Amigo ou inimigo


E agora, mais um post sobre a diversidade de relações que podemos encontrar. Hoje, sobre o quão variável pode ser uma interação que parecia óbvia:

A convivência com inquilinos não é privilégio de humanos. Diversos seres vivos convivem intimamente com outros, num processo chamado de simbiose (vida conjunta). Essa simbiose pode ter várias consequências, que vão do parasitismo, onde um se beneficia e prejudica o outro, ao mutualismo, onde ambos se beneficiam a ponto de dependerem um do outro. Uma associação famosa, e bem ressaltada em tempos de aquecimento global, é a que acontece entre corais e dinoflagelados.

Os corais são formados por animais cnidários, parentes das águas-vivas, e formam um esqueleto externo de calcário, geralmente branco. O acúmulo de esqueletos antigos, uns sobre os outros é o que faz com que o coral cresça. O que dá a cor ao coral é o próprio animal, por isso quando ele morre o coral sofre o processo de branqueamento que tanto preocupa ambientalistas.

Para se alimentar, além da filtragem de partículas da água, os corais fazem associação com dinoflagelados, organismos unicelulares fotossintetizantes, que em troca de proteção e um ambiente favorável, fornecem parte dos açúcares sintetizados. Os dinoflagelados que participam da simbiose são sensíveis a variações de temperatura de alguns graus apenas, e podem morrer tanto em decorrência do aumento da temperatura da água quanto da obstrução da luz solar por poluentes. São eles os mais afetados pelo efeito antrópico (causado pelo ser humano).

O gênero Symbiodinium é capaz de fazer simbiose com diversos animais marinhos, e pode ser dividido em oito grupos, ou clados, de A a H. Os clados podem ter diferentes comportamentos na simbiose, por exemplo: corais que fazem simbiose com o clado C podem crescer até três vezes mais rápido do que os que fazem com o clado D. Em compensação, dinoflagelados do clado D são mais tolerantes à variação de temperatura, o que pode deixar os hospedeiros mais resistentes ao branqueamento.

Já o clado A, aparece mais frequentemente em corais sofrendo branqueamento, principalmente em corais dos mares do Caribe. Intrigados com essa relação, cientistas compararam a diferença na fixação de carbono e na maneira de transmissão entre os clados A e C. O clado C é transmitido verticalmente, de pais para filhos, o que denota uma dependência do hospedeiro, enquanto o clado A é mais transmitido horizontalmente, através da água, e cresce tranquilamente fora do coral, podendo ter vida livre. Há também uma diferença na fixação de carbono, o clado C, além de fixar mais carbono, aumenta essa capacidade em resposta a substâncias produzidas pelo coral, o que favorece o hospedeiro, enquanto o clado A é indiferente.

Trazer estranhos para sua casa sempre pode trazer surpresas
Trazer estranhos para sua casa sempre pode trazer surpresas.

A baixa fixação de carbono, a vida possibilidade de vida livre e a presença mais frequente em corais que sofrem branqueamento, indicam que os dinoflagelados do clado A atuam como parasitas dentro dos corais, não produzindo carboidratos suficientes e prejudicando o hospedeiro. Mais uma mostra de que a convivência com um inquilino simbionte pode gerar surpresas. O balanço entre uma relação de parasitismo ou de mutualismo é muito tênue, mais um reflexo da diversidade da Natureza.

Em breve falo das mitocôndrias, e como um possível parasita se tornou um simbionte importante a ponto de termos sistema respiratório e circulatório, além de hemáceas, só para serví-lo.

Fonte [artigo com acesso livre]:

Michael Stat, Emily Morris,and Ruth D. Gates. Functional diversity in coral-dinoflagellate symbiosisPNAS 2008 105:9256-9261; published ahead of print June 30, 2008.
doi:10.1073/pnas.0801328105

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One response to “Amigo ou inimigo”

  1. Olá!
    Inspirada pelo post recente “Pólipos artísticos”, busquei no blog mais assuntos sobre o tema, visto que trabalho com esses organismos. Encontrei esse post que, apesar de ser um pouco antigo, merece um comentário. Os corais, assim como todos o cnidários, não se alimentam por filtração! Os cnidários possuem uma série de características, células contráteis, rede nervosa e os famosos cnidócitos, que lhes permitem o hábito predador.
    Excelentes posts, Átila! parabéns pelo blog.

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