A borboleta e as formigas II


Bom, finalmente vamos ao que interessa, depois de vermos a teoria da Rainha de Copas e a família Lycaenidae veremos o que a relação de hoje tem de especial (e já aviso, não perca o vídeo no fim do post -qualquer coisa clique em continuar lendo- pois ele tem uma surpresa muito interessante).

Durante a reprodução, a borboleta azul Maculinea alcon se comporta como uma borboleta normal e deposita seus ovos na planta Gentiana pneumonanthe, esta à direita, assim suas lagartas já nascem sobre seu alimento. Até aí nenhuma novidade…
Mas, após uma semana se alimentando na planta, as lagartas se deixam cair no solo, onde acabam sendo encontradas por formigas. Se você leu o post anterior já imagina o que vai acontecer. A lagarta tem açúcares na superfície de seu corpo que sinalizam para as formigas que ela é uma pupa, e como tal, a formiga a carrega para dentro do formigueiro, onde vai ser colocada na câmara de alimentação.
Na Dinamarca, local do estudo feito por David R. Nash e colaboradores, são duas as espécies de formigas utilizadas pela lagarta, Myrmica rubra e Myrmica ruginodis. Ao levarem a lagarta para seu formigueiro, em alguns casos bem mais de uma, as formigas estão condenando suas companheiras a alimentar e cuidar de um “cuco” que vai debilitar sua sociedade, principalmente em formigueiros
pequenos. Está armado o esquema que vai desencadear uma coevolução.

A distribuição das formigas, é ampla, assim como a distribuição da planta Gentiana, mas a distribuição da borboleta azul está restrita aos locais onde há uma sobreposição entre a população das hospedeiras e da planta que serve de alimento para sua lagarta durante a primeira etapa de seu ciclo de vida. Espécies que têm uma distribuição restrita como essa por precisarem de vários fatores, são geralmente mais frágeis e mais suscetíveis a destruição causada pela intervenção humana.
A presença da borboleta causa na população de formigas parasitadas (que aparecem com um sinal de + no esquema) uma pressão seletiva para que as formigas mudem seus carboidratos de superfície, podendo assim distinguir entre pupas e lagartas, e com isso não tragam o pequeno intruso para dentro de casa. E a borboleta sofre a pressão contrária, para igualar sua superfície à da formiga e com isso, passar desapercebida.
O que o estudo publicado na Science mostrou é que, as duas esécies de formiga têm seu fluxo gênico diferente. O que quer dizer o seguinte: a formiga Myrmica ruginodis tem um fluxo gênico maior, sua população troca genes numa grande área, dessa maneira populações locais apresentam pouca variação genética. Já a M. rubra tem seu fluxo gênico menor, ou seja, populações locais trocam poucos genes e com isso têm maiores diferenças genéticas. Imagine o fluxo gênico como a cor vermelha na figura abaixo.

Como consequência, a dinâmica parasita-hospedeiro nas duas espécies é diferente. Na espécie M. ruginodis a infecção por Maculinea alcon é constante, enquanto na formiga M. rubra, a infecção varia entre 0 e 72%, indicando pontos de adaptação local. Com o estudo de genética de populações e da variação dos carboidratos de superfície, os autores concluiram que na espécie M. rubra, a variação genética dentro das populações sujeita à borboleta (lembre do sinal de + na figura mais acima) é maior do que nas regiões em que não está presenta a borboleta. Quando o esperado seria o contrário, pois a distribuição geográfica das formigas parasitadas é menor, e restrita a co-ocorrência da planta utilizada pela lagarta.
Então, eis o que acontece: nas populações de M. rubra, ocorre a pressão seletiva para mudança dos carboidratos de superfície corpórea, e quando isso acontece, o baixo fluxo gênico permite uma adaptação local, fixando a característica e permitindo que os formigueiros não sejam invadidos pela M. alcon. Nas populações de M. ruginodis, o maior fluxo gênico não permite a fixação das variantes, mantendo a população relativamente homogênea e parasita com um sucesso constante pela borboleta, permitindo inclusive que sua população persista e tenha oportunidades de se adaptar às novas variantes de M. rubra e possam voltar à parasitá-la.
O vídeo abaixo, do sempre citado Life in The Undergrowth mostra a lagarta sendo levada e cuidada pelas formigas. Se você habilitar o áudio, além de ouvir a narração em inglês (nem preciso dizer de quem) vai ouvir o som que a lagarta emite para imitar as pupas, som este que precisou ser gravado em estúdio, sob total silêncio. E se acompanhar até o final vai perceber o porquê de eu gostar tanto das vespas Ichneumonidae, que pelo visto são melhores que as formigas em distinguir a lagarta da Maculinea alcon.

Fonte:
A Mosaic of Chemical Coevolution in a Large Blue Butterfly; David R. Nash, Thomas D. Als, Roland Maile, Graeme R. Jones, and Jacobus J. Boomsma, 2008,Science 319 (5859), 88. [DOI: 10.1126/science.1149180


One response to “A borboleta e as formigas II”

  1. Oi Atila, parabéns pelo blog, gostei muito, principalmente desse trabalho sobre as Maculineas. Eu também trabalho com interações borboleta-formigas e tem muita coisa legal para ser descoberta sobre esses sistemas, ainda mais em lugares megadiversos, como o Brasil…
    Abraço,
    Lucas

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *