentavam olhos intermediários, mas sim olhos MAIORES QUE OS DE AMBAS POPULAÇÕES DE CAVERNAS. Não apenas eram maiores, como eram comparáveis aos das populações de superfície.

Tamanho do olho das populações de caverna de Piedras e Curva
e das F1 (primeira geração de filhos entre as populações) e F2 (segunda geração) 
entre essas populações e Molino. “B” indica “backcrosses”, cruzamentos para as 
populações originais.
Ou seja, ao cruzar populações com olhos reduzidos, é possível produzir um indivíduo com um olho maior que a de ambas. Como isso é possível? A explicação é bem simples, e remete basicamente à genética mendeliana.

Suponhamos que o tamanho de olhos sejam controlados por 4 genes dominantes (ou seja, a presença de apenas um alelo dominante já acarreta no efeito total no tamanho dos olhos). Lembrando que peixes são organismos diplóides (apresentam duas cópias de alelos para cada gene), e que alelos dominantes são grafados com letras maiúsculas e alelos recessivos são grafados com letras minúsculas. Consideramos ainda que o efeito de cada alelo dominante é de 0,5 mm no tamanho dos olhos, e que o genótipo de uma população de superfície é AABBCCDD, o de qualquer de peixes de caverna seria algo do tipo AAbbccDD, e que a população de Molino apresenta o genótipo AABBCCdd, então temos o seguinte:

Superfície-       AABBCCDD =2,0 mm
Caverna (C)-    AAbbccDD    =1,0 mm
Molino (M)-     AABBCCdd  =1,5 mm
F1 (CxM)-       AABbCcDd   =2,0 mm

A principal sacada disso é que, apesar dos peixes apresentarem convergência na sua morfologia, diferentes cavernas não passaram pelas mesmas mutações para atingir sua morfologia atual. Diferentes populações passaram por diferentes históricos de mutação, em diferentes genes, para apresentar a mesma morfologia.

Mas no que isso influencia a ideia de evolução teísta?

Bem, para que o Designer tivesse criado ambas populações de peixes cegos através dos processos naturais, ele teria feito isso através de mutações diferentes em diferentes populações sem o menor motivo aparente, visto que o mesmo regime de mutações seria eficiente para atingir o mesmo objetivo. Ou seja, o Deus interventor deveria intervir em uma população de uma forma e em outra população de um forma diferente, sem nenhum motivo aparente. Sobraria para o evolucionista teísta aceitar um deus caprichoso, ou simplesmente apelar para Seus “misteriosos caminhos”, ou alguma bobagem similar.

Claro, a maior parte dos evolucionistas teístas não são bobos. Muitos deles se afiliaram a essa ideia na tentativa de conciliação entre uma teologia específica e a teoria evolutiva, coisas que costumam ser prima facie contraditórias. Muitos deles também se preocupam com honestidade e coerência, então qualquer solução para o dilema do evolucionismo teísta não vai ser simples assim.

Da forma que vejo, uma boa solução para a questão do evolucionismo teísta seria propor um deus interventor que produziria uma evolução que não poderia ser empiricamente distinguível de uma evolução puramente materialista. Como fazer isso?

Vamos então ao último post.

WILKENS, H., & STRECKER, U. (2003). Convergent evolution of the cavefish Astyanax (Characidae, Teleostei): genetic evidence from reduced eye-size and pigmentation Biological Journal of the Linnean Society, 80 (4), 545-554 DOI: 10.1111/j.1095-8312.2003.00230.x

Wilkens, H. (2010). Genes, modules and the evolution of cave fish Heredity, 105 (5), 413-422 DOI: 10.1038/hdy.2009.184

Jeffery, W. (2003). To See or Not to See: Evolution of Eye Degeneration in Mexican Blind Cavefish Integrative and Comparative Biology, 43 (4), 531-541 DOI: 10.1093/icb/43.4.531

Aquecimento Global: e que tal essas evidências, Dr. Felicio?

No final do ano passado aconteceu um debate no Jornal da USP (primeiro artigo e replica) sobre aquecimento global. A dança seguiu como de costume: defensores do Aquecimento Global Antropogênico (AGA) falando que os negacionistas não contribuem em nada para a ciência (o que é verdade) e os céticos do AGA (e eu uso o termo “céticos” de forma ampla aqui) acusando os defensores do AGA de não oferecerem provas o suficiente para comprovar o aquecimento.

A discussão teve presença inevitável do nosso amigo Dr. Ricardo Felício, notório cria… oups… “cético”, no artigo de réplica. Depois do meu escrutínio anterior do seu discurso delirante, eu elevei o Dr. Felício ao título de “Saco de Batatas com orelhas”. Ele não tem nada para contribuir, e eu não tenho a menor vontade de voltar a abordar seus argumentos. Entretanto, esse artigo de réplica foi assinado primariamente por um Dr. Kenitiro Suguio. Agora, mais de um paleontólogo colega meu afirmou que o Dr. Suguio é uma referencia na sua área (presumidamente algo a ver com sedimentologia do quaternário) e, diferente do Dr. Felício, parece merecer algum respeito acadêmico. Ok, então ao texto vamos!

A primeira coisa que me saltou aos olhos foi a total ausência de qualquer negação do aquecimento global. Sério, no duro. Vá lá e veja por si mesmo. Em momento algum o Dr. Suguio e companhia negam que existe aquecimento, se limitando a afirmar que

(…) não há qualquer evidência observada no mundo real que permita qualificar como anômalas as variações dos parâmetros climáticos (por exemplo, temperaturas atmosféricas e oceânicas) ou influenciados pelo clima (por exemplo, nível do mar)

O que é uma posição, digamos, muito mais cientificamente conservadora do que negar a existência do aquecimento global. Claro, a afirmação de que os padrões atuais de alteração climática não são anômalos são um tanto… ousada, mas passível de debate. Acho que já abordei isso de forma exaustiva (e você também pode checar os posts no GeneReporter sobre o assunto), então não vou entrar nesse mérito. Mas o que impressiona mesmo é ver o Dr. Felício assinando um texto desses. Afinal, é ele o mesmo que negava explicitamente que a temperatura sequer está aumentando! Não sei, mas algo aqui me cheira muito similar a o que alguns famosos criacionistas fazem ao defender o Design Inteligente como uma versão mais “intelectualmente aceitável” do que sair dizendo que Noé colocou um bando de animais em um bote e fez o pior Big Brother da história. Talvez… quem pode saber?

Digressões a parte, o texto de forma geral gira em torno de um argumento central:

(…) em lugar de evidências físicas, os proponentes do AGA se limitam a oferecer projeções de modelos matemáticos da dinâmica climática e uma exagerada importância atribuída às concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2)

Mesmo? É isso tudo que os defensores do AGA fazem? Porque eu sei que os dados climáticos estão por ai, assim como informação sobre emissão de poluentes, e não seria nada impossível simplesmente ver se tais variáveis estão correlacionadas ao longo do tempo. E se tem uma das coisas que eu aprendi na área acadêmica é: toda vez que você tem uma boa idéia, alguém já fez antes e melhor que você.

Teria por acaso alguém que tentou investigar a influencia das emissões na temperatura, e de quebra abordando as principais críticas dos céticos, como coleta de dados mal feita e utilização de metodologias falhas? Então sem mais delongas, com vocês, Dr. Richard A. Muller.

De cético a crente



Dr. Richard A. Muller é um físico da Universidade da California, Berkeley. Em 2004, Muller entrou na dança do Aquecimento global, do lado dos céticos. Aparentemente Muller havia visto a crítica de McIntyre e McKitrick (sobre a qual falei no meu post anterior) e tinha achado as colocações deles válidas:

McIntyre e McKitrick obtiveram uma paste do programa que Mann [famoso autor do gráfico hockey stick) usou, e eles acharam alguns problemas sérios. Não apenas o programa não usa o PCA convencional [uma técnica estatística], mas ele se realiza a normalização dos dados de forma que só pode ser descrita como equivocada. (…) Essa forma inapropriada de normalização tende a enfatizar os dados que tem a forma de hokey stick, e suprime todos os dados contrários. Para demonstrar esse efeito, McIntyre e McKitrick produziram dados que, em média, não tinha padrão. (…) Quando McIntyre e McKitrick deram esses dados para o protocolo de Mann, ele produziu um gráfico de hockey stick. (…) Essa descoberta me atingiu como uma bomba, e eu suspeito que está tendo o mesmo efeito em muitos outros. De repente o hokey stick, o garoto-propaganda ddo aquecimento global é, na verdade, um artefato de matemática ruim. Como isso poderia acontecer?

(tradução porca e ênfase minhas)

Mas Muller, diferente dos céticos padrão, não simplesmente sentou em um canto escrevendo posts zangados na internet (sim, eu sei… hipócrita), e resolveu colocar a mão na massa: arrecadou fundos e fundou o BEST – Berkeley Earth Surface Temperature – com o objetivo principal de arrecadar dados que eles consideram confiáveis sobre o clima, de uma perspectiva inicialmente cética.

E Muller enfrentou muita critica nesse ponto: dizer que não confia na capacidade de coleta de dados dos outros e que irá fazer tudo do zero é mandar o dedo médio para uma comunidade científica inteira (comunidade que ele, como físico, não fazia parte). Mas… e daí? Os climatologistas podem se sentir o quanto ofendidos eles acharem certo. Isso não muda o fato de que verificação independente é um dos pilares centrais da ciência. Muller estava certo de agir sob seu ceticismo, que é algo que não pode ser dito da maioria dos céticos do AGA.

Então, Muller lançou o BEST para resolver tudo, desde a coleta, sumarização, elaboração de novas metodologias e analise dos dados. E o que ele achou?

Estimativas da temperatura anual (esquerda) e por decada (direita) atuais e até 3 séculos atrás. Estimativas do BEST em preto, intervalos de confiança em cinza. Estimativas de outros estudos em outras cores.
Em primeiro lugar, nota-se que as estimativas do BEST correspondem muito com as geradas por outros estudos, para o período que eles coincidem, corroborando assim os estudos anteriores. Adicionalmente, eles conseguiram ampliar a janela temporal, estendendo as estimativas até o ano de 1750.
Tudo é bastante impressionante, principalmente porque, com uma janela de dados dessa magnitude, Muller e colegas resolveram testar diversas hipóteses, incluindo a influencia da emissão de poluentes na temperatura média, mas também dos ciclos solares e de eventos vulcânicos, duas criticas comuns dos céticos. Os resultados eu acho falam por si só:
Em vermelho, temperatura média esperada em decorrência da influência das emissões de CO2 e emissões vulcânicas (que são as quedas mais abruptas de temperatura, antes de 1850). Emissões de radiação solar não influenciaram significativamente as estimativas.
Resumindo: o aumento de temperatura parece estar principalmente ligado à emissão de CO2, irradiação solar não parece influenciar os padrões atuais e eventos vulcânicos tem uma influencia no clima, mas não explicam nenhuma tendencia atual. Dr. Muller foi bastante não-ambíguo em relação a esses resultados:

Eu conclui que o aquecimento global é real e as estimativas anteriores estavam corretas. Agora eu estou indo um passo além: Humanos são quase que inteiramente a causa.

Claro, a analise não é desprovida de falhas: em primeiro lugar os autores não puderam diferenciar a influencia do CO2 da influencia de outros gases, basicamente porque o aumento nas taxas de emissão estão muito correlacionadas entre si. Em segundo lugar, a analise é muito simplista, então eu não descartaria a possibilidade de uma influencia moderada de radiação solar. Mas é válido notar que os autores sabem dessas limitações e decidiram usar uma analise simples (uma análise de regressão simples) exatamente para limitar qualquer crítica metodológica.

E, de qualquer forma, o BEST disponibiliza todos os dados em seu site. Ou seja, qualquer um pode baixa-los, e analisá-los por si mesmo. Então, Dr. Richard A. Muller, por ser um verdadeiro cético com compromisso com a metodologia científica e transparencia acadêmica: cookie points para você. Pontos extras por me fazer poder afirmar confortavelmente que a AGA parece ser a melhor explicação para os dados que temos, e que devemos aceita-la para elaboração de políticas publicas.

Não me entendam mal: meu lado ambientalista anda bastante pessimista, até mesmo no que tange a conservação das espécies. O máximo que quero agora é que consigamos a maior quantidade de informações sobre a biologia das espécies atuais antes que a paleontologia se torne o principal ramo da biologia. Então eu realmente não ligo para o que vai ser feito com essa informação sobre o aquecimento. Seria ótimo que isso fosse utilizado para regulamentar a emissão de gases e para melhorar nossa qualidade de vida, mas não tenho esperanças nisso.

Então… aparentemente sobra a pergunta para Dr. Felicio, Dr. Conti e Dr. Suguio: que tal essas evidências físicas do Aquecimento Global Antropogênico?

Referência
Robert Rohde, Richard A. Muller, Robert Jacobsen, Elizabeth Muller, Saul Perlmutter, Arthur Rosenfeld, Jonathan Wurtele, Donald Groom, & Charlotte Wickham (2012). A New Estimate of the Average Earth Surface Land Temperature Spanning 1753 to 2011 Geoinformatics & Geostatistics: An Overview, 1 (1) : 10.4172/gigs.1000101

Seleção natural não é uma tautologia

Ann Coulter, o sonho molhado de todo conservador Norte-Americano.
É a da direita, eu suponho…

Um dos argumentos que considero mais irritante utilizado por detratores da síntese evolutiva moderna é que a a seleção natural seria uma tautologia. Tal argumento foi colocado pela “pensadora” conservadora norte-americana Ann Coulter em seu livro “Godless: The Church of Liberalism” da seguinte forma:

A segunda parte da “teoria” de Darwin é geralmente nada mais do que um argumento circular: Através do processo de seleção natural, o mais “apto” sobrevive. Quem é o mais “apto”? O que sobrevive! Oras, veja – acontece toda vez! A “sobrevivência do mais apto” seria uma piada, se não fosse parte de um sistema de crença de um culto fanático infestando a Comunidade Científica. A beleza de ter uma teoria cientifica que é uma tautologia, é que ela não pode ser testada.

É interessante notar que quem se vale desse argumento, não nega a existência da seleção natural, pelo contrário: afirma a sua existência como uma verdade inescapável. Quanto falamos de uma tautologia, estamos falando de uma proposição, a qual assume a seguinte forma:

A apresenta as propriedades de A

Por trás da circularidade e obviedade da preposição, está o fato de que uma tautologia é uma verdade necessária. Afirmar que “A não apresenta as propriedades de A” significaria dizer que existe alguma propriedade de A que não é propriedade de A, ou que A não apresenta todas as propriedades de A, sendo que ambas são absurdos lógicos. Em nenhum caso tal afirmação (ou qualquer outra tautologia) pode ser falsa sem simplesmente fazer uma contradição que fere as leis da lógica (o que as tornam logicamente necessárias). Então, nesse ponto, Coulter está correta: uma tautologia não pode ser falseada, pois ela é uma necessidade lógica. Mas seria a teoria da seleção natural uma tautologia de fato?

“Sobrevivência do mais apto”

Uma das primeiras coisas que devemos notar é que “sobrevivência do mais apto” não é exatamente uma das descrições mais adequadas da Seleção Natural. Mas em primeiro lugar, temos que deixar bem claro um conceito que é comumente confundido, que é o de “aptidão”, “aptidão darwiniana” ou “fitness” em inglês.

A aptidão, em biologia evolutiva, é definida como a contribuição média de um genótipo para o pool gênico da geração seguinte. Por exemplo, se tenho uma bactéria (haplóide) com um dado genótipo que apresenta fitness=1.47, então a presença do genótipo na geração seguinte será 47% maior do que na geração anterior. Se o fitness=0.91, então aquele gene terá uma presença 9% menor na geração seguinte e por ai vai.

Note que em nenhum momento precisamos falar de sobrevivência. Afinal, o que seria “sobrevivência” no caso de bactérias que simplesmente se dividem? Faz algum sentido falar que a bactéria da esquerda é a que “sobreviveu”, e não a da direita?

Uma historia de amor melhor que Titanic

O ponto é que um organismo não precisa morrer para ter um fitness baixo. Um organismo pode muito bem ter uma baixa fecundidade, sem nunca precisar “deixar de sobreviver” ou, como no caso das bactérias, sobrevivência é irrelevante visto que todos organismos originais deixam de existir após a reprodução. Outro exemplo são algumas espécies de salmão e polvos, que morrem após o acasalamento, louva-deuses e aranhas que consomem os seus machos, ou ainda algumas espécies de ácaros que explodem ao dar luz aos filhotes. Aptidão não tem a ver com sobrevivência.

– Tira esse hectocótilo daí, João!
Esse papo de sexo vai acabar nos matando…

Então, fica bem claro que “sobrevivência do mais apto” não é uma tautologia, pelo simples fato de que “sobrevivência” não é estritamente igual (apesar de poder influenciar) “aptidão”.

Isso tudo é apenas para demonstrar que o argumento original utilizado está errado. Porém os mais rápidos vão notar que isso não refuta a proposição de que “seleção natural é uma tautologia”: apesar do argumento dos detratores/criacionistas estar equivocado, ainda poderíamos transformar a proposição original em algo próximo a o que seleção natural realmente significa, produzindo assim uma tautologia. Mas como seria isso?
Aptidão como taxa
Se “sobrevivência do mais apto” está equivocado, então como poderíamos frasear a ideia original da melhor maneira possível?

Sobrevivência do melhor sobrevivênte“?

É claramente uma tautologia, uma verdade trivial, mas não parece ser exatamente o que temos em mente quando pensamos em “seleção natural”. Poderíamos pensar em algo na linha de

Capacidade superior de contribuir para o pool gênico da geração seguinte do genótipo (ou fenótipo) mais apto

Bom, essa parece mais próxima da ideia original, mas ela dificilmente é uma tautologia. O motivo é muito simples: ela é falsa. Isso pode ser ilustrado facilmente com uma analogia: a adaptação é uma taxa de variação da frequência de alelos, assim como aceleração é a taxa de variação da velocidade. Se fossemos formular uma proposição análoga para aceleração, teríamos algo similar à

A maior velocidade do que mais acelera

Isso é falso pelo simples motivo de que o que mais acelera pode ser o mais devagar, enquanto o mais rápido pode acelerar menos, mas manter uma velocidade superior pelo simples fato de inicialmente já apresentar uma velocidade superior.
O gráfico abaixo ilustra isso para uma população de organismos haplóides que apresentam dois genótipos, sendo que A2 apresenta uma aptidão duas vezes maior do que A1. q’ é a frequência genotípica após a seleção e q1 é a frequência genotípica de A1 antes da seleção (sendo que a frequência de A2 fica definida como 1-q1).
Assim, fica fácil verificar que, mesmo A2 tendo uma aptidão duas vezes maior, ele não consegue ser o maior contribuidor para o pool gênico na geração seguinte quando sua frequência inicial é muito baixa (ou quando a frequência de A1 é muito alta, no canto direito do gráfico). Moral da historia: aptidão sozinha não determina sucesso evolutivo na geração seguinte.

Um detrator mais perseverante pode argumentar que, se dermos tempo o suficiente (em outras palavras, um numero muito grande de eventos de seleção ou gerações), o genótipo mais apto irá se fixar, não importando sua frequência original, e ele estaria certo ao dizer isso. Mas note que a premissa “dado muito tempo” precisa ser introduzida para que torne a afirmação verdadeira. Essa premissa pode tanto ser ou não verdadeira (da mesma forma que carros e trens não aceleram indefinidamente), o que torna a proposição condicional, não uma verdade necessária e, logo, a proposição não é uma tautologia.

Mas isso tudo gera um impasse. Todas as proposições – tanto as originais, tanto as que tentam se aproximar do significado verdadeiro dos termos no contexto da síntese evolutiva – se mostraram falsas. Seria possível elaborar uma proposição que seja precisa (represente a ideia da seleção natural) e que seja colocada de forma lógica?

Seleção natural como silogismo

Em primeiro lugar, devemos entender como seleção natural ocorre. Não, não estou falando apenas daquele velho e batido exemplo do passarinho comendo os besouros que são mais chamativos, mudando assim a composição da população:

-Na verdade eu enxergo todos os besouros, mas meu médico disse que uma refeição colorida é uma refeição divertida

Esse é um ótimo exemplo para mostrar como seleção natural pode levar à evolução de um fenotipo de forma direcional (existem mais besouros marrons no final do que no começo), mas existem sistemas mais complexos de seleção que não levam a uma mudança nesse sentido. O exemplo mais claro é o da interação da anemia falciforme e malaria, no qual são mantidos indivíduos com genótipo não-letal da anemia na população. Não há mudança, mas há seleção.
Então, como poderíamos definir seleção natural? Na introdução do Origem das Espécies, Darwin resume brevemente como seria o mecanismo:

Como nascem muitos mais indivíduos de cada espécie, que não podem subsistir; como, por conseqüência, a luta pela existência se renova a cada instante, segue-se que todo o ser que varia, ainda que pouco, de maneira a tornarse-lhe aproveitável tal variação, tem maior probabilidade de sobreviver, este ser é também objeto de uma seleção natural. Em virtude do princípio tão poderoso da hereditariedade, toda a variedade objeto da seleção tenderá a propagar a sua nova forma modificada.

Nesse resumo, ele coloca os 3 principais componentes necessários para que ocorra seleção natural (que eu gentilmente sublinhei, para seu conforto): variação em uma caracteristica, diferenças de aptidão (ele fala de sobrevivencia, mas sabemos que isso não é a única variável) ligadas a variação nessa característica, e hereditariedade dessa característica.

Note que, se uma população apresenta variação em uma característica, mas essa não apresenta nenhuma ligação com aptidão, então a “seleção” de organismos é completamente aleatória em relação a aquele caractere (não sendo seleção natural). Agora, se o caractere é ligado com aptidão, mas não é herdado, então mesmo que organismos com uma dada característica seja selecionada, ele não vai passar tal característica para a geração seguinte. Esses componentes são necessários (todos precisam estar presentes) e suficientes (nenhum outro componente precisa estar presente) para que ocorra seleção natural, apesar de outros fatores influenciarem a dinâmica de seleção.

Sendo assim, podemos definir seleção da seguinte forma:

[P1.] Existe variação entre indivíduos para uma dada característica;
[P2.] Tal variação está ligada entre progenitores e prole através de uma relação de herança, e que seja parcialmente independente dos efeitos ambientais;
[P3.] Existe uma correlação dessa característica com a habilidade reprodutiva, fertilidade, fecundidade e/ou sobrevivência (ou seja, diferenças em aptidão);

Se tais condições são satisfeitas para uma dada população natural, então:

[C1.] Diferenças na frequência das características ligadas à aptidão na geração subsequente vai ser serão diferente daquela vista nas populações parentais.

(Modificado de Lewontin, 1970, 1982; e Endler, 1986)

Se as premissas são corretas, então a conclusão segue logicamente. Isso torna a seleção natural, expressa dessa forma, um silogismo, ou uma conclusão dependente das premissas estabelecidas, e não uma tautologia.

Note que para testar cientificamente (no caso, falsear) a hipótese de que uma população está sob seleção natural, um pesquisador pode testar qualquer uma dessas proposições. Afinal, se C1 é falso, então obviamente a população não está sob seleção, mas isso não implica necessariamente que a população está sendo selecionada: uma mudança ambiental pode estar influenciando aspectos dessas características diretamente nos indivíduos, como pele morena em quem toma muito sol. Se os filhos tomam mais sol, eles terão a pele mais escura, sem que isso seja seleção natural. Por esse motivo, é necessário averiguar o quão herdável é uma característica (P2) e se a variação (P1) está ligada a aptidão (P3). De forma geral, é isso que os estudantes de seleção natural fazem, e é a síntese evolutiva moderna que proporciona o arcabouço matemático que nos permite gerar previsões teóricas de como um caractere deve se comportar sob o efeito de seleção (dado que ele apresenta algum tipo de herança mendeliana).

Então… da próxima vez que alguém dizer que evolução é uma tautologia, você pode dizer: “Não, não é. É um silogismo Quod erat demonstrandum, bitches!”.

Referencias

Lewontin, R. (1970). The Units of Selection Annual Review of Ecology and Systematics, 1 (1), 1-18 DOI: 10.1146/annurev.es.01.110170.000245

Porque você acha que seu chefe é idiota



via diogro


Já teve a sensação de ser mais competente que seu chefe? É uma sensação incrivelmente comum, porém completamente contra-intuitiva. Afinal, espera-se que que um chefe tenha atingido seu posto na hierarquia de uma empresa após demonstrar competência, e por trazer benefícios à instituição. Como poderia alguém que foi considerado tão competente por outrem ser aos seus olhos tão estúpido, ou, mais especificamente, menos competente que você? Afinal, se você é mais competente que seu chefe, você não deveria estar no cargo de chefia?


Esse sentimento foi imortalizado nos quadrinhos Dilbert, no personagem do Chefe: um individuo ignorante, incompetente e totalmente alienado da realidade da empresa (e, em alguns casos, do mundo)




-Nós precisamos de mais programadores
-Use  métodos ágeis de programação
-Programação ágil não significa apenas que famos fazer mais trabalho com menos pessoas
-Então me ache alguma palavra que signifique* isso e me pergunte novamente.

*[haeck]: Ha, notaram o que eu fiz? De novo a coisa toda de significado.

Para investigar essa questão, Plushino e colegas recorreram a uma solução criativa: eles retomaram um princípio proposto pelo psicólogo canadense Laurence J. Peter nos fins dos anos 60. Segundo Peter: 

‘Cada novo membro em uma organização hierárquica sobe na hierarquia até que ele/ela atinja seu nível de máxima incompetência’


Ou seja, segundo este princípio, quanto mais alto um individuo avança na escala hierárquica de uma empresa, mais incompetente ele se torna, até atingir o ponto mais alto, onde sua incompetencia será igualmente maior.


Representação esquemática de uma organização hierárquica. Quanto mais escuro o individuo, maior o seu nivel de competência. À esquerda temos os valores médios de competência para cada nivel, que vai aumentando na medida que subimos na hierarquia. Esse exemplo representa nossa ideia intuitiva de progresso hierárquico, onde o melhor individuo de uma camada inferior é escolhido para compor a camada superior, e assim sucessivamente. De Plushino et al.


Os autores colocam no resumo:


Apesar de não aparentar razoável, esse principio agiria realisticamente em qualquer organização onde o mecanismo de promoção recompensa o melhor membro e onde a competência no nível atual não depende da competência que ele possuía em níveis anteriores, usualmente porque a tarefa nos diferentes níveis são muito diferentes umas das outras.


Ou seja, um padeiro, por melhor que ele seja em fazer pães, não precisa saber muito sobre administrar uma padaria. Ou seja, promover o melhor padeiro para administrador pode não ser a melhor jogada.


Para investigar a possível influência do Princípio de Peter em uma organização hierárquica, os pesquisadores produziram um modelo bem simplificado, no qual eles simulavam os diversos individuos da hierarquia como apresentando apenas duas características: competencia global e idade. A seguir, eles distribuíram os individuos nas diversas hierarquias, e iniciaram as rodadas da simulação. Cada rodada consistia na avaliação da competencia global do indivíduo e sua subsequente demissão ou promoção, sendo que individos acima de 60 anos se aposentavam. Eles também testaram dois diferentes cenários: no primeiro, chamado de “Hipótese de Peter”, os indivíduos, quando movidos para uma hierarquia superior, ganhavam um novo valor de competencia (pois, afinal, administrar tem pouco a ver com fazer pães). No segundo cenário, chamado de “Hipótese do Senso-Comum“, os individuos mantinham sua competencia quando subiam na hierarquia. Adicionalmente, os pesquisadores investigaram a influencia de 3 diferentes estratégias de promoção nesses dois cenários diferentes: a primeira é quando o melhor funcionário é promovido para a hierarquia superior (“The Best“), a segunda é quando o pior é promovido (“The Worst“) e a terceira os funcionários são promovidos aleatoriamente (“random“). Eles então mediram a eficiência global da organização, para ver o efeito das hipóteses e das estratégias de promoção em uma organização.


Os resultados são bem curiosos:


De Plushino et al.

As linhas representam a evolução da competencia global da instituição nas diferentes hipóteses: em vermelho vemos a Hipótese de Peter e em preto temos a Hipótese do Senso Comum. As diferentes linhas de uma mesma cor representam as diferentes estratégias de promoção.

Ou seja, segundo essa simulação, se uma organização na qual o Princípio de Peter não atua (Senso Comum) a promoção de individuos competentes leva a um aumento global na performance da instituição, enquanto promover o pior indivíduo piora a performance da instituição. Promoções aleatórias são intermediárias, como esperado. Agora, em uma organização onde o Princípio de Peter atua, o resultado é oposto: promover os indivíduos melhores piora mais a performance de uma instituição do que promover os piores individuos de uma instituição sem o Princípio. A solução que aparentemente melhora a produtividade média da instituição é a promoção dos indivíduos piores. Novamente, a promoção aleatória apresenta valores intermediários de competencia global.


A partir disso, os autores concluem:


Nosso estudo computacional do Princípio de Peter aplicado a uma organização prototípica com uma hierarquia piramidal mostra que a estratégia de promover os melhores membros, no cado da Hipótese de Peter induz um rápido decréscimo de eficiencia.


Eles ainda adicionam que a estratégia de promoção mais segura para a organização, seria a promoção aleatória, que no pior dos casos, não implicaria em um decréscimo da eficiencia global de uma organização.


Agora, eu não faço a menor ideia de o quanto o Princípio de Peter é empiricamente verificado. Me parece complicado conseguir medir “competência” de forma objetiva, principalmente quando estamos comparando entre ocupações muito diferentes (como presumidamente elas precisam ser para o princípio de Peter ser válido). 


Mas, supondo que seja verdade, o que isso faz com as nossas noções de “meritocracia”, até mesmo no contexto acadêmico? O quanto a eficiencia de um estudante é determinante para o seu sucesso universitário ou profissional? O quanto nossas avaliações de mérito acadêmico refletem de fato o que se espera da pessoa, a partir do momento que ela ganha a “promoção” (passa no vestibular, conclui a graduação, etc)? Isso explicaria talvez o fato de que alguns cotistas apresentam desempenho acadêmico melhor ou igual aos não-cotistas, mesmo tendo notas mais baixas no vestibular?


Referência

Pluchino, A., Rapisarda, A., & Garofalo, C. (2010). The Peter principle revisited: A computational study Physica A: Statistical Mechanics and its Applications, 389 (3), 467-472 DOI: 10.1016/j.physa.2009.09.045

Evolução não é um fato. Parte 1: Parentescos

Então, tanto Dawkins quanto Gould parecem acreditar que evolução, além de ser uma teoria, é um fato, e que um bom exemplo desse fato são nossas relações de parentesco e ancestralidade com outros primatas.

Ok, então evolução é um fato. Mas, o que é um fato?

Fatos podem ser entendidos como aquilo que torna uma afirmação verdadeira, e se relaciona de alguma alguma forma a algum aspecto da realidade. Por exemplo, quando afirmo que “Elefantes possuem trombas”, tal afirmação apenas é verdadeira, se elefantes apresentam um nariz modificado em um apêndice longo, o qual chamamos de “tromba”.

Então fica a pergunta: qual é exatamente o fato “evolução”, e a qual afirmação que ela se refere? Muitas vezes não está exatamente claro o que o fato “evolução” exatamente é. No caso da passagem do Gould e do Dawkins, o que é chamado de “fato” são as relações de parentesco entre humanos e chimpanzés, enquanto a Teoria Evolutiva seria o que explica como tais grupos se diferenciaram e quais forças evolutivas atuaram para diferencia-los (ex: seleção natural, deriva genética, etc). A principio parece tudo OK do ponto de vista científico, pois temos um fato que é tentativamente explicado por um modelo teórico (uma teoria). Porém, quando tentamos elaborar uma afirmação verdadeira que faz referência ao fato da ancestralidade comum entre chimpanzés e humanos, encontramos um problema: qual é o fato que torna “chimpanzés e humanos são parentes” uma afirmação verdadeira?

O primeiro a abordar essa questão de maneira sistemática foi Carl Linnaeus, o cara que inaugurou o esforço moderno de classificação da biodiversidade. Avaliando as características de humanos e outros animais, Linnaeus chegou a conclusão de que humanos pertencem à mesma classe de animais que os grandes primatas sem rabo. Desde então, os avanços da biologia molecular tem reforçado a idéia de que humanos são intimamente relacionados com os grandes primatas, especificamente, os chimpanzés.

Porém a questão aqui se complica. A área acadêmica que estuda as relações de parentesco entre espécies   (a sistemática filogenética) não é um mero exercício de diagnose de fatos*: existem diversas linhas concorrentes que disputam qual seria a melhor maneira (se é que ela existe) de se reconstruir as relações de parentesco entre as espécies, sendo que algumas delas (ou todas elas) partem de premissas biológicas explicitamente evolutivas. Em outras palavras, se a relação de parentesco entre humanos e chimpanzés é um “fato”, tal “fato” é fortemente dependente de premissas teóricas.

E não apenas isso: as relações observadas estão longe de ser inequívocas.

Recentemente Grehan & Schwartz (2009) publicaram uma análise que, ao contrário da maioria dos trabalhos atuais, colocava humanos como parentes mais próximos de Orangotangos, e não de Chimpanzés. A conclusão é claramente um absurdo pois viola quase tudo o que sabemos sobre a genética dessas espécies. Porém os autores foram cuidadosos o suficiente para fazer um arranjo metodológico tão fechado, que a conclusão das analises era inequívoca, e a publicação do trabalho não poderia ser recusada, mesmo que violasse o que toda a comunidade científica acreditava sobre o assunto.

Isso mostra duas coisas. Primeiro – e isso é uma digressão – que o mimimi de criacionistas e proponentes de Design Inteligente (um famoso exemplinho aqui) de que são incapazes de publicar em periódicos científicos por causa do lobby materialista é pura bobagem. Trabalhos bem feitos, honestos e rigorosos podem sim ser publicados, independente das ideologias ou opiniões de revisores. Criacionistas não conseguem publicar simplesmente por serem incompetentes, ou porque não sabem/querem fazer ciência. Fim da digressão.

O segundo ponto, voltando ao assunto, é que tal reconhecimento de “fatos” (e.g. o “fato” do parentesco entre chimpanzés, humanos e lesmas) está longe de ser a prova de falhas e inequívoco, precisamente porque tal parentesco não é fato, mas uma hipótese. E se alguem continuar insistindo que as relações de parentesco são fatos, pergunte: quais são os fatos que tornam essa afirmação verdadeira. Aposto que rapidamente serão mencionadas montanhas de dados, desde evidência morfológica, registro fóssil e dados moleculares (aqui para uma lista simplificada). Mas nenhum desses fatos (e aqui são fatos mesmo) é o grau de parentesco (ou “evolução”, como usado por Gould e Dawkins), mas sim eles sustentam uma dada hipótese de parentesco.

Nada disso é controverso. Pesquisadores da área não se referem às relações de parentescos como fatos, mas sim como hipóteses, mais especificamente, hipóteses filogenéticas. Tais hipóteses são constantemente modificadas e refinadas, muitas vezes sendo radicalmente reformuladas pela descoberta de uma nova fonte de dados moleculares ou fósseis, por exemplo. E o ponto é: isso acontece exatamente porque relações de parentescos entre espécies não são fatos, mas sim conclusões dependente de teorias e de fatos. O acumulo de evidências que contrarie um certo cenário evolutivo pode derrubar tal cenário em favor de outro, como acontece com qualquer hipótese científica.

Resumindo: dizer que parentesco entre espécies é um fato é cometer uma falácia de equivocação, chamando uma hipótese (filogenética) de fato.

———————————————————
* Existem sim pesquisadores que acreditam que sistemática filogenética é apenas isso, mas isso é outra discussão.

Referência Grehan, J., & Schwartz, J. (2009). Evolution of the second orangutan: phylogeny and biogeography of hominid origins Journal of Biogeography, 36 (10), 1823-1844 DOI: 10.1111/j.1365-2699.2009.02141.x

Porque a síntese evolutiva não é uma festa do pijama – Uma resposta zangada a um anti-darwinista

Bom, eu já havia previsto que isso iria acontecer em algum momento.

Já a alguns meses venho acompanhando uma discussão no Research Gate (link para me seguir lá aqui) sobre as alternativas ao neo-darwinismo para a compreensão da evolução biológica. Como esperado, essa pergunta foi um imã de criacionistas, com a participação especial do nosso querido Enésio, falando o que ele sempre fala: em algum momento no futuro não-tão distante será lançada uma nova síntese evolutiva, que não será “selecionista” e blablabla. Só faltou a distinção entre fato, Fato e FATO, ou seja lá qual é o chavão que ele sempre usa.

Mas esse não é exatamente sobre o que quero falar no momento. Meu problema principal com essa discussão tem sido com o Dr. Emilio Cervantes, que até onde pude notar é um pesquisador daqui da Argentina, que parece ser algum tipo de botânico*. Desde o começo da discussão, ele tem batido na mesma tecla: neo-darwinismo está errado porque se baseia em um “fantasma semântico”, que é seleção natural. E o porque isso, exatamente? Oras, porque a natureza não tem uma mente para selecionar, logo o termo é contraditório. Obviamente, os criacionistas de plantão bateram palma, sem notar que a ausência de uma mente selecionadora na natureza não é lá uma coisa muito boa para o criacionismo. Ademais, segundo o Dr. Cervantes, Darwin confundiu criação de variantes domesticadas com o que acontece na natureza, e isso fere mais ainda a ideia de seleção natural como tendo qualquer significado.

Enfim, não entrarei em detalhes do resto da discussão, mas colarei abaixo minha última resposta. Em seu comentário anterior, depois de ignorar minhas respostas ou responde-las com ad hominem, Dr. Cervantes alega que é necessário testar a evolução de grupos caso-a-caso, e que não existe uma teoria que explica tudo em biologia. Eu concordo com esses pontos, mas discordo do discurso que ele apresentou. Acho que a minha resposta em si explica muito do que eu penso sobre o assunto e talvez resuma minhas impressões do debate, e da posição anti-darwinista do Dr. Cervantes.

Sem mais delongas:


Bom, eu na verdade concordo com isso, mas por motivos completamente diferentes.

A síntese evolutiva não foi uma festa-do-pijama entre paleontologos, taxonomistas e geneticistas, onde eles calharam de deixar os embriologistas de fora porque eles eram meio estranhos, e na qual eles decidiram “Puxa vida! Vamos apenas dizer que tudo funciona bem em conjunto e ver se cola”.

Ela foi uma unificação precisa de duas teorias (genética mendeliana e neo-darwinismo, sensu Weismann) através dos desenvolvimentos teóricos de genética de populações, e o entendimento de que essas teorias eram consistentes com o que se observa na natureza (incluindo o registro fóssil). Ela não é uma coleção de narrativas adaptacionistas não-testadas, como muitos dos críticos E defensores da síntese costumam acreditar.

O outro lado da moeda é que, sendo um corpo de conhecimento teórico especifico, ele só se aplica em casos nos quais suas premissas são verdadeiras. Então, ela não é onipotente, e todo mundo que usa esse arcabouço teórico sabe para que ele serve, como testar previsões com ele e que tipo de dado é necessário para que ele possa funcionar. Quando premissas e demandas teóricas falham, o mesmo ocorre com a teoria.

E é verdade que provavelmente não existe uma teoria unificadora em biologia. Por exemplo, qualquer teoria de ontogenia não vai se aplicar a organismos sem ontogenia, como bactérias. Mas isso não significa que teorias ontogenéticas são desprovidas de valor, longe disso. Ela explica o que ela pode de fato testar em cenários que se adequam à suas premissas.

O poder da síntese é ter premissas gerais como “herança genética mendeliana”, algo que é verdade para bactéria e para humanos. Mas fora isso, esses dois grupos diferem em quase tudo (ex: bactéria tem consideravel transferencia genética horizontal, humanos são diploides, etc) o que nos faz reconhecer que talvez existam mais premissas que podem ser incluidas em nossos modelos para melhorar seu poder explanatório.

Geralmente, todos os proponentes da síntese estendida não estão chamando por uma rejeição da síntese evolutiva. O que eles estão fazendo é chamar para a inclusão de mais fenômenos que não se adequam aos modelos clássicos. Essa inclusão não é apenas “vamos simplesmente colocar tudo nos livros texto e encerrar o dia”, mas o desenvolvimento teórico que está voltado à integração da síntese com esses fenômenos  Alguns são relativamente fáceis de integrar, como topologias adaptativas multidimensionais e construção de nicho, outras não são tão fáceis, como ontogenia. Se isso mudar nossas equações e previsões teóricas, que assim seja! Mudança baseada em evidencia é melhor que estagnação por negação de evidencias. Conscientização para essas questões é importante, iconoclastia má-orientada não.

E, não importa o que façamos, qualquer teoria vai ser necessariamente limitada. Mesmo que nós achemos um modelo que seja útil para todas as espécies que tenhamos estudado, existem potencialmente centenas de milhares mais que ainda não descobrimos, muito menos estudamos. As recentes estimativas são que conhecemos apenas 13% da biodiversidade presente. Jogar fora qualquer teoria biológica porque ela tenta ser ampla e defender o estudo de casos isolados é, na melhor das hipóteses, contraditório no presente contexto.

Mas, se o ponto é mesmo que “seleção natural” é um conceito vazio, então eu sugeriria direcionar a sua análise semântica para temos como “buracos negros” (que não são nem buracos, nem negros), o uso de “evidente” em matemática (nada que é evidente precisa de demostração) e “afinidades” em química (elementos não tem preferências). Na verdade, esse ultimo exemplo foi levantado por Darwin, quando a mesma objeção que você levantou chegou a ele: que seleção natural era contraditória, porque apenas criadores podem selecionar. Palavras podem ter mais de um significado e, sim, isso pode ser confuso (veja a ambiguidade do termo “singularidade” e “Big Bang” em cosmologia). Isso é tudo verdade. Mas dizer “por isso elas estão erradas”, é falacioso.

Darwin também apontou que sua idéias foi derivada da observação de criadores, mas ele dispendeu uma grande quantidade de páginas explicando como isso poderia ser atingido na natureza, e é ai que dinâmicas Maltusianas entrem na jogada. A relação entre seleção natural e artificial é, para mim, evidente partindo de uma leitura do Origens das Espécies. É uma relação de analogia, e não de identidade. Os principais filósofos da evolução parecem concordar comigo.

Nós podemos ter uma discussão produtiva sobre o uso de termos, e quais seriam os melhores de serem usados. Isso é difícil, pois linguagem é uma coisa complicada. Ela evolui por si próprio. Mas nós tivemos sucessos moderados com termos como “macaco” e “mais evoluído”. Mas termos e teorias são coisas diferentes.

Resumindo, sim, nós devemos ser específicos sobre o que nós estamos falando e tornar bem claro o que a teoria sintética é, o que ela deve explicar e o como ela faz isso. Na prática, isso deve levar a mais cautela no pronunciamento de afirmações não-substanciadas sobre adaptação (ou sobre qualquer outra coisa), e isso é bom. Pelo menos é isso que espero.


* Quando comentei o caso para um colega, que permanecerá inominado, ele comentou “aposto meu pinto que ele é ecologo ou botanico“. Não é preciso dizer que ele manteve o pinto dele.

Referência

Mora, C., Tittensor, D., Adl, S., Simpson, A., & Worm, B. (2011). How Many Species Are There on Earth and in the Ocean? PLoS Biology, 9 (8) DOI: 10.1371/journal.pbio.1001127

Pesquisa sugere relação entre chocolate e Nobel

Um novo artigo publicado no New England Journal of Medicine procurou a associação entre consumo nacional de chocolate e o número de ganhadores do premio Nobel originários daquele país. Segundo o artigo, tal avaliação se justifica pelo fato de que flavonóides, abundantes em vegetais de consumo, são conhecido por apresentar efeitos positivos nas capacidades cognitivas.

Os resultados são impressionantes:

Notem que o Brasil está lá no fundo, sem nenhum Nobel e com um consumo muito pequeno de chocolate.

Segundo os autores:

Existe uma correlação linear significativa (r=0.791, p<0.0001) entre o consumo de chocolate per capita e o numero de ganhadores do Nobel por 10 milhões de pessoa em um total de 23 países.

Para quem não sabe, o coeficiente r de correlação (também chamado de correlação de Pearson) vai de 0 até 1. Ou seja, um valor de aproximadamente 0.8 é bastante alto! Pessoas propõem terapias contra cancer por coeficientes menores.

De qualquer forma, a inspeção do gráfico revela que a Suécia apresenta muito mais ganhadores do Nobel do que o esperado, e isso não passa desapercebido pelos autores:

Dado que seu consumo de chocolate per capta é de 6.4 kg por ano, nós estimamos que a Suécia deveria ter produzido um total de 14 laureados do Nobel, porém nós observamos 32.

e eles especulam quais são as causas  desse grande viés:

Visto que o numero observado excede o esperado por um fator de 2, não podemos escapar a noção que ou o Comité do Nobel em Estocolmo tem algum viés patriótico quando avaliam os candidatos para os premios ou, talvez, os suecos são particularmente sensíveis ao chocolate, e mesmo quantidades minúsculas podem aumentar consideravelmente sua cognição.

Entretanto, pode-se argumentar que “Correlação não implica em causalidade“, o que significa que a presença de uma forte correlação não significa que uma coisa causou outra, ou mesmo vice-e-versa. Os autores estão plenamente cientes disso:

Uma segunda hipótese, de causação reversa- isso é, que uma melhor performance cognitiva estimula o consumo nacional de chocolate- deve também ser considerada. É concebivel que pessoas com capacidades cognitivas superiores (i.e. cognoscência) são mais conscientes dos benefícios do consumo de flavonoides em chocolate escuro e são mais inclinados a aumentar o seu consumo.

e ainda

Que receber o premio Nobel levaria ao aumento do consumo de chocolate em nível nacional parece improvável, apesar de que talvez os eventos celebratórios associados com essa honra singular podem desencadear um aumento generalizado porém transitório.

Hum… certo… Bom, se a ciência diz, então provavelmente está certo!

Referência

Messerli, F. (2012). Chocolate Consumption, Cognitive Function, and Nobel Laureates New England Journal of Medicine, 367 (16), 1562-1564 DOI: 10.1056/NEJMon1211064

Bebês são amorais (e porque publicar seus resultados)

Em 2007, Hamlin e colegas elaboraram um experimento para avaliar a moralidade inata de infantes. Especificamente, esses pesquisadores queriam investigar a capacidade de avaliação social, ou seja, a capacidade de discernir entre indivíduos considerados bons dos indivíduos considerados ruins, algo essencial para a construção de nossas normas morais e de nosso convívio em sociedade.

Este estudo foi desenhado de forma relativamente simples. Os bebês eram expostos a uma cena onde um personagem (a bola rosa com olhos) tentava escalar uma colina. Em um dos casos, o escalador era auxiliado por um ajudante (triângulo amarelo) a subir a colina e no outro caso o escalador era impedido de atingir o topo por um terceiro agente (um cubo cinza).

Caso onde o escalador era auxiliado na sua escalada

Caso onde o escalador era impedido de atingir o topo.

Após as cenas, era dada aos bebês a possibilidade de fazer uma escolha entre dois personagens. Em um dos casos, os bebês podiam escolher entre o ajudante e um personagem neutro, e em outro caso eles podiam escolher entre o personagem neutro e o impedidor. No primeiro caso, os bebês escolhiam preferivelmente o ajudante ao personagem neutro, e no segundo caso, eles preferiam o personagem neutro ao que atrapalha. Isso é impressionante porque mostra que o bebê não apenas prefere “ajudantes”, como também repudia “impedidores”. E tem mais: isso mostra que os bebês conseguiam reconhecer a narrativa apresentada, atribuindo personalidades aos personagens, identificando intenção e objetivo (como isso não é o ponto do artigo, suponho que isso já fosse conhecido, mas achei digno de nota). E tudo isso em bebês de 6 e 10 meses! Bastante impressionante de fato!

Porém Scarf e colaboradores, ao investigarem os vídeos do procedimento experimental de Hamlin e colegas, notaram uma coisa estranha: no caso em que o escalador é auxiliado, ao terminar o seu percurso, ele chacoalha (presumidamente para passar a ideia de satisfação), porém isso não acontece quando ele é impedido de subir. Esses pesquisadores suspeitaram que o que estava acontecendo ali não era uma avaliação social, mas sim uma simples associação: coisas que chacoalham são mais atraentes para bebês e chamam a atenção. Sendo assim, a escolha pelo ajudante seria uma função do chacoalhar do escalador ao fim do percurso, uma hipótese que me parece intuitivamente válida. Afinal, bebês não são criaturas particularmente brilhantes, e todo pai sabe que eles são atraídos por cores fortes, por sons e por movimentos.

Para testar tal hipótese, a equipe de Scarf replicou o experimento, porém agora adicionando o “chacoalhar” seja quando o escalador conseguia chegar ao topo, seja quando ele era impedido de chegar ao topo e retornava ao cume. Cada bebê observava mais de um evento, delimitando 3 tipos de tratamento:

  1. No primeiro grupo os bebês viam o evento “ajudado” com chacoalhar e o evento “impedido” sem chacoalhar (grupo “Top” da figura);
  2. No segundo, os bebês viam ambos os eventos com o chacoalhar, tanto quando o escalador era impedido de chegar ao topo, quanto quando ele atingia o topo (grupo “Both)”;
  3. No último grupo os bebês viam apenas o episódio “impedido” com um chacoalhar, e enquanto o não o “ajudado” não apresentava a chacoalhada (grupo “Bottom”).
A previsão dos pesquisadores é simples: se o chacoalhar é o que determina a escolha do bebê, então veríamos que no primeiro grupo, mais bebês escolheriam o ajudante e que no ultimo grupo, mais bebês escolheriam o impedidor, enquanto no segundo grupo, onde existe chacoalhada em ambos os casos, os bebês selecionariam os personagens aleatoriamente. E os resultados são perfeitamente consistentes com tais previsões:
Porcentagem de bebês que escolhem os personagens nos 3 grupos experimentais : Primeiro grupo (“Top”), Segundo grupo (“Both”) e Terceiro grupo (“Bottom”). O tamanho das barras indica a porcentagem de bebês que escolheu um dado personagem, e a cor da barra indica o personagem escolhido: Amarelo- Ajudante; Azul- Impedidor.
Curioso que a proporção de bebês que seleciona o personagem quando há o chacoalho é similar no primeiro e último grupos (da minha parte eu ficaria feliz com umas barras de erro nisso aí). De qualquer forma, a hipótese de associação simples (ou seja “coisas coloridas, que chacoalham e fazem barulho são mais legais”) explica muito melhor os dados do que a de que bebês conseguem atuar em cima de alguma forma primitiva de julgamento moral. Sendo assim, tal capacidade (como vista em seres humanos adultos) seria adquirida em um momento posterior no desenvolvimento, presumidamente por aprendizado social.

Esse tipo de debate é interessante por vários motivos óbvios, mas pelo menos por um não-obvio e bastante importante: divulgação de dados científicos. Tal discussão jamais teria ocorrido se os autores do primeiro trabalho não tivessem divulgado vídeos demonstrando seus procedimentos experimentais, possibilitando o segundo grupo de pesquisadores replicar e testar os seus achados. Por mais que fique a sensação que o primeiro grupo pisou na bola (e pisou), foi sua honestidade que possibilitou a descoberta do erro e do avanço do conhecimento.

Parafraseando Robert Price: Todos os resultados de investigação honesta contém em si as sementes da sua própria destruição. Acho que essa é um ótimo ideal a ser seguido.

Isso, e nunca confiar em bebês, pois eles são um bando amorais. Sempre desconfiei.

Referências

  Hamlin, J., Wynn, K., & Bloom, P. (2007). Social evaluation by preverbal infants Nature, 450 (7169), 557-559 DOI: 10.1038/nature06288

  Scarf, D., Imuta, K., Colombo, M., & Hayne, H. (2012). Social Evaluation or Simple Association? Simple Associations May Explain Moral Reasoning in Infants PLoS ONE, 7 (8) DOI: 10.1371/journal.pone.0042698

Cotas e Discriminação Estatística

Como havia comentado anteriormente, aqui vai um dos minhas muitas opiniões sobre o assunto de cotas raciais e sociais. Minha opinião sobre o assunto já havia mencionada brevemente no guest post do Rony, mas ela não tem muito a ver sobre o assunto que vou expor abaixo.

No post a seguir, meu objetivo é delimitar a metodologia ética baseada em discriminação estatística de Maitzen (1991) e analizar se cotas raciais ou sociais são ou não são éticas. Para frustração de alguns, não entrarei no mérito de se o princípio por trás das cotas é válido (eu acredito que sim, e posso retornar nesse assunto no futuro se achar necessário).

Discriminação estatística

Discriminação estatística refere-se à prática de se valer de características observáveis para extrapolar características não-observáveis que são de interesse para uma dada tomada de decisões.

Por exemplo, quando vamos à feira e apertamos as frutas, não estamos realmente interessados na consistência da fruta (pelo menos não na maioria dos casos). O que estamos normalmente fazendo é nos valendo de uma informação que está disponível (a consistência da fruta), para estimar alguma variável oculta, no caso, se a fruta está madura, verde ou podre. Nesse exemplo, estamos baseando nossa tomada de decisão (comprar ou não a fruta) em uma correlação imperfeita (nem toda fruta dura está verde, assim como frutas podres podem ter uma consistência “boa”), porém que temos como boa o suficiente para a maior parte dos casos. A prática é chamada de “discriminação” pois está relacionado ao ato de diferenciar coisas, e é “estatística” por ser baseada em inferências estatísticas (correlações) sobre tais variáveis de interesse.

Em economia, discriminação estatística normalmente se refere a teorias sobre desigualdade entre gêneros ou etnias decorrente de incompetência dos empregadores em estimar corretamente a capacidade dos empregados, normalmente se valendo de algum tipo de estereótipo. Se todos acreditam que índios são de fato mais preguiçosos, é bem provável que seus empregadores paguem menos a eles. Igualmente, se “mulheres não são boas com números”, elas vão ser consideradas menos capazes e, consequentemente, serão pior remuneradas para realizar trabalhos que envolvem contabilidade, ou engenharia.

Nem todo caso de discriminação estatística é necessariamente danosa: o Estatuto da Criança e do Adolescente assume implicitamente que crianças são indivíduos em formação mental, física e moral, e institucionalizam normas que asseguram que tal desenvolvimento não será prejudicado. Obviamente, isso não é verdade para muitas crianças e adolescentes, mas de modo geral não vemos a aplicação universal do estatuto como injusto.

É importante reconhecer que existem dois aspectos essenciais durante qualquer discriminação estatística. A primeira é o benefício (ou utilidade) que vai se obter com a identificação correta do que é o melhor naquele caso, seja “o melhor” comprar uma fruta madura ou recompensar justamente um profissional (para o manter na empresa, por exemplo). O segundo aspecto é referente ao custo da obtenção de informação a respeito do que de fato queremos medir. Se o empregador é capaz de avaliar quantas vendas foram feitas por cada empregado, e quanto lucro cada um gerou, o seu sexo ou cor de pele é irrelevante para a tomada de decisão (assumindo que o empregador é racional). Porém, se a medida de competência é difícil de se obter, ela pode gerar um custo, o que força o tomador de decisões a pagar esse custo para obter a melhor informação possível para sua decisão, ou se basear em informações (e correlações) imperfeitas, correndo o risco de falsamente recompensar um empregado incompetente ou não reconhecer um empregado valioso.

De forma geral parece sempre pouco razoável assumirmos que temos, no presente momento, informação perfeita sobre qualquer situação que precisamos tomar uma decisão. Sendo assim, quase todas nossas decisões se baseiam em informações (e correlações) imperfeitas. Isso, porém, não significa que seria impossível elevar esse nível de informação mediante a um custo: poderíamos, por exemplo, realizar uma inspeção psicológica e médica em toda criança para investigar qual é o seu grau de desenvolvimento físico, mental e moral, para avaliar se elas ainda podem ser protegidas sob o Estatuto da Criança e do Adolescente. A questão então é: vale a pena pagar o custo pelos benefícios que serão recebidos?

Essa relação entre custo e benefício pode ser entendida como uma função simples:

Figura 1a de Maitzen (1991) modificada.



Onde x é o custo do aumento da informação, e y é o ganho (ou utilidade) que tal informação extra irá nos dar, e r é o valor máximo de ganho que podemos obter, que teoricamente pode nunca ser alcançado (em outras palavras, r é o valor assintótico da função). Visto que sempre é possível aumentar x, precisamos avaliar qual é o valor que nos dá o melhor ganho relativo, e a partir de qual ponto teremos prejuízo se continuarmos investindo (aumentando x). Tal valor é dado pelo ponto E, que é quando a vantagem ganha pelo aumento de informação é igual ao custo pelo aumento de informação (ou seja, onde a tangente da reta é igual a 1). A partir daquele ponto, estaremos investindo muito mais e ganhando proporcionalmente pouco. Analogamente, antes desse ponto, qualquer investimento resulta em ganhos maiores do que o investimento, ou seja, lucro. Assim, apenas vale a pena se valer de discriminação estatística se o aumento do custo do refinamento da informação causa lucro, e não prejuizo.

Tais custos e benefícios não precisam ser entendidos apenas como financeiros (apesar de ser mais prático pensar assim), mas também como sociais. Assim, teríamos que existem custos sociais (financeiros incluso) de se aumentar a informação e benefícios sociais que seriam ganhos em decorrência dessa informações. De um ponto de vista utilitatista, essa seria uma base ética para julgar a validade de políticas públicas baseadas em discriminação estatística. Uma política publica baseada em correlações imperfeitas só seria justa se ela não causa déficit social ou se fosse possível ter um grande ganho social com um pequeno investimento social em obtenção de informações. 

E o que isso tudo tem a ver com cotas universitárias, afinal?

Cotas são ferramentas que suprem diversas expectativas e necessidades ao mesmo tempo. Por exemplo, se cotas são implementadas apenas para aumentar a proporção de certas etnias ou grupos sociais dentro da universidade, então não há discriminação estatística, pois não há uma premissa oculta de que tal etnia é (em média) mais ou menos capacitada. Tais considerações são irrelevantes, se a única preocupação é elevar a diversidade dentro da universidade, ou a participação social de segmentos excluídos. Cotas, como meio de engenharia social, não são foco de críticas ou análises no sentido de discriminação estatística. Porém, quando falamos de equiparação histórica ou de oferecer oportunidades mais justas (que são os argumentos que escuto mais comumente), estamos necessariamente falando de discriminação estatística.


O presente projeto de lei PLC180 estipula que 50% das vagas das universidades estatuais serão destinadas à vestibulandos provenientes de escolas públicas, sendo que metade dessas vagas serão ofertadas para os que tiverem renda inferior à 1,5 salários mínimos, e todas elas serão distribuídas de forma equitativa no quesito racial, obedecendo a proporção racial observada em uma dada unidade federativa (nota: a PLC180 não é perfeita, inclusive no quesito equitatividade racial, mas deixo isso para um possível futuro post). Tanto o critério racial, quanto o de renda podem ambos ser encarados como casos de estimulo à inclusão social: no caso da questão racial é mais obvio, pois o texto especifica explicitamente que o número deve obedecer a proporção na população. Já na questão de renda, apesar de não explicitado, aproximadamente metade da população pode ser enquadrada nessa categoria, o que significa que esse critério também procuraria equitatividade social.

Quanto a tais características serem bons indicativos de capacidade reduzida de performance acadêmica, acredito que o quesito de baixa renda não seja foco de duvidas. Mas seria a questão racial um bom critério? Ao meu ver sim. Recentes dados do IBGE revelam que existe uma desigualdade social na distribuição de renda em diferentes etnias ou grupos raciais.

Exemplo da distribuição de renda per capta (em salários mínimos) por diferentes etnias no Sudeste do Brasil.


Muito tem-se argumentado sobre a imperfeição da auto-identificação para a definição de raça, e estudos genéticos sobre a hereditariedade de diversas pessoas são levantadas como sendo evidência de correlação imperfeita entre raça auto-proclamada e a história genealógica do indivíduo. Porém, do ponto de vista que coloquei acima, tal investigação não é justificada, pois aceitamos a informação imperfeita por consideramos que os custos para a elevação da informação não compensa o ganho social que será obtido. Um motivo para isso é que não é a composição genética do indivíduo que se correlaciona com o fenômenos que queremos observar (defasagem acadêmica), mas a percepção social de grupos étnicos, algo que auto-percepção parece ser muito mais eficiente em avaliar (ou talvez seja a única forma de se avaliar isso).

Um argumento comum contra a auto-identificação é que pessoas podem mentir durante a realização de vestibulares e outros concursos, o que é verdade. Por esse motivo, qualquer implementação de cota racial que parta deste princípio deve ter agregado um custo da vigilância para possíveis mentirosos, e possivelmente a aprovação de leis que punam os transgressores. Mentirosos e usurpadores devem ser postos em xeque, e o eventual custo social da vigilância e o da punição devem ser adicionados em nossa avaliação dos benefícios sociais que serão derivados desse tipo de política. Analogamente, se o critério não é auto-identificação, mas caracterização por terceiros, devem existir leis que permitam recorrer a decisões mal-feitas, algo que também deve ser contabilizado.

Mas e o critério relacionado a escola de origem? Em um primeiro momento ela pode ser justificada por ser considerada um bom correlato estatístico com baixa renda ou mesmo raça. Porém nenhum desses argumentos se sustenta, moralmente, pois o custo x para a obtenção da informação necessária é baixíssimo. De fato, ele é tão baixo que ele já é incluído no sistema de cotas, de forma que ele apenas funciona como mecanismo de exclusão, principalmente no caso de indivíduos de baixa renda que não vieram de escolas públicas (bolsistas de escolas particulares, ou mesmo indivíduos sem ensino formal) ou membros de etnias discriminadas que estudaram em escolas particulares (e não me parece haver motivo algum para acreditar que eles não sofreram discriminação e não tiveram seu desenvolvimento acadêmico comprometido em decorrência disso). Nesse ponto, ou acreditamos que a escola pública é um indicativo forte de baixo desempenho acadêmico por si só, à exclusão dos outros dois critérios étnicos e financeiros, ou somos forçados a admitir que tal critério é imoral. Se cursar escola pública leva a um baixo desempenho acadêmico (e provavelmente leva), então o estabelecimento desse tipo de cota está apenas endossando uma falha do próprio estado, não muito diferente da lógica do Progressão Continuada, algo que é dificilmente uma solução para qualquer coisa.

Em suma,

  • Não vejo uma boa justificativa moral para a implementação de cotas “sociais” no sentido de conferir cotas a alunos advindos de escolas públicas, sendo que é possível elevar o nível de informação com um custo social proporcionalmente inferior ao ganho social: este esquema de cotas estaria abaixo do ponto E

  •  cotas raciais e as baseadas em renda me parecem plenamente justificadas, desde que explicitamente destinadas a promover a equitatividade, pois agregam a informação necessária para combater o problema social percebido, estando ambas próximas ao ponto E. Isso não significa que tais cotas são perfeitas, mas que, dada nossa percepção do problema, elas parecem ser uma solução adequada, logo ética.

Fonte:
Maitzen, S (1991). The ethics of statistical discrimination. Social Theory and Practice, 17, 23-45 : 10.5840/soctheorpract199117114

Um peixe chamado Dawkins (e notas sobre feminismo cético)

Saiu recentemente, na nova edição da revista científica “Ichthyological Exploration of Freshwaters”, um artigo de revisão taxonômica e filogenia do genero Puntus de peixes do Sul da Ásia. O trabalho não traz grandes conclusões, fora o estudo de um grupo de peixes diversificados que necessitava de uma avaliação. Porém, chama a atenção o nome do novo gênero proposto para uma pequena linhagem dentro do grupo:
Filogenia molecular baseada no gene cyt-B. Retângulo vermelho evidencia Dawkinsia, genero novo.

Exato. O gênero Dawkinsia é uma homenagem ao Richard Dawkins. O artigo ainda explica:

Etimologia. O gênero foi nomeado segundo Richard Dawkins, por sua contribuição para o entendimento do público da ciência e, em particular, a ciência evolutiva, gênero feminino.

Agora, eu não sou taxonomista (apesar de ter contribuído para alguns trabalhos de taxonomia), e não sei ao certo como funciona o código de nomenclatura de gêneros novos (ou mesmo se peixes tem uma regra especial), mas achei deveras irônico o fato do nome ter o gênero feminino, tendo em vista o fiasco que Dawkins se meteu na comunidade cética.

Para quem não conhece a história: no ano passado, durante uma convenção cética em Dublin, a blogueira e vlogueira Rebecca Watson (a.k.a. Skepchic) recebeu uma cantada em um elevador. Segundo o relato dela:

No bar, mais tarde naquela noite, […], nós estávamos no bar do hotel. “4 a.m.”, eu disse, “já é demais para mim, rapazes, eu estou exausta. Eu vou para a cama”. Então eu andei até o elevador e um homem entrou no elevador comigo e disse: “Não leve isso a mal, mas eu te acho muito interessante e eu gostaria de conversar mais. Você gostaria de vir para o meu quarto para tomar um café?”. Só uma palavra para os sábios: Rapazes, não façam isso. Eu não sei outra forma de dizer que isso me deixa incrivelmente desconfortável, então eu vou simplesmente dizer que eu era uma mulher solteira, em um país estrangeiro, as 4 da manhã, em um elevador de hotel, com você, apenas você… não me chame para o seu quarto de hotel logo após eu ter terminado de dizer que eu fico desconfortável quando homens me sexualizam dessa forma.

Para os que não sabem, “tomar um café” costuma ser um eufemismo.

A ênfase (negrito) é minha, porém é essa parte do discurso que a Rebecca reitera como sendo o ponto da sua colocação sobre o incidente. De qualquer forma, o que aconteceu depois é ainda meio confuso: eu não sei se a Rebecca fez outras afirmações, ou se apenas o que veio depois da frase destacada realmente ofendeu os homens das comunidades céticas, mas a discussão e agressões atingiram um nível tão impressionante que acho que só pode ser descrito como o primeiro e maior flame war internacional da internet. A coisa toda atingiu um nível tão baixo que Dawkins interferiu na conversa, de forma desastrosa, através de um comentário postado no blog Pharyngula (infelizmente o comentário original parece ter sido apagado, mas reproduzo abaixo):

Querida Muslima, 

Pare de reclamar. Sim, sim, nós sabemos que sua genitália foi cortada com uma navalha e … (bocejo)…  não me conte novamente, eu sei que você não pode dirigir um carro, e você não pode deixar sua casa sem um parente homem, e o seu marido pode bater em você, e você será apedrejada até a morte se cometer adultério. Mas pare de reclamar. Pense no que suas pobres e sofredores irmãs americanas tem que lidar. 

Nessa semana eu escutei que uma delas, que se chama Skep”chick”, e você sabe o que aconteceu com ela? Um homem em um elevador convidou ela para o seu quarto para tomar um café. E eu não estou exagerando. Ele realmente fez isso. Ele convidou ela para o seu quarto para tomar um café. Evidente que ela disse não, e evidente que ele não encostou um dedo nela, mas mesmo assim… 

E você, Muslima, pensa que tem que reclamar de misoginia! Pelamor de Deus, cresça, ou pelo menos adquira uma casca mais grossa.
Richard

Aparentemente a ideia era simular uma carta a uma muçulmanda (“Muslima”) que sofre atos horrivels de abuso, sugerindo que os reais problemas trazidos pela misoginia são aqueles sofridos pelas mulheres ocidentais. A intenção é clara: você, mulher vitima de misoginia “leve” não deveria ligar, afinal, tem pessoas passando por piores situações que a sua. Quando esse tipo de “lição de moral” é emitida, eu sempre me pergunto: deveríamos então nos sentirmos melhores quando estivermos com doenças terminais, apenas por não estarmos mortos? A lógica me parece a mesma.

Eu honestamente não sei o que fez Dawkins se portar assim. Suponho que, da mesma forma que existem trolls machistas que adoram ameaçar mulheres, imagino que existam trolls feministas radicais que se aproveitaram da ocasião para defender seus ideais. Quando isso ocorre, rapidamente posições se formam não apenas por alinhamento ideológico, mas por repudio à algum tipo de pensamento: “eu acho tal tipo de pensamento abominável, essa pessoa se identifica como X, logo vou me associar com a posição contrária”. Não que eu ache que isso justifica a atitude de Dawkins, pois mesmo que ele tivesse respondendo à uma falsa visão do que a Rebecca disse, isso não o exime de não checar suas fontes, ou mesmo de falar com a própria Rebecca (visto que eles tiveram contato durante essa mesma conferencia).

Não estou dizendo que todas as feministas são assim, obviamente, mas temos grupos extremos dentro de qualquer grupo, sejam cristãos, ateus, feministas, vegetarianos, etc. Por exemplo, recentemente a vloggeira Laci Green foi perseguida e ameaçada no Tumblr por um grupo de feministas pelo fato de ter usado um termo aparentemente pejorativo para se referir a transexuais, mesmo depois de ter se desculpado oficialmente pelo fato. Eu sempre digo que a proporção de idiotas em qualquer subgrupo da população humana parece ser constante. Não vejo porque seria diferente para as feministas.

Por falar em idiotas e feminismo, recentemente eclodiu outra flame war no FreeThoughts Blogs. Para quem não sabe, os FTB foram idealizados por PZ Myers (o mesmo que bloga no Pharyngula, o blog onde Dawkins postou seu comentário infeliz) para ser um lugar onde bloggeiros pudessem avançar suas idéias e o ideal do Pensamento Livre (que não é o mesmo que dizer o que lhe vier na cabeça). Recentemente, os FTB adicionaram Phil Mason (a.k.a. Thundef00t), um dos maiores vlogeiros ateus do youtube. Thunderf00t é conhecido, entre outras coisas, por defender a liberdade de expressão acima de tudo, o que o fez ser taxado de racista e de misógino. Ele está por trás do Dia de todo mundo desenhar Mohammed, um movimento, na minha opinião, no mínimo equivocado.

De qualquer forma, a inclusão de Thunderf00t no FTB não foi recebida com entusiasmo pelos membros, coisa que foi agravada pela publicação do primeiro post de Thunderf00t, argumentando exatamente que o problema de sexismo em convenções céticas (uma discussão que ganhou força com a discussão acerca do caso da Rebecca Watson) não era uma questão séria:

Resumindo, existe “assédio” em conferências? Eu não vi realmente nada acontecendo nas próprias conferências, apesar que nos bares em outros lugares, claro que ele acontece (apesar que discutivelmente não mais do que ocorrem em qualquer outro bar ao redor do pais). – De meia dúzia de conferências, isso dá uma ideia da extensão do problema.

Ou seja: você, mulher vitima de misoginia “leve” não deveria ligar, afinal, temos coisas melhores para nos preocupar segundo nossa análise de custo-benefício. Soa familiar, não? De qualquer forma, uma onda de críticas irrompeu, culminando na expulsão do Thunderf00t do FTB por PZ Myers, apos aproximadamente 10 dias de site.

O que torna tais situações realmente desagradáveis, até onde vejo, é a desigualdade entre a capacidade de julgar a sua própria postura em relação a estereótipos racistas ou misóginos. Afinal, uma pessoa pode ter atitudes misóginas sem se identificar como tal (o que imagino que seja raro, inclusive). Tal dissonância pode produzir discursos que são idealizados como harmonizadores, mas são realizados como nocivos. Duvido que Dawkins e Thunderf00t se vejam como misóginos e eu não chamaria eles assim. Mas me parece óbvio que seus discursos se aproximam mais de um discurso misógino do que de qualquer outra coisa.

O que podemos tirar de tudo isso? Bem… com certeza podemos dizer que o antigo gênero Puntus, do Sul da Ásia, agora é dividido em diversas linhagens. Cinco linhagens, pra ser mais preciso…

Referência

Rohan Pethiyagoda, Madhava Meegaskumbura, & Kalana Maduwage (2012). A synopsis of the South Asian fishes referred to Puntius (Pisces: Cyprinidae) Ichthyological Exploration of Freshwaters