Corrida exibicionista


Qual o sentido de se ter um bom alarme de carro, se você não avisar o ladrão?

Encosta pra você ver!
Encosta pra você ver!

Já me explico. Quando se instala um bom alarme no carro, a idéia é evitar o roubo, mais do que impedir. Melhor que nem tentem roubar, do que quebrarem uma janela, fechadura e tudo o mais para depois descobrir que não adianta tentar levar o carro.

Pensei nisso esses dias, vendo a notícia de que o MASP agora está muito mais equipado com sistemas de segurança (antes tarde do que nunca). Na notícia, uma repórter mostrava que o museu agora tem câmeras com muito mais definição, capazes de seguir movimentos, detectar quadros removidos, sensores de presença e detectores de metal. O âncora do jornal criticou a postura do MASP de revelar os alarmes, mas a idéia é justamente essa, avisar e desencorajar possíveis ladrões para não ter que usar os alarmes.



©Ror

Mas o que isso tem a ver com evolução? Tudo. Pense em um organismo que possui uma defesa contra predadores muito boa, por exemplo, um veneno sob a pele capaz de matar possíveis atacantes. O que é preferível, levar uma mordida, possivelmente fatal, e se não for fatal, gastar o veneno que custou muito caro para ser feito ou avisar logo que ele é perigoso e deixar para usar o veneno apenas com os mais atrevidos?

Na grande maioria das vezes, organismos perigosos, sejam eles cogumelos, vespas, salamandras, peixes, pererecas ou borboletas, sofrem pressão evolutiva para demonstrar sinais de aviso. Vermelho, amarelo, laranja, azul e outras cores que se destacam, as chamadas cores aposemáticas são utilizadas justamente para dar um destaque ao organismo perigoso. Surge assim um código unversal, presas perigosas são selecionadas para avisar o que contém e predadores são selecionados para reconhecer e aprender quais presas são palatáveis ou não.



© Pompilid

Voltando para o seu carro, imagine que você sabe de um alarme muito bom e conhecido, mas não tem dinheiro para comprar – ou tem o dinheiro e não quer. Da necessidade surge a brilhante idéia, ao invés de comprar o alarme, você falsifica o adesivo que vem com ele e cola no seu carro. Assim, grande parte dos ladrões vai reconhecer o adesivo e procurar outro carro, que não tenha o alarme. Quanto mais parecido com o original, mais eficiente seu adesivo vai ser.

Esse é o chamado mimetismo Batesiano. Situação onde uma presa que não tem uma defesa boa se passa por uma presa perigosa, mimetizando o formato do corpo e/ou as cores de outros mais “famosos”. Dispensa o investimento em veneno, ferrão, sabor amargo e o que mais for usado pelos perigosos.



© fmc.nikon.d40
Cogumelo amanita, recheado de potentes toxinas.

Bom para quem pirateia, ruim para o dono do original. Sim, pois uma vez que um predador atacar um imitador cheio de cores aposemáticas e não se ferrar, especialmente se for um predador inteligente como uma ave, vai estar mais disposto a atacar outros coloridos, independente de serem perigosos ou não. Nesse ponto, as cores de aviso dos perigosos perdem todo o sentido, pois a idéia antes de tudo é evitar o ataque.

Que acontece então? Claro, uma dinâmica evolutiva da Rainha Vermelha. Presas perigosas cada vez mais distintas das outras e presas mímicas cada vez imitando melhor as novas características. daí o surgimento de tantas cores e padrões malucos e lindos que estão nas imagens do post.



© Nick Hobgood

© Murat Aksu

Nudibrânquios, moluscos marinhos dotados de veneno e capazes de, ao comer águas vivas, utilizar as células de veneno chamadas cnidários delas para sua própria proteção.


Salamadra de fogo, produz alcalóides extremamente tóxicos na pele, e a distribuição de glândulas de veneno coincide com a região amarela!

A resposta do enigma de sexta-feira passada e fotos de mímicos que utilizam o mimetismo Batesiano, aguardem o próximo post…

Fonte:
Daniel W. Franks, Graeme D. Ruxton, and Thomas N. Sherratt, “WARNING SIGNALS EVOLVE TO DISENGAGE BATESIAN MIMICS,” Evolution (2008), doi:10.1111/j.1558-5646.2008.00509.x.


9 responses to “Corrida exibicionista”

  1. Belo post, tirou uma dúvida que surgiu em minha cabeça vendo National Geographic hoje, onde falava dos famosos sapinhos coloridos amazônicos. Lá surgiu a hipótese de as cores dos sapos servirem de seleção sexual também e não só para a proteção.
    Grande abraço

  2. Oi Rafael, bem provável que as cores também sirvam para seleção sexual, inclusive porque podem variar bastante dentro de uma mesma espécie. Características visuais e sonoras sempre estão sujeitos a entrar na dança. Mesmo as cores dos camaleões e as penas dos dinossauros podem já ter passado por isso, como já postei aqui no blog.

  3. Eu pensava que seleção natural fosse involuntária, (des)favorecendo animais/plantas pela simples conseqüência da sobrevivência ou morte.
    Não no nosso caso da escolha de imitar uma proteção, que é uma escolha nossa.
    Mas eu achava que se uma presa venenosa existia, e um predador não se alimentava desta presa, era porque todos os outros que o faziam morreram, até que a presa deixou de ser considerada uma fonte de nutrição, gerações depois, e no caso da presa, só as venenosas sobreviveram por serem venenosas, tendo todas as outras variações sem veneno sido devoradas.

  4. Soturnus,
    Involuntária, ela é sim. Mas em várias situações uma presa venenosa não é caso de vida ou morte. Ela pode simplesmente ser mais trabalhosa de capturar, ferroar ou mesmo ter um gosto ruim. E o predador simplesmente evita em busca de presas mais fáceis, podendo atacá-la se preciso.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *